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Tecnologia e inovação

9 min de leitura

Contratos inteligentes podem otimizar os negócios

A autoexecução de transações comerciais via blockchain não necessita de intermediações e traz transparência aos negócios. Para compreender melhor o uso dos contratos inteligentes, descrevo neste artigo algumas aplicabilidades dessa ferramenta, analisando ainda seus benefícios, desafios e riscos

Colunista Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo

14 de Julho

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Artigo Contratos inteligentes podem otimizar os negócios

Nos anos 1990, os cientistas da computação previram que a revolução digital mudaria a maneira como as pessoas interagiam entre si. E o mais importante, mudaria a maneira como as pessoas chegaram a acordos.

No nosso mundo, sempre que duas partes querem entrar em um acordo, normalmente um advogado é solicitado para analisar e validar um contrato legal, um pedaço de papel, estipulações, termos e condições. E esse processo é muito demorado e, em muitos casos, muito caro.

No entanto, e se pudéssemos alavancar o poder dos computadores e softwares para criar contratos de execução automática ou parcial para nós? E se esse processo pudesse ser parcial ou totalmente automatizado? Foi a partir destes questionamentos que surgiu a ideia dos contratos inteligentes.

Definições de contrato inteligente

Contratos inteligentes são códigos de software com regras autoexecutáveis. Eles funcionam como um acordo autoexecutável embutido em código de computador, gerenciado por um blockchain, por exemplo. Se e quando as regras predefinidas forem atendidas, o contrato será aplicado automaticamente.

Outra definição que podemos usar para contratos inteligentes é: contratos inteligentes são uma maneira pública e verificável de incorporar regras de governança e lógica de negócios em linhas de código. Imagine uma caixa criptografada que desbloqueia um valor ou um direito de acesso se, e quando, determinadas condições preestabelecidas forem cumpridas. Isso é um contrato inteligente.

Contratos inteligentes versus contratos legais

O termo “contrato inteligente” foi cunhado pela primeira vez, no início dos anos 1990, por Nick Szabo, um cientista da computação, criptógrafo, advogado e desenvolvedor de blockchain.

Importante destacar, contudo, que um contrato inteligente não necessariamente representa um contrato legal. De fato, os contratos inteligentes podem ser usados para emular, ou pelo menos simular, a função dos contratos legais por meio da tecnologia, transformando efetivamente a lei em código.

No entanto, a grande maioria dos contratos inteligentes não está diretamente associada a um contrato legal, e dependendo de como eles são firmados, eles podem ou não dar origem a uma relação contratual real no significado tradicional da palavra.

Compreendido isso, vejamos quais princípios se deseja aderir com um contrato inteligente.

Princípios básicos de um contrato inteligente

Em um contrato inteligente, existem três princípios básicos que queremos aderir. Primeiro, desejamos que o contrato inteligente seja observável. Isso é, qualquer parte envolvida no contrato deve ser capaz de visualizar os termos e cláusulas do código de software, a qualquer momento. Além disso, se um terceiro estiver envolvido na intermediação do smart contract ou na emissão de um pagamento no momento da anuência do contrato, é importante que as partes envolvidas também possam visualizar esses termos, condições e cláusulas relacionadas a este terceiro.

Em segundo lugar, o contrato inteligente precisa ser aplicável. Ou seja, quando alguma condição definida no contrato é atendida, esse contrato pode ser executado conforme acordado. Isso normalmente requer dependência de um protocolo, geralmente um protocolo blockchain, e algum tipo de mecanismo de pagamento que pode ser uma criptomoeda, um token, uma stablecoin, ou outros mecanismos de pagamento.

Por fim, o contrato precisa ser verificável. Então, o que normalmente acontece quando há um conflito sobre determinada questão, é que as partes vão a um tribunal para solucionar a discórdia. Em um tribunal, vale lembrar, um terceiro determina quem está certo, quem está errado e como a disputa deve ser resolvida.

Em um mundo com contratos inteligentes, que são programas de computador ou software executando código, a questão é: como podemos verificar a validade desses códigos de computador e reivindicações? Portanto, é muito importante que contratos inteligentes tenham cláusulas verificáveis que possam comprovar ou refutar positivamente os direitos em um caso de disputa.

Seus benefícios

A vantagem de incorporar contratos inteligentes em um aplicativo ou soluções de negócios é que as interações, ou transações podem ser independentemente verificadas e auditadas por todos os participantes da rede.

Em seu artigo seminal, Nick Szabo previa contratos inteligentes não apenas fornecendo transparência de transações e sem a intermediação de terceiros confiáveis, mas também sendo automaticamente executáveis.

Em outras palavras, os contratos inteligentes podem não só penalizar as partes que violem o contrato ou as regras de contratação, como também pode aplicar automaticamente sua execução – sem que seja necessário recorrer a um terceiro como um juiz ou tribunal para executar a sanção pelo seu descumprimento.

Esses códigos de software com regras autoexecutáveis são capazes de executar automaticamente os termos de um determinado acordo, fornecendo transações sem a necessidade de um terceiro validador de confiança, por meio de mecanismos integrados de execução.

Como tal, os smart contracts podem apoiar o desempenho de atividades comerciais e negócios, reduzindo custos de negociação, verificação e execução, transformando negócios em transações autoexecutáveis a um custo mínimo.

Como empresas podem tirar vantagens de contratos inteligentes?

Imagine uma empresa de locação de veículos totalmente automatizada em que carros podem ser alugados pagando diretamente uma taxa (criptomoeda ou token) ao contrato inteligente do carro. O contrato inteligente, ao receber o pagamento, libera o bloqueio digital e permite o acesso ao locatário do veículo.

Quando o período de locação terminar ou expirar, o usuário deverá pagar pelo uso adicional ou devolver o carro (talvez, estacionando-o em um local especificado). Se o locatário, contudo, não cumprir sua obrigação contratual, o smart contract pode imobilizar o veículo quando for seguro fazê-lo e, assim, aplicar automaticamente o contrato.

Eis os principais benefícios dos contratos inteligentes: a transparência, a desintermediação e automatização da execução do acordo em caso de descumprimento. Nesse exemplo, não há nenhum terceiro de confiança envolvido, pois a transação ocorre diretamente entre duas partes. É exatamente nesse ponto que os contratos inteligentes baseados em blockchain podem reduzir custos e melhorar radicalmente as eficiências das empresas.

Um segundo caso de uso de contratos inteligentes pode ser na compra e venda de um imóvel. O comprador terá de encontrar a casa, negociar o acordo com a contraparte para sua aquisição, fazer uma pesquisa no cartório de registro de imóveis para ter certeza de que o vendedor realmente possue a casa que está sendo alienada.

Se o comprador estiver nos Estados Unidos, por exemplo, ele precisará adquirir ainda um seguro de propriedade. Feito isso, o comprador e o vendedor precisam assinar o contrato, registrá-lo num tabelião (uma autoridade central) e, só então, o título de propriedade é liberado para que o comprador possa tomar posse da casa.

Portanto, há uma série de etapas a serem cumpridas na aquisição de um imóvel que levam tempo.

Se a compra e venda do imóvel fosse feita via contrato inteligente, bastaria o comprador transferir o valor do imóvel para um escrow para, em seguida, o título ser automaticamente transferido, com a consequente liberação do valor para o vendedor. Tudo isso poderia ser feito em um contrato inteligente, em segundos.

Observe que como o contrato inteligente é gerenciado por um blockchain, o registro da transação ficará registrado na rede para sempre, já que um registro em um blockchain, principalmente num blockchain público como o bitcoin, são imutáveis e não podem ser apagados ou adulterados.

Então, esses vários passos adicionais à transação comercial que hoje são manuais, burocráticos, lentos e trabalhosos, e dependem de vários intermediários (despachantes, seguradora) e validadores tradicionais de confiança (notários, certificadores) não precisariam mais existir, pois um contrato inteligente baseado em blockchain possibilita que pessoas que não se conhecem, ou não confiam entre si, transacionem comercialmente de maneira automatizada e quase em tempo real. Assim, esses exemplos não são hipotéticos.

Contratos inteligentes na prática

O Share&Charge Smart Contracts é uma solução de contratos inteligentes baseada no blockchains.com que está mudando a maneira como a economia de compartilhamento funciona. Empresas têm usado o projeto slock.it para automatizar compartilhamento, pagamentos e aluguéis de veículos.

Já a Propy - Real Estate Automated Transactions, líder inovador no setor imobiliário, foi uma das primeiras empresas a usar contratos inteligentes baseados em blockchain na compra e venda de imóveis, realizando a primeira transação de compra a venda de um apartamento via contratos inteligentes, na Ucrânia em setembro de 2017.

Recentemente, a Propy por seu foco na automação de transações via contratos inteligentes e transferência segura de propriedade, foi reconhecido como um pioneiro na tecnologia blockchain pelo WEF. No Brasil, o uso de contratos inteligentes na compra e venda de um imóvel ocorreu em julho 2020.

Desafios e riscos

Existem vários desafios e riscos associados ao desenvolvimento de contratos inteligentes. Isso inclui o furto ou a perda de chaves privadas e as vulnerabilidades de segurança que são difíceis de detectar e que podem causar prejuízos financeiros e danos à reputação de empresas e consumidores.

Como os contratos inteligentes são uma tecnologia em estágio inicial, as ferramentas e estruturas de software ainda precisam amadurecer, o que significa que os contratos inteligentes precisam de uma grande quantidade de testes e garantia de qualidade antes de serem implantados.

Um problema comum está relacionado a usuários que esquecem suas chaves privadas, uma espécie de senha para acesso à rede blockchain. Como não há nenhuma opção no blockchain para redefinir ou recriar chaves privadas, os usuários podem ser bloqueados de seus contratos inteligentes, o que resulta em perdas financeiras.

Uma maneira de resolver esse problema é projetar contratos inteligentes que usem assinatura multi-sigs ou múltipla. Por exemplo, um determinado contrato inteligente pode exigir duas de cinco assinaturas para uma transação.

Contratos inteligentes construídos usando uma linguagem Turing-complete são poderosos, mas também sofrem vulnerabilidades de segurança semelhantes aos programas de computador tradicionais.

O que torna os contratos inteligentes ainda mais arriscados é o fato de que eles podem viver permanentemente no blockchain com a vulnerabilidade, porque uma vez que contratos inteligentes são implantados, eles não podem ser alterados ou modificados. No entanto, há uma cláusula para emitir um comando “kill” para encerrar um contrato inteligente, mas isso geralmente leva a uma perda de histórico de dados e pode não ser uma opção desejada. Assim, o desenvolvimento de contratos inteligentes ainda está propenso a riscos de segurança cibernética.

Possibilidades

Contratos inteligentes apresentam muitas oportunidades interessantes para as empresas, e líderes empresariais globais estão confiantes sobre a utilidade dos contratos inteligentes. Em recente pesquisa da Deloitte, com mais de 1.300 executivos seniores globais, 95% dos entrevistados afirmaram acreditar que contratos inteligentes são um benefício importante aos negócios.

Ainda que a pouca maturação, os desafios tecnológicos e certos riscos implícitos exijam cautela no planejamento e implementação, para que realmente contratos inteligentes se tornem uma ferramenta estratégica nos negócios, a cada dia fica mais claro como contratos inteligentes otimizam ganhos, lucro e eficiência, além de ampliar o acesso a bens, serviços e a novos mercados.

Gostou do artigo? Já imaginou como contratos inteligentes podem otimizar seu setor ou empresa? Quais atividades na sua área de expertise poderiam ser automatizadas com contratos inteligentes? Quais custos poderiam ser reduzidos? Pense nisso até nosso próximo encontro. Nos vemos em breve.

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Colunista Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo é LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Professora do curso Blockchain para negócios no Insper. Autora de três livros “Blockchain- Tudo o Que Você Precisa Saber”, “Bitcoin, CBDC, Stablecoins e DeFi”, e “Cryptocurrencies in the International Scenario”.

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