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Dados, IA & tecnologia

10 min de leitura

Custo-efetividade e viabilidade financeira das soluções de inteligência artificial na saúde

As soluções de IA na saúde têm potencial de transformar radicalmente a prestação de serviços de saúde, desde que sua viabilidade financeira seja cuidadosamente avaliada e implementada de forma sustentável

Colunista Gustavo Meirelles

Gustavo Meirelles

16 de Abril

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Artigo Custo-efetividade e viabilidade financeira das soluções de inteligência artificial na saúde

A inteligência artificial (IA) tem desempenhado um papel cada vez mais importante na transformação da área da saúde, oferecendo uma ampla gama de benefícios que vão desde o diagnóstico mais preciso de diversas doenças até a melhora da eficiência operacional. No entanto, para que a IA não seja percebida como mais um custo para o setor, é fundamental avaliar sua viabilidade financeira, possibilitando que tais soluções possam transformar a saúde de forma sustentável e bem-sucedida.

Neste artigo, abordaremos os benefícios econômicos da IA na saúde, como a redução de custos operacionais, o aumento da eficiência, o auxílio na gestão de doenças crônicas e a melhoria da precisão diagnóstica. Além disso, serão discutidos os desafios e considerações relacionados à implementação da IA na saúde, bem como as estratégias para maximizar seus benefícios financeiros e clínicos.

Redução de custos e aumento da eficiência operacional

A IA pode contribuir significativamente para a redução de custos e aumento da eficiência dos serviços de saúde. Por exemplo:algoritmos de IA podem ser usados para otimizar o agendamento de consultas e cirurgias, garantindo que os recursos do hospital sejam utilizados da forma mais eficiente possível. A IA também pode ser usada para prever a demanda por serviços de saúde e alocar recursos de modo mais eficaz, reduzindo assim os custos operacionais e melhorando o acesso dos pacientes aos serviços de saúde.

Outra área em que a IA pode ter um impacto significativo na saúde é na gestão da cadeia de suprimentos e logística. Algoritmos podem prever a demanda por medicamentos e dispositivos médicos com base tanto em dados históricos quanto em análises preditivas, apontando tendências e assegurando que os serviços de saúde mantenham estoques adequados de materiais médicos. Além da redução de custos de armazenamento, o emprego da IA no supply chain ajuda a garantir que não faltem medicamentos - o que ganha ainda mais relevância quando se trata de medicamentos usualmente prescritos em associação e que, portanto, devem ser adquiridos conjuntamente.

Algoritmos de IA podem igualmente ser utilizados para o processamento e análise de imagens, de forma a auxiliar médicos radiologistas no diagnóstico precoce de diversas condições clínicas, evitando assim tratamentos mais tardios e custosos.

Um estudo recente avaliou 14 soluções de IA para afecções torácicas e neurológicas, com os seguintes resultados, contemplando um cenário de 5 anos:

  • O emprego da IA gerou um faturamento de US$ 3,6 milhões e US$ 1,8 milhões em custos, representando um retorno de US$ 4,51 para cada dólar investido.
  • O uso das soluções de IA gerou 1.500 diagnósticos adicionais, resultando em mais exames de seguimento, hospitalizações e procedimentos.
  • Quando se levou em consideração o tempo economizado nas avaliações de médicos radiologistas, o ROI (retorno sobre o investimento) foi de 791%.
  • A economia de tempo resultou em 15 dias úteis a menos de espera, redução de 78 dias no período de triagem e menos 41 dias no tempo de laudagem dos exames.

Apesar de a IA ter gerado hospitalizações adicionais, é possível que a duração da internação desses pacientes tenha sido mais curta. Por exemplo: a priorização de casos de acidentes vasculares cerebrais com o uso dos algoritmos de IA resultou em uma redução de 264 dias de internação para pacientes com hemorragias cerebrais.

Já outras empresas do setor de saúde adotam a IA para acelerar a aquisição de imagens de ressonância magnética (RM), com redução no tempo do exame e ganho de eficiência operacional. Um estudo realizado na Finlândia demonstrou um aumento de 20 a 32% na capacidade dos equipamentos de RM por meio de uma solução de IA que ajuda a reduzir o tempo de realização do exame, possibilitando que a produtividade de 5 equipamentos de RM da instituição estudada se tornasse superior à de 6 máquinas sem a nova tecnologia. Os autores estimaram que o custo de implementar soluções de IA para acelerar os equipamentos de RM seria de apenas 11% em comparação ao custo de aquisição de uma nova máquina.

Por fim, a IA pode auxiliar no gerenciamento de registros de pacientes e processamento de faturas, não só reduzindo o tempo dedicado por profissionais de saúde para tarefas burocráticas, mas melhorando o processo, evitando erros e aumentando a eficiência. Alguns estudos comprovam que médicos e outros profissionais da saúde chegam a passar mais de dois terços do seu período de trabalho em atividades administrativas, o que gera ansiedade e risco de burnout e reduz o tempo de dedicação aos pacientes. Com o auxílio da IA, tais tarefas podem ser automatizadas, levando a um menor risco de erros, maior satisfação da equipe de saúde e melhor atendimento clínico.

Gestão de pacientes com doenças crônicas

A IA desempenha um papel crucial na gestão de pacientes com doenças crônicas, oferecendo uma abordagem mais personalizada e eficaz para o tratamento dessas condições de saúde. Um dos seus principais benefícios é a capacidade de analisar grandes volumes de dados de pacientes para identificar padrões e tendências. Isso permite que os profissionais de saúde identifiquem fatores de risco específicos por meio de uma busca ativa e personalizem os planos de tratamento para cada paciente, melhorando assim os resultados clínicos.

Além disso, a IA pode ser usada para monitorar pacientes com doenças crônicas de forma contínua e remota. Por exemplo: dispositivos conectados à internet podem coletar dados sobre a saúde de um paciente, como pressão arterial, níveis de glicose e atividade física, e enviá-los para os profissionais de saúde em tempo real. Isso permite um monitoramento da saúde dos pacientes de forma mais eficaz e intervenções precoces em caso de problemas.

A IA também pode ser útil para personalizar tratamentos com base nas características individuais dos pacientes. Por exemplo: algoritmos de IA podem analisar o histórico médico de um paciente, juntamente com dados genéticos e outros fatores, ajudando na escolha de tratamentos mais eficazes. Além de melhorar os resultados clínicos, é possível reduzir os custos a longo prazo, evitando tratamentos desnecessários ou ineficazes.

Outra aplicação importante da IA na gestão de doenças crônicas é a previsão de complicações. Algoritmos podem analisar os dados dos pacientes e identificar padrões que possam indicar risco aumentado para doenças como infartos, acidentes vasculares cerebrais, infecções, reações adversas a medicamentos e outras afecções, permitindo tratamentos mais eficazes e redução de custos de atendimento.

Por fim, a IA é passível de ser usada para educar e capacitar os pacientes no autocuidado. Por exemplo: aplicativos de saúde baseados em IA podem fornecer informações personalizadas sobre o manejo da doença, incentivar mudanças no estilo de vida e oferecer suporte emocional, ajudando-os a gerenciar melhor sua condição e melhorar a qualidade de vida.

Melhoria da qualidade dos cuidados e da experiência do paciente

Em se tratando da experiência do paciente, os algoritmos de IA podem ser usados para analisar os dados dele e identificar padrões que possam indicar a necessidade de intervenção médica. Isso permite que os profissionais de saúde intervenham precocemente, reduzindo assim o risco de complicações.

Além disso, chatbots podem ser empregados para fornecer informações aos pacientes sobre seus tratamentos e condições de saúde, diminuindo a necessidade de consultas médicas e melhorando a comunicação entre os pacientes e os profissionais de saúde.

Desafios e considerações

Apesar dos benefícios evidentes, a implementação da IA na saúde não está isenta de desafios. Com seu uso cada vez mais disseminado para analisar e armazenar dados pessoais sensíveis dos pacientes, é crucial garantir que os mesmos sejam protegidos contra acessos não autorizados e violações de privacidade.

Além disso, a integração da IA nos fluxos de trabalho existentes pode ser complexa e demorada. Os hospitais e clínicas precisam garantir que seus sistemas de informação sejam compatíveis com os algoritmos de IA e que os profissionais de saúde sejam devidamente treinados para utilizar essas novas ferramentas de forma eficaz.

Exemplos de uso no Brasil

A NeuralMed, startup brasileira dedicada ao emprego da IA para gerar maior eficiência operacional e qualidade na saúde, desenvolveu uma solução de processamento de linguagem natural ( da sigla em inglês NLP) para avaliar dados não estruturados contidos em relatórios e prontuários médicos, receituários e dados de contas hospitalares. A ferramenta permite identificar pacientes de alto risco em grandes bases de dados, o que torna possível fazer diagnósticos precoces e mais assertivos, antecipar intervenções e reduzir custos operacionais.

Em um estudo realizado com laudos de mamografias e ultrassonografias em uma grande instituição brasileira, foram avaliados 16.594 pacientes com a referida solução. A partir daí, foi possível identificar os principais achados e caracterizar as pacientes de acordo com o escore mamográfico BI-RADS, mesmo nos casos em que os médicos radiologistas não tinham incluído essa classificação em seus relatórios.

Além disso, a solução processou 1,2 milhão de prontuários eletrônicos de pacientes da mesma instituição, em busca de fatores de risco para câncer de mama. Foram identificadas 600 mil mulheres na base de dados, sendo que 150 mil tinham indicação de realizar a mamografia como exame preventivo. Destas, apenas 16,5 mil (11%) haviam realizado o exame; quase 90% das pacientes, portanto, estavam sem realizar sua prevenção para câncer de mama.

Ainda nos mesmos prontuários, a solução avaliou fatores de risco associados a neoplasias de mama. Foram encontradas 48 mil pacientes com, ao menos, um fator de risco - 2 mil das quais já com diagnóstico de câncer de mama. Com relação ao histórico familiar para neoplasia mamária, que representa um dos fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento da doença, a ferramenta identificou 564 mulheres com histórico de neoplasia mamária em parentes de primeiro grau. Destas, 92 apresentavam outros fatores de risco, tornando a possibilidade de câncer ainda maior. Somente 5 das 92 pacientes encontradas já estavam sendo avaliadas; ou seja, 87 pacientes com mais de um fator de risco para câncer de mama e alta probabilidade de desenvolver a doença estavam fora do radar diagnóstico e foram identificadas pela solução.

Um outro caso de uso da solução da NeuralMed foi com pacientes com nódulos pulmonares, afecção que pode, em alguns casos, traduzir a presença de câncer de pulmão - especialmente em pacientes de alto risco, como grandes tabagistas, ou em paciente cujos nódulos possuem formatos irregulares, margem mal definidas e grandes dimensões. O diagnóstico precoce de tais condições permite que outros exames e intervenções sejam realizados em tempo hábil, permitindo tratamentos mais assertivos, com maior sobrevida e menor custo para o sistema de saúde.

Laudos de tomografias de tórax são complexos e com muitas informações, levando um certo tempo para serem lidos por humanos e com risco de alguns achados, como nódulos nos pulmões, passarem despercebidos. Em um grande hospital brasileiro, a solução avaliou 12.556 laudos de 10.430 pacientes em apenas 22 horas (uma pessoa levaria 1 ano para ler os mesmos laudos) e encontrou 966 pacientes com nódulos pulmonares maiores que 0,6 cm, 85% deles medindo mais que 0,8 cm. Desses pacientes, 200 tinham lesões maiores que 3 cm, denominadas massas pulmonares, com maior chance de representar neoplasias malignas. A adoção da ferramenta reduziu significativamente o tempo de leitura humana, otimizando o processo e permitindo que os profissionais se dedicassem mais aos pacientes.

Por fim, a solução foi utilizada em uma grande base de dados de uma operadora de saúde - composta por 1,4 milhão de prontuários médicos, 300 mil receituários e 570 mil dados de contas médicas, contendo mais de 700 milhões de caracteres - para ajudar na identificação de pacientes com doenças crônicas elegíveis para atividades de prevenção. A partir dessa análise, foram identificados mais de 3 mil pacientes com doenças crônicas como hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, obesidade e diabetes mellitus, que não eram de conhecimento da operadora de saúde, o que os tornava elegíveis para medicina preventiva. A economia aproximada com o uso da solução foi de R$10 mil a R$22 mil anuais por paciente crônico de maior complexidade, totalizando uma economia anual para a instituição da ordem de R$ 10 milhões.

TODOS ESSAS APLICAÇÕES E RESULTADOS nos levam a concluir que as soluções de IA têm potencial de transformar radicalmente a prestação de cuidados de saúde, oferecendo benefícios significativos para pacientes, profissionais de saúde, hospitais, clínicas e operadoras. É claro que é importante avaliar cuidadosamente o custo-benefício e a viabilidade financeira delas para garantir que sejam implementadas de forma eficaz e sustentável e que não sejam percebidas como mais um custo em um setor cada vez mais pressionado por baixas margens e necessidade de eficiência. Com a abordagem correta, a IA pode ser uma ferramenta extremamente poderosa para aprimorar a qualidade dos cuidados, reduzir os custos e promover resultados superiores para os pacientes.


Artigo escrito em parceria com Anthony Eigier, fundador e CEO da startup NeuralMed. Gustavo Meirelles é consultor da empresa.

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Colunista Gustavo Meirelles

Gustavo Meirelles

É fundador, investidor e conselheiro de startups, principalmente na área da saúde. Médico radiologista, com especialização, doutorado e pós-doutorado no Brasil e no exterior. Tem experiência como executivo de grandes empresas de saúde, com MBA em gestão empresarial. Mais informações em: www.gustavomeirelles.com.

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