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Estratégia

12 min de leitura

Como as empresas podem responder ao novo coronavírus

A Covid-19 está atingindo duramente o Brasil, impondo severas perdas – de vidas e econômicas. O estudo de organizações chinesas, vítimas pioneiras da pandemia, indica o que pode ser feito para minimizar o impacto da crise

Michael Hudecheck, Charlotta Sirén, Dietmar Grichnik e Joakim Wincent

19 de Maio

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Artigo Como as empresas podem responder ao novo coronavírus

A PERGUNTA É:

Como uma empresa pode minimizar o impacto da pandemia nas operações e nas vendas?

Líderes empresariais do mundo todo estão vivendo muitos tipos de ansiedade, entre os quais destacamos dois: sobre o impacto do surto global da 

Covid-19 na economia e sobre o que suas empresas devem fazer para enfrentá-la.

Há muito tempo os cientistas avisam que novas doenças infecciosas estão vindo para ficar, e com o potencial de causar um grande sofrimento humano e um desastre econômico sem precedentes. Os danos financeiros da pandemia de Covid-19 – relatada inicialmente em Wuhan, na China, em dezembro de 2019 – começam a ser sentidos por empresas do mundo inteiro, no que rapidamente vem se tornando uma crise mundial.

É fato. Os gestores não recebem uma orientação de como preparar suas empresas para uma pandemia. A Organização Mundial de Saúde (OMS) reportou 1.438 epidemias entre 2011 e 2018, e sempre observou: “Além de causar perda de vidas, epidemias e pandemias destroem as economias”. Muitos surtos nesse período, incluindo de ebola e MERS, foram contidos geograficamente. Mas a confluência da hiperurbanização e do aquecimento global faz com que doenças e outros perigos ecológicos tenham um potencial aumentado de se espalharem por áreas maiores – e de se tornarem ameaças reais para as economias dos países.

Analisamos de perto como empresas e funcionários chineses foram afetados pelas quarentenas impostas pelo governo do país desde janeiro, e acreditamos que a forma como esses dois grupos da linha de frente lidaram com a crise oferece lições importantes para líderes de instituições em países. Se uma empresa ainda não está enfrentando desafios semelhantes, é questão de tempo.

O IMPACTO NA ECONOMIA DA CHINA E NO COMÉRCIO GLOBAL

Nossa primeira tarefa foi descobrir como o  novo coronavírus, e as quarentenas correlatas, têm afetado os negócios chineses. Nossa iniciativa de pesquisa no Global Center for Entrepreneurship and Innovations, da University of St. Gallen, na Suíça, coleta e examina dados remotos, como os de satélite e de rastreamento digital. Estamos usando essa ferramenta para esclarecer como a Covid-19 tem afetado a economia da China e as demais economias globais.

Nossa equipe analisou dados diários de um satélite da European Space Agency (ESA) que monitora a troposfera sobre emissões poluentes no ar, para quantificar o impacto regional e local do surto de Covid-19 e das quarentenas impostas pelo governo na economia chinesa. [Troposfera é a camada atmosférica mais próxima da superfície terrestre, situada de 10 km a 12 km de altitude.] Alterações na quantidade de poluentes como dióxido de nitrogênio são úteis para identificar mudanças diárias em indústrias com altos índices de emissões, como as manufaturas em geral, por conta do curto ciclo de vida deles na troposfera. Faz tempo que dados sobre emissões vêm sendo usados como métrica de atividade econômica – por exemplo, uma queda na poluição do ar indica uma queda na manufatura.

Bem: as emissões de dióxido de nitrogênio na China caíram 38% entre 24 de janeiro, no início das quarentenas impostas pelo governo na província de Hubei, e 21 de fevereiro, o dia de volta ao trabalho em muitas províncias chinesas. Os números são drásticos na província de Hubei, o epicentro da Covid-19: lá as emissões caíram 53%, e nos municípios industriais mais afetados, nos arredores de Wuhan, houve queda de 85%.

Qual é o impacto econômico desse desabamento da produção? Converter dados de emissões em dólares é complexo, mas estimamos que uma diminuição em 38% pode indicar uma perda conservadora de até US$ 215,6 bilhões para os fabricantes chineses durante esse período apenas. (Para fazer essa estimativa, comparamos a redução das emissões de dióxido de nitrogênio com o nível do PIB regional de 2018 das províncias, que é atribuído ao setor secundário pelo Departamento Nacional de Estatísticas da China.) 

O impacto econômico real da Covid-19 na economia chinesa, porém, provavelmente é muito maior. Embora as emissões de dióxido de nitrogênio tenham começado a voltar ao normal no meio de fevereiro em províncias chinesas menos afetadas, os níveis de emissões nacionais não devem retornar aos níveis pré-surto até o fim das quarentenas na província de Hubei [que aconteceu no final de março em Wuhan, embora tenha sido mantido o estado de alerta]. Além disso, a produção da China é essencial para muitas das maiores empresas e economias do mundo. Os efeitos de uma produção chinesa lenta incluem empresas que precisam encontrar fornecedores alternativos e a desaceleração da programação de produção global, em resultado dos transtornos no comércio internacional e das muitas incertezas.

AS TRÊS MELHORES PRÁTICAS CHINESAS

Nossa equipe de pesquisa vem avaliando dados de notícias e das redes sociais das regiões mais atingidas da China para entender melhor como a Covid-19 tem afetado a economia chinesa, incluindo o que ocorre com os players que são mais difíceis de se observar pelos métodos econômicos tradicionais. Essa coletânea de dados nos oferece uma visão única sobre como empresas chinesas e outras instituições da China têm reagido à crise.

Os dados que coletamos mostram que muitos gestores chineses estão tomando várias decisões bem-sucedidas, frequentemente com o encorajamento das autoridades do país, para mitigar o impacto do vírus e os transtornos que ocorrerão em consequência disso. Em paralelo, conseguimos observar áreas onde a falta de preparo levou a resultados aquém do esperado.

Acreditamos que gestores do mundo inteiro podem aprender muito com a maneira como as empresas chinesas têm lidado com a Covid-19. Entre as práticas que foram implementadas, destacam-se três: políticas inteligentes de trabalho remoto; antecipação e redução de obstáculos operacionais aos negócios; enfrentamento do impacto social da emergência sanitária.

DESENVOLVER UMA INFRAESTRUTURA PARA O TRABALHO REMOTO

Ao menos em uma parte do mundo, já faz algum tempo que trabalhar de casa tem sido visto como essencial para manter operações normais durante uma crise. Na internet chinesa, as buscas por “trabalho remoto” mantiveram-se estagnadas do dia 31 de dezembro de 2019, quando o coronavírus foi anunciado, a 24 de janeiro de 2020, no início da quarentena de Wuhan. Elas começaram a subir depois de 14 de fevereiro, quando tiveram início os esforços do governo chinês para que os funcionários voltassem a trabalhar, agora de casa, mas recuperando o mesmo nível de produtividade anterior à paralisação da produção.

Com o incentivo das autoridades, muitas empresas chinesas iniciaram a transição para o trabalho remoto dos que não lidam com manufatura logo depois do Ano Novo Chinês, no final de janeiro. Para os funcionários, especialmente aqueles não acostumados com home office, ficaram muitas dúvidas sobre as melhores práticas do trabalho em casa, como observamos nos comentários na Weibo, uma rede social famosa na China. Uma das preocupações mais frequentes era a possibilidade de terem de ficar online “24 horas por dia”.

Muitos trabalhos, especialmente aqueles voltados à manufatura, não podem ser feitos remotamente. Somente 33% das pequenas e médias empresas chinesas, que empregam 80% dos funcionários da China, conseguiram voltar ao nível de produção normal no final de fevereiro.

Saíram na frente, por exemplo, as empresas que já permitiam que seus funcionários trabalhassem de casa em tempos normais. Estas tinham a infraestrutura, o conhecimento e o planejamento necessários já implementados para fazer uma rápida transição de outras operações – vale pensar nisso daqui para a frente. Agora, usando a experiência chinesa como modelo, cremos que há mais passos a serem dados pelos gestores para maximizar a eficiência do trabalho remoto numa crise, sendo três os principais:

Treine seus líderes. Nossos dados mostram que as maiores reclamações dos funcionários sobre trabalho remoto têm a ver com gestores que não respeitam os horários normais de trabalho. Os líderes precisam adotar regras sensatas sobre quando devem, ou não, esperar que seus funcionários estejam disponíveis.

Identifique os funcionários que são essenciais para a continuidade de seu negócio. Eles precisam, obrigatoriamente, ter as ferramentas para trabalhar com eficiência de casa. Garanta que pelo menos eles estejam bem equipados.

Crie um cenário hipotético desastroso que envolva o trabalho remoto. Como sua empresa funcionaria se a quarentena fechasse totalmente áreas geográficas onde você está e durasse meses? Use técnicas de planejamento de cenários para gerar ideias sobre como sua empresa poderia se manter funcionando, mesmo que de forma limitada, nos piores cenários.

ESTEJA PRONTO PARA CHOQUES OPERACIONAIS

Nossa pesquisa está descobrindo as dificuldades de muitas pequenas e médias empresas (PMEs) na China que foram ignoradas pela mídia ocidental. Pequenas e médias empresas contribuem em até 60% do produto interno bruto. Entretanto, muitas delas, especialmente aquelas relacionadas com manufatura, turismo e construção, trabalham com margens pequenas e têm muitas dívidas. Nossos dados mostram que a falta de fundos operacionais disponíveis é uma das preocupações mais frequentes mencionadas na internet pelas pequenas e médias empresas da China.

O comentário a seguir, postado em fevereiro na conta de um dono de hotel em Yichang, na província de Hubei, é um desses exemplos: “A princípio, o comércio em Wuhan e Yichang deveria voltar a funcionar no início de março. Agora, veio o aviso de prolongamento indefinido. Quando isso vai acabar? Eu estou para falir”.

O auge de uma crise é o pior momento para tentar conseguir o mínimo para garantir um funcionamento normal, seja esse mínimo dinheiro para pagar funcionários ou alternativas de fornecimento, uma vez que seu fornecedor não está produzindo. Se sua empresa não é de alimentos, produtos farmacêuticos ou outros que registram aumento de demanda com a Covid-19, ela pode passar por maus momentos. O que se deve fazer:

Conseguir uma reserva de pelo menos um a três meses para cobrir os custos. Esse valor é necessário para cobrir gastos imediatos, como salários ou pagamento de dívidas. Não dependa unicamente de instrumentos financeiros de curto prazo para compensar essa diferença. 

Entenda quais são suas opções para prorrogar empréstimos, termos e outras obrigações de curto prazo. Os bancos se preocupam com a possibilidade de recuperar o valor principal do empréstimo e, no meio de uma crise, emprestar mais ou mudar as condições do empréstimo se torna difícil. Alguns governos têm criado programas de auxílio econômico ou providenciado outras formas de oferecer assistência. O governo chinês, por exemplo, destinou US$ 114 bilhões em fevereiro para apoiar financiamento de capital de giro para pequenas e médias empresas, que são centrais para a saúde da economia. [No Brasil, foram liberados, por meio da Caixa, US$ 7,8 bilhões para PMEs.]

Tenha disponível um estoque adequado de itens cruciais. Se você não fez isso ainda, identifique e estabeleça contato com fornecedores alternativos menos afetados pela crise. Desenvolver uma cadeia de fornecimento resiliente é a melhor prática sob qualquer condição. (Para nossa surpresa, muitas empresas chinesas estavam totalmente despreparadas para encontrar novos fornecedores, por exemplo.)

Busque ter pelo menos uma noção de quão preparados estão seus principais fornecedores e outros stakeholders-chave para uma crise inesperada. Eles serão capazes de manter suas operações? 

ENGAJE-SE NA COMUNIDADE

Generosidade é uma resposta importante no caso de desastres naturais, como é a Covid-19. Além de ser uma boa prática por razões éticas, existem correlações estabelecidas empiricamente entre a caridade e o desempenho financeiro futuro, relações melhores com autoridades governamentais e a reputação empresarial. As empresas que reconhecem a sobrecarga dos sistemas sociais durante emergências médicas têm maior probabilidade de se sair melhor mais tarde que as empresas que não o fazem. A caridade corporativa das empresas locais gera um efeito forte e positivo.

As maiores empresas privadas da China ofereceram auxílio durante os primeiros meses da crise, e os efeitos disso sobre a reputação delas são aparentes nas mídias tradicionais e sociais. Uma empresa, a Hubei Huanggang Agricultural Development Co., doou 220 toneladas de vegetais para famílias nas áreas mais afetadas. O Alibaba Group criou um fundo de suprimentos médicos de US$ 144 milhões para hospitais na província de Hubei. A Federação de Caridade de Wuhan relata que conseguiu mais de 

US$ 400 milhões em doações corporativas e privadas em menos de duas semanas para apoiar as comunidades afetadas pelo surto.

Como empresa, se puder, você deve ajudar as

 vítimas da epidemia da Covid-19 quando ela chegar a sua cidade. Eis três ideias que vieram da China:

Concentre-se em organizações sem fins lucrativos e de auxílio à comunidade de sua região. 

A generosidade corporativa tem um impacto muito maior quando é direcionada para a comunidade local.

Incentive sua equipe de funcionários a se envolver com o voluntariado. Funcionários que já têm a opção – ou o hábito – de participar em projetos de voluntariado corporativo terão maior probabilidade de participar nesse caso. [Se não houver o hábito, ele precisará ser criado.]

Deixe que saibam o que você fez. Faça um pequeno comunicado externo após uma doação. Não se gabe: forneça apenas os detalhes pertinentes, incluindo quanto foi doado, quais foram os beneficiários e o que você visa conquistar com sua doação. Inclua uma declaração da liderança executiva a esse respeito.

A CRISE DA COVID-19 JÁ CAUSOU UM SOFRIMENTO HUMANO ABSURDO, ALÉM DO IMPACTO ECONÔMICO, E DEVE CONTINUAR NESSE RITMO NO FUTURO PRÓXIMO. Nossa pesquisa confirma os vários relatos de que a crise contínua tem afetado a economia chinesa significativamente, em especial a indústria manufatureira e outras que têm altos níveis de emissões, sem falar na Europa.

Apesar de só começarmos a sentir os efeitos da Covid-19 na economia global agora, há uma crescente conscientização nas comunidades científicas e de negócios de que as empresas precisam estar preparadas para lidar com as próximas epidemias que virão. A Covid-19 não será a última.

Os gestores devem aceitar um fato: o que estamos observando hoje representa uma nova realidade: doenças e outras formas de desastres ecológicos são ameaças globais muito reais à continuidade operacional. As recomendações baseadas em evidências descritas neste artigo podem ajudar a garantir que sua empresa esteja preparada para manter suas operações durante a crise da Covid-19.

PRINCIPAIS TAKEAWAYS

* As lideranças devem ser treinadas para liderar pessoas em home office; funcionários-chave têm de ser identificados e cenários-catástrofe, planejados. (O trabalho remoto deve ser usado também em tempos normais, para adequação às crises.) 

* A prontidão para crises tem de incluir três meses de caixa, estoque de insumos básicos e compreensão da prontidão dos fornecedores – com listagem de potenciais substitutos.

*A generosidade deve ser praticada sobretudo nas comunidades locais; empresas que fazem isso se recuperam mais rápido.

*É preciso haver o entendimento de que essa não será a última crise do gênero. Serve como aprendizado para as próximas.

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Autoria

Michael Hudecheck, Charlotta Sirén, Dietmar Grichnik e Joakim Wincent

Michael Hudecheck é pesquisador de empreendedorismo da University of St. Gallen, sediada em St. Gallen, Suíça. Charlotta Sirén é professora associada de empreendedorismo da University of Queensland, de Brisbane, Austrália. Dietmar Grichnik é diretor do Institute of Technology Management e professor titular de empreendedorismo da University of St. Gallen. Joakim Wincent é professor de empreendedorismo, gestão e organização da Hanken School of Economics, de Helsinque, Finlândia, e também da University of St. Gallen.

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