Para navegarmos melhor na incerteza, a inteligência artificial tem de ser encarada como parte de uma tríade
A inteligência artificial (IA) entrou na agenda de todas as empresas. Parece que aconteceu de repente, mas não foi assim – só o tratamento de imagens médicas usando IA já tem uns 70 anos. Porém é agora, com essa súbita popularização provocada pelo ChatGPT, que compreender as bases de IA se tornou realmente essencial para os gestores das mais variadas organizações, a fim de garantir que sua implementação seja eficaz, ética e orientada para o desenvolvimento humano e social. A popularização é um cenário que claramente veio do futuro e começou por desafiar e ampliar as fronteiras do que é inteligência para nós.
Neste artigo, propomos uma nova abordagem para lidar com esse novo cenário, considerando uma tríade das inteligências – a individual, a social e a artificial – como elemento estratégico decisivo para os negócios e a sociedade daqui por diante. Trata-se de uma compreensão que, diferentemente do que pensam alguns, engloba não só aspectos técnicos e os algoritmos envolvidos, mas também (ou principalmente) as dimensões humanas. Isso porque IA não deve ser vista apenas como uma nova ferramenta; ela compõe um novo espaço estratégico. E este, para funcionar bem, depende de inteligências individuais, sociais e artificiais interligadas. Somente assim criaremos soluções de IA que atendam bem pessoas, grupos e comunidades.
Inteligência é uma dimensão da existência humana tradicionalmente vista como uma capacidade inerente a um indivíduo. No entanto, inteligência é muito mais complexa e multifacetada, e, quando algo denominado “inteligência artificial” evolui tão rápido como vem acontecendo, isso fica bem visível. No contexto digital do século 21, faz muito mais sentido falar em uma tríade de inteligências e entender o impacto potencial dessa tríade sobre a economia, os negócios e a sociedade.
Antes de tudo, no entanto, é preciso reconhecer como cada uma funciona e como interagem entre si.
A inteligência individual, extensivamente explorada por Howard Gardner, Jean Piaget, Carl Jung e outros, é a capacidade que alguém tem de aprender, raciocinar, resolver problemas e se adaptar. Gardner, em sua teoria das inteligências múltiplas, deixou claro que inteligência não é uma capacidade unitária, mas uma rede de habilidades separadas, e cada uma pode funcionar de maneira independente das outras, o que sugere que a inteligência individual não é monolítica, mas provavelmente uma coleção de capacidades distintas que se complementam.
Pense na inteligência individual do empreendedor iniciando um negócio. Ele ou ela pode ter uma visão única (inteligência intrapessoal), ser hábil em convencer os outros a investir na ideia (inteligência interpessoal) e ser capaz de analisar tendências de mercado (inteligência lógico-matemática). Tais aspectos da inteligência individual se combinam para o sucesso.
A inteligência social, por sua vez, é a capacidade que grupos de pessoas têm de aprender, raciocinar, resolver problemas e se adaptar. Não é preciso ter conhecimento científico sobre redes sociais para entender que grupos de pessoas devidamente motivadas têm a capacidade de resolver problemas complexos de maneiras que os indivíduos não conseguem.
Consideremos a inteligência social de um time de desenvolvimento de software. Cada membro da equipe tem competências e habilidades especializadas; combinados, eles são capazes de desenvolver software de complexidade e qualidade que nenhum deles seria capaz de criar individualmente. Nesse caso, a inteligência social do time é maior do que a soma das inteligências individuais de seus membros.
A inteligência artificial, por fim, é a capacidade de máquinas e sistemas de aprender, raciocinar (mesmo que de maneira limitada), resolver problemas e se adaptar. A IA tem o potencial de mudar drasticamente a maneira como trabalhamos, vivemos e interagimos. É capaz de analisar grandes volumes de dados como humanos não fazem, pode identificar tendências e padrões ocultos e ainda consegue tomar decisões com base nesses insights.
Imagine, por exemplo, usar IA na análise de dados de vendas para prever quais produtos serão populares na próxima temporada. Algoritmos de aprendizado de máquina e análise preditiva podem criar insights valiosos para informar estratégias de negócios.
Mas e a interação entre elas? Afinal, se cada inteligência tem suas capacidades, também tem limitações; é a interação que faz abrir novas possibilidades. A inteligência individual funciona como a base dessa pirâmide; é a fonte de criatividade, inovação e liderança. Inteligência social, como camada intermediária, permite que grupos de pessoas trabalhem juntas para resolver problemas complexos; sem ela, não há colaboração, cooperação ou comunicação eficaz. E a inteligência artificial, com a capacidade de processar e analisar grandes volumes de dados, entra fornecendo insights valiosos e informações para a tomada de decisões.
Estamos convictos de que negócios que reconhecem a tríade de inteligências em todo seu potencial poderão estar mais bem equipados para se adaptar, evoluir e se transformar num mundo em constante mudança, enfrentando desafios cada vez mais complexos e aproveitando novas oportunidades. Mas o reconhecimento é apenas o começo; é preciso saber acionar a tríade. Em estudos e em nossa prática cotidiana com empresas diversas na TDS.company, identificamos ao todo 13 princípios fundamentais que viabilizam esse acionamento:
As inteligências individual, social e artificial coexistem e se complementam. A teoria das inteligências múltiplas já entendia a inteligência não como uma capacidade de alguém, mas uma rede de habilidades interdependentes dessa pessoa. Se estendermos tal ideia para além do âmbito individual, incluímos a inteligência social e a inteligência artificial e sua capacidade – mesmo limitada –, já descritas.
O processo de maturação intelectual se dá de maneira progressiva e sequencial, por estágios. Inteligência não é uma característica inata, mas construída em experiências ativas, em que a pessoa explora o mundo e assimila informação às estruturas cognitivas já existentes, equilibrando processos de assimilação e acomodação em estágios caracterizados por formas específicas de pensamento, capacidades e limitações. Isso reflete as transformações graduais nas estruturas mentais (nos referimos à neuroplasticidade).
A inteligência social envolve a habilidade de compreender e interpretar comportamentos, emoções e intenções dos outros, levando a formar laços sociais, cooperação e coordenação de atividades em grupo. É influenciada por diversos fatores, como genética, ambiente social e experiências de vida, e não é uma característica fixa, mas aprimorada por meio de práticas de comunicação efetiva e habilidades de resolução de conflitos. Redes sociais e relacionamentos interpessoais são elementos-chave na formação da inteligência social, porque as interações sociais moldam nossos cérebros e influenciam nosso comportamento. A inteligência social é a base do funcionamento saudável e adaptativo das sociedades humanas.
A IA e suas capacidades abrem um horizonte de possibilidades para análise e tomada de decisão. Um exemplo desse potencial reside na análise de grandes volumes de dados, levando à identificação de padrões, tendências e oportunidades emergentes que podem passar despercebidas aos olhos humanos. Ao utilizarmos a inteligência artificial de maneira responsável e ética, podemos obter vantagens competitivas significativas. A inovação impulsionada por IA tem o potencial de transformar os fundamentos de como os negócios operam.
Defendemos, como já foi dito, que haja a interação ativa entre essas três inteligências fundamentais, em uma abordagem integrada e holística, e propomos que elas desempenhem um papel de base nos processos de tomada de decisão das organizações.
Um exemplo? Um estrategista pode usar sua inteligência individual alicerçada em expertise e conhecimentos adquiridos, para desenvolver ideias e perspectivas iniciais. Em seguida, pode engajar a equipe e acionar a inteligência social, alavancando a diversidade de experiências e pontos de vista coletivos para aprimorar a análise e a concepção de soluções mais abrangentes. Por fim, pode acionar a inteligência artificial para criticar, avaliar, analisar dados e auxiliar no processo de tomada de decisão. A IA também pode entrar no começo do processo de criação estratégica, oferecendo perguntas estruturantes e material de referência para a jornada de colaboração criativa (ou seja, para acionar a inteligência social, que também entraria antes nesse caso).
Obtemos uma visão mais completa e aprofundada quando aproveitamos a expertise humana, o conhecimento coletivo e a eficiência sintética e analítica de IA. Isso é sinergia e cria vantagens competitivas, permitindo que organizações e profissionais se adaptem a ambientes complexos e em constante evolução, com agilidade e eficácia.
A adoção intencional da abordagem integrada das inteligências nos faz aproveitar melhor a expertise e as habilidades individuais dos colaboradores de um lado, e, de outro, promove nas empresas um ambiente que estimula o pensamento criativo, a resolução de problemas e a inovação. Além disso, nos ajuda a proporcionar melhores condições para colaboração e interação social entre equipes, integrando diferentes perspectivas e conhecimento para a geração de ideias e soluções mais abrangentes.
Importante: para as empresas inovarem, a IA deve ser usada o mais estrategicamente possível ao longo de todo o processo – para criar e analisar falas, cenários ou conversas; para sugerir caminhos; para provocar interações; para identificar padrões; para prever tendências; para automatizar tarefas repetitivas. Isso cria uma combinação ainda mais sinérgica entre as inteligências e é o que permite mais colaboração e a tomada de decisões mais bem informada, eficiente e inovadora, impulsionando a competitividade em um mercado dinâmico e desafiador. Isso ajuda a posicionar a empresa para o futuro.
Uma abordagem ética para a utilização integrada das inteligências individual, social e artificial, como força transformadora, deve ter foco na responsabilidade e no respeito a valores fundamentais do negócio, a leis e a regras da competição.Entre outras coisas, isso pressupõe valorizar a inteligência individual incentivando capacitação e desenvolvimento das pessoas, garantindo que suas habilidades sejam usadas de maneira ética e alinhada aos princípios organizacionais.
Isso também significa promover a inteligência social em ambientes inclusivos, onde perspectivas diversas sejam valorizadas, e o trabalho em times, incentivado. Equidade é palavra-chave.
Por fim, no que tange à inteligência artificial, ética é um princípio central: deve-se garantir que os algoritmos sejam transparentes, justos e não discriminatórios, evitando vieses; e privacidade e proteção de dados precisam ser salvaguardadas, com as empresas assegurando o consentimento e o uso responsável da informação de todos os agentes sob sua responsabilidade.
A abordagem ética permite aos negócios utilizar a tríade de inteligências de modo equilibrado e consciente, gerando resultados positivos para a organização e a sociedade como um todo.
O uso sustentável da tríade de inteligência demanda estratégias que equilibrem desenvolvimento econômico, equidade social e preservação ambiental.Na prática, a inteligência individual, como já dito, deve ser valorizada com capacitação.
A inteligência social é valorizada quando são garantidas culturas organizacionais que respeitam o bem-estar e a diversidade. Isso se faz promovendo colaboração entre as equipes e engajando parceiros externos e comunidades, para soluções coletivas levarem em conta necessidades e interesses de todos.
Por fim, a inteligência artificial é usada de modo sustentável ao mitigar ou zerar os impactos ambientais – priorizando eficiência energética, uso consciente dos recursos naturais e redução de emissões. Além disso, IA deve ser utilizada para promover a inovação sustentável. Em outras palavras, as soluções devem tratar de desafios ambientais e sociais urgentes mais do que de questões cosméticas.
As empresas podem inovar ao utilizar as inteligências individual, social e artificial para promover a educação continuada, não apenas dentro da organização, mas em toda a cadeia de valor e rede de pessoas. Essa abordagem reconhece a relevância de criar oportunidades de desenvolvimento para habilitar colaboradores internos a partir da tríade, e também de se relacionar com todo o ecossistema de maneira protagonista e integradora.
Por que estender tais oportunidades de aquisição de conhecimento às comunidades externas à empresa, formadas por fornecedores, parceiros e outros interessados? Essa abordagem, inclusiva, ao criar uma cultura de aprendizado colaborativo, incentiva a troca de ideias e a cocriarão de soluções inovadoras em toda a rede de valor, e todos os envolvidos se beneficiam disso.
Do ponto de vista estratégico, é crucial que os negócios integrem as inteligências individual, social e artificial com claro foco na humanidade e no bem comum, e em resultados de amplo espectro coletivo em curto, médio e longo prazos. Pode ser o caso de considerar uma mudança estrutural no conceito de valor em ecossistemas organizacionais.
Além de orientar as inteligências individual e social em direção ao valor em ecossistemas, uma empresa deve entender o papel fundamental da inteligência artificial para a identificação de grandes oportunidades de produzir bem comum (a uma ampla gama de stakeholders).
É imperativo que os negócios alinhem as inteligências individual, social e artificial para promover a igualdade em todos os níveis.
Ao valorizar a inteligência individual, deve-se criar um ambiente seguro, que dê a todos – independentemente de origem, gênero, raça ou qualquer outra característica – oportunidades de se desenvolver e de contribuir plenamente com suas habilidades na concepção e prática da transformação.
A inteligência social deve ser fomentada com a promoção da colaboração e do diálogo aberto entre diferentes grupos e comunidades, visando equidade, diversidade e inclusão.
A inteligência artificial pode desempenhar um papel importante na identificação de vieses e na tomada de decisões imparciais, garantindo que não haja discriminação ou exclusão.
Essa busca pela igualdade em todos os níveis é essencial para o crescimento sustentável e a longevidade do negócio, fortalecendo reputações e criando relacionamentos sólidos com clientes e partes interessadas.
É essencial que as empresas adotem uma visão de futuro ao pensar nas três inteligências, por isso as leva a antecipar tendências.
Ao estrategicamente integrar essas três inteligências, os negócios se tornam mais ágeis, resilientes e preparados para enfrentar desafios e aproveitar as oportunidades do futuro, assegurando resultados imediatos, ao mesmo tempo em que criam vantagens competitivas sustentáveis no longo prazo.
Todos os negócios devem se engajar, incansavelmente, na luta por uma inclusão universal para aproveitar plenamente as inteligências individual, social e artificial. É fundamental estimular o acesso e a participação de todos, independentemente de origens, habilidades ou circunstâncias, nessa tríade de inteligências.
Nós acreditamos que a democratização dos acessos à inteligência individual, à social e à artificial é o elemento fundamental para promover avanços equitativos da sociedade e dos negócios. Para dar conta disso, as empresas necessitam adotar cada vez mais práticas inclusivas que garantam a oportunidade de contribuir e se beneficiar dos avanços nessas áreas devem atingir todas as pessoas, como ambientes acolhedores, eliminação de barreiras e preconceitos, e garantia de recursos e oportunidades disponíveis para todos.
Nunca será possível colher plenamente os benefícios das três inteligências articuladas (ou seja, uma sociedade mais justa e uma economia mais próspera) sem inclusão universal.
O FUTURO É INCERTO. Sempre foi, porém será cada vez mais. A tríade das inteligências nos oferece a melhor forma de navegar em tanta incerteza e moldar o futuro que queremos – com uma visão de inovação, cooperação e inclusão.
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Artigo publicado na MIT Sloan Management Review Brasil nº 15.