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Culturas corporativas: iniciando a conversa

Se a cultura come a estratégia no café da manhã, como as empresas – da pequena startup a uma corporação gigante – podem lidar com ela?

Augusto Dias Carneiro
6 de agosto de 2024
Culturas corporativas: iniciando a conversa
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O que é, afinal, cultura corporativa?

Eis uma definição amplamente aceita: _É um conjunto de valores, normas, credos, atitudes e presunções que pautam o comportamento das pessoas dentro de uma empresa._

Eis outra definição, um pouco mais poética: _Fenômeno vivo e ativo através do qual as pessoas conjuntamente criam e recriam a empresa em que trabalham._

Edgar Schein, um importante autor nesse tema, usou uma definição tão genérica que deixa de ser prática: _A maneira como fazemos as coisas aqui_.

O grande problema é que a cultura de uma empresa raramente é verbalizada, muito menos escrita. E quando o é, surge controvérsia, porque palavras significam coisas diferentes para pessoas diferentes: minha ideia de “trabalho em equipe” pode ser diferente da sua. 

E a mídia não ajuda muito, porque tende a rotular as empresas, por exemplo rotulando a Apple como uma cultura de segredo e o Walmart como uma cultura de frugalidade. 

Tem mais: diferentes partes de uma empresa grande podem ter culturas específicas. A Shell que explora e produz petróleo pode ser muito diferente da Shell que vende gasolina no varejo. 

E por razões tanto de cultura de país como regulatórias, empresas tendem a adquirir cor local em diferentes países: Starbucks teve que fazer grande cirurgia na sua cultura para dar certo na China. O mesmo ocorreu com McDonald’s no Paquistão. Há também colisões incontornáveis entre a cultura de um País e a cultura de uma Empresa: Ikea declara que saiu do Japão por incompatibilidade cultural. E Walmart, que retirou-se da Alemanha pela mesma razão. 

A bibliografia sobre o assunto no geral prima por um forte fundamento teórico mas é escassa na prática: Deal & Kennedy, um dos primeiros livros (1982) mostraram um modelo que é um primor de concepção mas completamente desprovido de qualquer função prescritiva! O livro de Hofstede foi cultuadíssimo durante anos: dedica dezenas de páginas ao tema distância do poder, mas mal explica por que isso é importante. Os livros mais amplamente indicados sobre o tema são os de Edgar Schein, professor da MIT Sloan que estuda o assunto desde a década de 80. Mas o meu favorito é o _Organization Culture_ de Naomi Stanford, publicado em 2010 pelos editores da revista _The Economist_. E vale mencionar que Betania Tanure lida muito bem com a cultura de empresas no Brasil no livro dela _Gestão à Brasileira_.

Você visitar uma empresa e tentar decodificar a cultura dela é tarefa árdua, porque boa parte da cultura de uma empresa não consta de manuais. Perguntar a um executivo há anos na empresa também gera pouco resultado. Ele está imerso nela o tempo todo, e provavelmente sabe direitinho como navegar dentro dela, mas tem grande dificuldade em colocar isto em palavras. É como perguntar a um peixe sobre a água! 

Existem uns 15 testes quantitativos e qualitativos para se avaliar a cultura de uma empresa. Há bastante controvérsia sobre seu uso: Edgar Schein chegou a _contra-recomendar_ qualquer esforço de _mudança cultural_ que comece com um deles! Mesmo assim, são utilizados, sobretudo em empresas contemplando uma fusão. A maioria tem duas limitações sérias:

1. Como cada pessoa interpreta a palavra escrita (por exemplo, “ética” pode significar diferentes coisas para diferentes pessoas).
2. As respostas de uma pessoa são fortemente influenciadas pelo relacionamento que esta pessoa tem com seu chefe imediato (improvável alguém gostar da empresa se não gosta do chefe imediato…). 

Por falar em fusão, o grande _momento da verdade_ para a cultura de uma empresa se dá quando ela se junta a outra, por fusão ou por aquisição. Aqui no Brasil nós temos um exemplo extremo: a subsidiária brasileira do Banco Santander já conteve nada menos que quatro culturas diferentes: Banespa, Real, e ABN, além naturalmente do próprio Santander! Hoje, passados 10 anos, eu me pergunto que partes desta pororoca cultural sobreviveram…

Onde e como se manifesta a cultura de uma empresa?

Focalizemos aqueles lugares onde a cultura de uma empresa se manifesta de forma mais _eloquente_ (o que se segue não é muito diferente dos 10 itens que Naomi Stanford usa no livro dela):

1. Na estrutura organizacional da empresa: é hierárquica ou matricial? Reflete a estratégia da empresa? _Os líderes praticam o que pregam?_ A quantidade de níveis hierárquicos de uma empresa diz algo sobre se o poder prefere ficar perto ou longe da tropa.
2. Na maneira como a empresa delega autoridade. Existe grande descompasso entre _responsabilidade_ e _autoridade_? A pessoa mais próxima do problema normalmente tem poderes para resolvê-lo?
3. No nível de organização interna da empresa (políticas, rotinas e procedimentos). A P&G tem manuais para tudo, e já mapeou todos os seus processos. Sua concorrente L’ Oréal  no entanto acredita que muita organização tira a criatividade das pessoas, e criatividade é um tema central da cultura da L’ Oréal.
4. No tipo de indicadores-chave de desempenho (KPIs) em que a empresa focaliza. Na Xerox havia uma obsessão com contas a receber porque um dos fundadores circulava todo dia às 5 da tarde perguntando quem pagou e quem não pagou…
5. Na forma como a empresa seleciona as pessoas: Quantas entrevistas? Quantos entrevistadores? A ênfase é em substantivos e verbos (competências e habilidades) ou é em adjetivos e advérbios (Valores, visão, _convergência com a cultura_)? No final, quem decide?
6. A forma com que a empresa remunera as pessoas: uma empresa que paga o variável em dinheiro e privilegia a remuneração variável sobre a fixa emite uma mensagem clara sobre a importância de se atingir metas de curto prazo. Uma empresa que difere o variável no tempo quer que as pessoas fiquem a bordo por muitos anos. E uma empresa com fixo alto e variável baixo sinaliza que prefere ter baixa rotatividade e escasso talento a bordo.
7. Podemos saber se a empresa privilegia individualismo ou coletivismo pela forma como as pessoas _decidem_: Comando? Consenso? Votação? Delegação?
 8. Na forma com que a empresa interage com seus clientes. O presidente da Southwest Airlines nos diz que a principal razão do sucesso continuado da empresa é uma cultura obsessiva em obter feedback contínuo de seus clientes.
9. Na maneira como a empresa lida com incertezas: dimensiona e planeja como lidar? Ou faz de conta que a incerteza não existe?
10. Na maneira como a empresa trata seus colaboradores. Tem chefe que se apropria das ideias de seus subordinados? Quem telefona para quem depois das 7 da noite? Ou antes das 8 da manhã? Férias marcadas são canceladas? Tem gente dormindo em cama de hotel 200 noites por ano?
 11. Na forma com que a empresa faz reuniões. Que porcentagem das reuniões resulta em nova reunião, mesmo tema? Existe (como na Nokia) limite mensal de horas em reunião/ conference call?
12. Como que a empresa lida com crises, internas e externas. Como que a empresa se mobiliza para lidar com a crise? Uma crise no passado de uma empresa pode ser uma coisa boa (Nietszche: o que não mata engorda…). As pessoas falam com desembaraço de crises do passado? Existe porta-voz? Empresa onde todos os executivos têm treinamento para lidar com a mídia não tem nada a esconder!
13. Na forma como a empresa demite, e como ela trata seus ex-funcionários. Algumas empresas (por exemplo, Bosch) têm por política não dar referências (inclusive as positivas) sobre seus ex-funcionários. Outras (PwC) convidam seus ex-funcionários para a festa de Natal.

E por último, mas não menos importante:

14. Durante uma fusão ou aquisição, que partes de cada uma das duas culturas sobreviverão (o que resta do Unibanco, do Banco Francês e Brasileiro, e do Banco de Boston dentro do Itaú?).

Crédito da foto: Shutterstock

Bibliografia recomendada >>

Adler, Lou: Hire with Your Head John Wiley & Sons 2a Ed. 2007

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Barros, Betânia Tanure de: Gestão à Brasileira Coleção Fundação Dom Cabral 2a Ed. Editora Atlas 2010 – esgotado mas na internet tem PDF gratuito  

Caldas, Miguel e Prestes, Fernando: Cultura Organizacional e Cultura Brasileira Ed. Atlas 1a Ed. 2007

Deal, Terrence E. e Kennedy, Allan A.: Corporate Cultures Basic Books 2a Ed. 2000

Dias Carneiro, Augusto: Guia de Sobrevivência na Selva Empresarial Ed. Elsevier 2a Ed. 2009

Hofstede G, Hofstede GJ, e Markov M: Cultures and Organizations 3rd Ed McGraw-Hill 2010 

Schein, Edgar: Cultura Organizacional e Liderança Editora Atlas 1a Ed. 2009

Schein, Edgar: The Corporate Culture Survival Guide Coleção Warren Bennis, 2a Ed. Jossey-Bass 2009 

Stanford, Naomi: Organisation Culture: How Corporate Habits can Make or Break a Company The Economist publications outubro de 2014

Trompenaars, Fons: Riding the Waves of Culture: Understanding Diversity in Global Businesses Editora McGraw-Hill 2a Ed. 1998

Augusto Dias Carneiro
Coach, headhunter, mediador e board member, Augusto Dias Carneiro é sócio da Zaitech Consultoria. É autor do livro Guia de Sobrevivência na Selva Empresarial. O lançamento de sua próxima obra, O Livro das Ideias: Inovação e Empreendedorismo, está previsto para dezembro de 2024.

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