Embora com capital abundante, a falta de educadores provoca uma distância entre as edtechs e os processos disruptivos da indústria 4.0; artigo analisa ainda o movimento de integração, consolidação e precificação das startups de educação
“O mercado de edtechs carece de inovações verdadeiras e disruptivas. Carece também de ressignificar soluções e de desafiar o status quo do setor. Ressalto duas razões para isso: (1) o ciclo de investimento; e (2) o fato de as edtechs não serem empreendidas por pessoas com formação em educação.
O número de edtechs no Brasil não é certo, mas pode estar perto de 1000. Divididas em gêneros, há aquelas que têm como proposta resolver problemas com avaliações de desempenho, gamificação, aprendizado em micro-momento, streaming de vídeos, repositórios de arquivos, marketplace de todas as espécies, etc.
A briga entre as startups está tão intensa, e a barreira de entrada de novos participantes está tão baixa que, antes de uma seleção natural, o número de players deve continuar crescendo exponencialmente. Além disso, a dificuldade de entender o que realmente tem valor deve prevalecer, dado o mundo de buzzwords e a consequente massificação de discursos.
Além de todos serem “”apaixonados por educação””, e de terem como propósito “”transformar a sociedade por meio da educação””, agora também temos a missão e o propósito de que só a educação nos salvará de todos os males – o que de certa forma é verdade, mas já passou do ponto.
No entanto, qual a tendência para as edtechs diante desse cenário? Primeiro, integração. Em segundo lugar, uma consolidação. Em terceiro, uma diminuição nos preços. Para entender melhor esse movimento, vamos detalhar cada cenário.
Gosto de uma visão que as edtechs podem ser entendidas como uma cebola, divididas em camadas que englobam as outras. No mercado, existem empresas LMS (learning management system), de streaming de vídeo e outras especializadas em micro-momentos. Daí aparece outra startup que integra os três serviços em um só, unifica o look and feel e, para conseguir entrar no mercado, oferece todos os serviços a um preço competitivo.
Isso faz muito sentido, pois hoje os clientes estão comprando os serviços de três fornecedores diferentes, fazendo as integrações, tendo que lidar com diferentes UX/UI, além de administrar as mudanças de versões, atualizando APIs, em novas integrações. Resumindo: experiência baseada em transação, integrações caras, lentas e de alto risco.
Nesse cenário, a tendência é de startups executarem todos os serviços, englobando novas camadas de soluções. Empresas que seguem esse modelo de negócio oferecem um apanhado mais amplo e diversificado de funcionalidades integradas, com um look and feel unificado. Em comparação com os concorrentes, esse tipo de startup trabalha com um preço ainda mais atraente.
A briga de serviços edtechs não é diferente de outros segmentos digitais. Por isso, o setor depende de escalabilidade e de altos investimentos. Quando cada edtech consegue um round de investimentos, mas ainda continua com units economics negativos, a esperança está no crescimento para ganhar escala e chegar nas margens desejadas.
Como a briga é de longo prazo e o mercado é muito veloz, o melhor para uma edtech é se juntar a outra startup que ofereça complementaridade, principalmente na carteira de clientes. O objetivo é juntar operações, otimizar despesas, apresentar números maiores de clientes e justificar a busca de novas rodadas de investimentos.
Já com alguma escala, com M&A e novas captações feitas, é hora de a startup ir para mais um round de capital, se armando para a briga com o objetivo de se consolidar no mercado. Nesse cenário, o preço baixo ajuda a conquistar mercado e levar o crescimento da empresa para outro patamar. Assim, se a margem estava quase próxima, mas foi necessário baixar o preço de novo, uma edtech precisará buscar uma escala um pouco maior para o crescimento do seu negócio.
Não podemos conhecer o fim desse ciclo no setor. Por um lado, o capital é tão abundante que, dessa briga de preços, alguns sairão vencedores. Por outro, podemos até olhar para o passado e espelhar a situação e, frente aos resultados vistos, projetar os resultados futuros. As palavras que resumiriam nossas projeções seriam: bolha, crash, investidores e empreendedores derrotados, além das críticas ao capital excessivo e não seletivo.
Não estou afirmando que vem uma bolha no mercado de edtechs, pois não vejo comparações exatas com a bolha da internet de 1999, que vivi como empreendedor de uma incubadora de sites – afundamos em 2001, só para ressaltar. Penso apenas que faltam edtechs mais completas que tenham ed + tech. Explico esse ponto a seguir.
A lógica de chamar uma startup de educação de edtech vem do setor de educação e do uso intenso de tecnologias. Entretanto, não estamos exatamente diante dessa combinação. Apenas pela atuação no segmento de educação, poucas edtechs são fundadas e lideradas por educadores, professores, pesquisadores, consultores e empreendedores com experiência prévia na área.
O resultado é a dificuldade em focar nas soluções para os problemas dos agentes educacionais: alunos, professores, educadores, gestores de negócios educacionais, profissionais de recursos humanos e de treinamento, pais e familiares, governos e suas entidades etc.
E apesar do discurso da centralidade no cliente, a centralidade está nos fundadores, empreendedores e executivos que somam suas experiências e decidem o que os clientes precisam – quem nunca fez isso?
O capital abundante e o fato de as edtechs carecerem de “”ed”” não está contribuindo para inovações verdadeiras e disruptivas, nem para ressignificar soluções e de desafiar o status quo do setor. Se com excesso de dinheiro já está difícil reinventar a educação, imaginem se o capital ficar escasso.
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