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Ambidestria contextual: como tudo começou

Confira este texto pioneiro da MIT Sloan Management Review, publicado em 2004 e atualizado, sobre o conceito de gestão simultânea do presente e do futuro sem o foco em duplicar estruturas, mas nos indivíduos e na humanização

Julian Birkinshaw e Cristina Gibson

17 de Julho

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Artigo Ambidestria contextual: como tudo começou

A mudança tecnológica, a turbulência política e a incerteza econômica dos últimos cinco anos reafirmaram aos gestores a importância da adaptabilidade, ou seja, da capacidade de se mover rapidamente em direção a novas oportunidades, ajustar-se a mercados voláteis e evitar a autocomplacência. Embora a adaptabilidade seja importante, ela sozinha não basta.

As empresas de sucesso não são apenas ágeis, inovadoras e proativas; elas também são boas em explorar o valor de seus ativos – executando os modelos de negócio atuais rapidamente e eliminando os custos das operações existentes. Em outras palavras, elas têm tanto adaptabilidade como o que chamamos de “alinhamento” – um senso claro de como o valor está sendo criado no curto prazo e como as atividades devem ser coordenadas e otimizadas para entregar esse valor. Essa capacidade de se adaptar e de se alinhar é conhecida como ambidestria.

O problema é que é difícil encontrar o equilíbrio certo entre adaptabilidade e alinhamento. Case você mantenha um foco muito grande no alinhamento, seus resultados de curto prazo parecerão bons, mas as mudanças setoriais vão pegá-lo de surpresa mais cedo ou mais tarde. Lloyds Bank, com sede no Reino Unido, proporcionou retornos espetaculares aos acionistas durante as décadas de 1980 e 1990, em grande parte por causa do foco exclusivo do CEO no retorno sobre o patrimônio líquido. Porém, pouca atenção foi dada à compreensão das mudanças nas necessidades dos clientes ou ao ânimo da força de trabalho, o que acabou prejudicando o desempenho da empresa. De 1998 a 2003, o Lloyds Bank perdeu 60% de seu valor de mercado.

Da mesma forma, muita atenção ao lado da adaptabilidade dessa equação significa construir os negócios de amanhã às custas dos de hoje. Pense no caso da Ericsson da Suécia, que liderou o desenvolvimento tecnológico da indústria de telefonia móvel. A Ericsson desenvolveu um dos primeiros sistemas móveis analógicos; liderou o desenvolvimento de todo o setor do sistema global de comunicação móvel; e foi pioneira em sistemas gerais de comunicação por rádio e padrões de tecnologia móvel de terceira geração.

Mas o crescimento impressionante nas vendas no negócio de sistemas da empresa mascarou uma estrutura organizacional inchada e de alto custo. Em seu pico, o departamento de pesquisa de desenvolvimento (P&D) empregou 30 mil pessoas em aproximadamente 100 centros de tecnologia, duplicando drasticamente seus esforços. A adaptabilidade, em outras palavras, tinha prevalecido sobre o alinhamento, e a queda subsequente na indústria de telecomunicações fez a Ericsson ser atingida com mais força do que a maioria.

Ambidestria estrutural x contextual

Evidências sugerem que muitas empresas têm problemas para aplicar o conceito de ambidestria. A abordagem padrão é criar ambidestria estrutural, ou seja, estabelecer estruturas separadas para diferentes tipos de atividades. Por exemplo, as unidades de negócios centrais recebem a responsabilidade de criar alinhamento com os produtos e mercados existentes; e o departamento de P&D e o grupo de desenvolvimento de negócios têm a tarefa de prospectar novos mercados, desenvolver novas tecnologias e acompanhar as tendências emergentes da indústria. O argumento dita que a separação estrutural é necessária porque os dois conjuntos de atividades são tão drasticamente diferentes que não podem coexistir efetivamente.

Mas a separação também pode levar ao isolamento, e muitos grupos de P&D e desenvolvimento de negócios não conseguem que suas ideias fossem aceitas devido à falta de vínculos com os negócios principais. Muitas empresas experimentaram variações do modelo de ambidestria estrutural. Alguns tiram os indivíduos de seus empregos atuais para trabalhar em uma equipe multifuncional dedicada por um período limitado de tempo.

Outros separam os diferentes tipos de atividades em uma única unidade de negócios – por exemplo, criam uma equipe de desenvolvimento de pequenos negócios ligada a uma unidade de negócios. Isso até evita a forma extrema de separação típica das estruturas duais, mas não resolve por ser uma imposição de cima para baixo. Na tentativa de lançar uma nova luz sobre o fenômeno, desenvolvemos o conceito de ambidestria contextual, segundo o qual cada funcionário vai fazendo escolhas, no dia a dia do trabalho, entre atividades orientadas para o alinhamento e para a adaptação. Em uma unidade de negócios que é ambidestra, os sistemas e estruturas são mais flexíveis, permitindo que os funcionários usem seu próprio discernimento sobre como dividir seu tempo entre os dois tipos de atividades. Por exemplo, neste momento, é melhor se concentrar nas contas dos clientes atuais para bater a meta ou nutrir novos clientes com necessidades ligeiramente diferentes? Para fomentar a ambidestria contextual no nível individual, um nível muito maior de atenção deve ser dado ao lado humano da organização.

O conceito foi explorado em uma ampla pesquisa de três anos em dez multinacionais, em várias de suas unidades de negócios de cada uma, em parceria com o Fórum Econômico Mundial e a consultoria Booz Allen Hamilton (hoje PwC Strategy&) e os resultados nos permitiram identificar quatro comportamentos ambidestros em indivíduos:

Indivíduos ambidestros tomam a iniciativa e estão alertas para oportunidades além dos limites de seus próprios empregos

Por exemplo, um gerente regional de vendas de uma grande empresa de informática, em discussões com um grande cliente, percebeu a necessidade de um novo módulo de software que nenhuma empresa oferecia atualmente. Em vez de tentar vender algo diferente ao cliente ou apenas passar a liderança para a equipe de desenvolvimento de negócios, ele se encarregou de elaborar um case de negócios para o novo módulo; assim que recebeu o sinal verde, passou a trabalhar em tempo integral no desenvolvimento do produto.

Indivíduos ambidestros são cooperativos e buscam oportunidades para combinar seus esforços uns com outros

Uma gestora de marketing de uma grande empresa de bebidas italiana estava envolvida principalmente no apoio a uma subsidiária recém-adquirida, e estava frustrada com a falta de contato que tinha com seus colegas em outros países. Em vez de esperar que alguém na sede agisse, ela iniciou discussões com colegas de outros países que levaram à criação de um fórum de marketing europeu. Esse grupo se reunia trimestralmente para discutir questões, compartilhar as melhores práticas e colaborar nos planos de marketing.

Indivíduos ambidestros atuam como conectores, sempre procurando construir vínculos internos

Em uma visita de rotina à matriz em St. Louis, um gerente de fábrica canadense de uma grande empresa de produtos de consumo ouviu discussões sobre os planos de um investimento de US$ 10 milhões em uma nova fábrica de fitas. Ele indagou mais sobre esses planos e, em seu retorno ao Canadá, ligou para um gerente regional em Manitoba, que ele sabia que estava procurando maneiras de construir seu negócio. Com um apoio generoso do governo de Manitoba, o gerente regional participou de uma licitação e acabou ganhando o investimento de US$ 10 milhões.

Indivíduos ambidestros são multitarefas e se sentem confortáveis fazendo mais de uma coisa

Por exemplo, o gestor de operações na França de um grande distribuidor de café e chá era encarregado apenas de fazer aquela fábrica funcionar da maneira o mais eficiente possível. Mas ele se encarregou, por conta própria, de identificar novos serviços de valor agregado para seus clientes. Ele desenvolveu um papel duplo para si mesmo, gerenciando operações quatro dias por semana e desenvolvendo, no quinto, um módulo eletrônico promissor que relatava automaticamente problemas iminentes dentro de uma máquina de venda automática de café. Ele conseguiu financiamento corporativo, contratou uma empresa para desenvolver o software e, em seguida, comandou o módulo em suas próprias operações. O módulo funcionou tão bem que gestores de operações de vários outros países o adotaram posteriormente.

Esses quatro atributos – que descrevem coletivamente um funcionário ambidestro – têm vários pontos importantes em comum. Em primeiro lugar, eles consideram agir fora dos limites estreitos de seu trabalho e no interesse mais amplo da organização. Em segundo lugar, descrevem indivíduos que estão suficientemente motivados e informados para agir espontaneamente, sem pedir permissão ou apoio de seus superiores. Terceiro, encorajam ações que envolvem adaptação a novas oportunidades, mas estão claramente alinhadas com a estratégia geral do negócio. Esses comportamentos são a essência da ambidestria, e ilustram como uma capacidade dupla de alinhamento e adaptabilidade pode ser tecida na estrutura de uma organização no nível individual.

AINDA ASSIM, A CAPACIDADE DE UM INDIVÍDUO DE EXIBIR AMBIDESTRIA É FACILITADA (OU RESTRINGIDA) PELO CONTEXTO ORGANIZACIONAL EM QUE ELE OPERA, então a ambidestria contextual também pode ser diagnosticada e entendida como uma capacidade organizacional de ordem superior. Veja artigo aqui.

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Autoria

Julian Birkinshaw e Cristina Gibson

Julian Birkinshaw é professor de gestão internacional e estratégica da London Business School e fellow do Advanced Institute of Management Research. Cristina Gibson é professora de gestão da Graziadio Business School, ligada à Pepperdine University, de Malibu, Calfórnia.

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