Identidade empreendedora: um superpoder ou um calcanhar-de-aquiles?
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A Estônia hoje é tida como a mais avançada sociedade digital do planeta. Berço de startups como Skype e Transferwise, o país foi recentemente considerado o mais empreendedor da Europa pelo Fórum Econômico Mundial. Com um ecossistema vibrante de startups, sistema tributário simples, abertura de empresas em 2 horas, 99% dos serviços públicos digitais e educação pública de excelência (quarta colocada no ranking do Pisa), a Estônia tem chamado atenção do mundo como um forte candidato a “novo Vale do Silício”.
Para entender o país, o ecossistema de tecnologia e as oportunidades para startups e empresas brasileiras, é preciso olhar a história recente da Estônia e o modelo de desenvolvimento econômico da Estônia, composto por sei fatores (sociedade civil; vontade política; instituições e legislação; educação; empreendedorismo e investimentos; tecnologia):
Além das ocupações que a Estônia sofreu desde 1200, durante a Segunda Guerra Mundial o país foi anexado pela URSS. Após 50 anos de experiência no regime comunista, em 1991 a Estônia readquiriu sua independência (celebrado amplamente no último dia 20 de agosto) e se encontrou numa situação paradoxal: se por um lado estava livre, por outro, estava esfacelada, sem infra-estrutura, recursos e com uma estrutura de hiperburocracia.
Alguns estonianos dizem que aconteceu um choque de realidade logo após os primeiros meses de independência em relação à União Soviética, no início dos anos 1990, e que foi isso que impulsionou a reconstrução do país. Ao se reabrir para o mundo do ponto de vista de publicação e análise de índices socioeconômicos, o governo do país constatou que a relação de PIB per capita entre Finlândia e Estônia era 1:1 em 1945 e de 275:1 em 1991 (lembrando que a Finlândia se manteve independente e com um sistema de economia de mercado nesse período). Em 2018, o PIB per capita anual da Estônia chegou a 18.000 euros (US$ 21,2 mil), um crescimento de 286 vezes em menos de 30 anos.
A diferença abismal na renda per capita e a sensação de “ter parado no tempo”, junto com o sentimento de identificação nacional e autodeterminação estoniana serviu de força motriz para organização da sociedade civil como base do modelo de desenvolvimento econômico. Um dos principais movimentos da sociedade civil organizada foi a criação de uma nova classe política, à época bastante jovem (Mart Laar foi eleito primeiro-ministro em 1992, 32 anos de idade), com inclinações liberais e responsável pela nova constituição e redesenho das instituições. Outro fator está relacionado à definição de políticas públicas dentro de um planejamento de médio prazo para as necessárias reformas profundas. E, independente de qual partido ou liderança estava à frente do governo, sua execução era continuada.
Quando se fala sobre Estônia e seu governo digital, a mídia coloca um foco talvez demasiado nos aspectos puramente tecnológicos. O mais importante é entender o conjunto de elementos que viabilizam essa estrutura, que passam obviamente por tecnologia, mas principalmente por elementos analógicos. Neste sentido, é reconhecido e cada vez mais divulgado pelos estonianos, de que é aspecto legislativo é que se encontra uma das grandes inovações do país. Quanto a este ponto, algumas lideranças da Estônia entendem que este arcabouço jurídico criado na década de 90 para contemplar, por exemplo, uso da internet e serviços eletrônicos, foi uma combinação de competência + sorte + falta de outra opção:
No fim, independentemente do peso de cada variavel, o fato é que a decisão da Estônia permitiu que o país desse um salto de desenvolvimento (inclusive nome de um dos projetos de informatização de escolas e cidadãos - Salto do Tigre) e, metaforicamente, é possível ver que a forma de a Estônia recuperar o tempo perdido foi pulando o presente do ponto de vista de não ter que reconstruir uma estrutura burocrática tradicional para depois desburocratiza-la e digitalizá-la, mas sim renascer já digital e enxuta.
Esta dimensão das instituições enxutas e legislação viabilizadora da desburocratização e digitalização é uma frente que oferece grandes oportunidades para o setor público no Brasil, pois um ditado famoso aqui na Estônia diz que: “Digitalizar a burocracia é transformar computadores em máquinas de escrever”.
No que se refere à educação, a maior universidade da Estônia (Universidade de Tartu) foi fundada em 1632 durante a ocupação sueca. Apesar e outros períodos de dominações, verificou-se uma relativa preocupação e investimentos em educação de longa data no país. Hoje, o modelo educacional da Estônia se baseia no ensino público (básico e superior) igualitário e de excelência. O país figura, atualmente, em #4 no ranking do PISA para ciência, leitura e matemática (sendo considerada a melhor educação do mundo ocidental) e em #1 em alfabetização financeira (também pelo PISA).
Para o ensino superior, o modelo também gratuito e principalmente com pesquisa aplicada, tem acelerado a criação de novas startups (o Skype, por exemplo, foi fundado por 4 sócios, sendo 2 deles alunos de universidades estonianas na época).
Por fim, na área educacional as oportunidades estão tanto para alunos brasileiros interessados em intercâmbio ou o curso de graduação ou pós-graduação, como também para gestores educacionais que queiram conhecer o modelo de ensino básico ou superior da Estônia.
Considerando que, no período pós-soviético, a Estônia se encontrava sem recursos e com infraestrutura precária, boa parte da estratégia de desenvolvimento regional esteve baseada em parcerias público-privadas, privatizações e atração de investimentos estrangeiros. Foram formados diversos consórcios e iniciativas entre governo e empresas para, por exemplo, viabilizar acesso à internet em todo o país (os bancos eram os maiores interessados nisso, pois desta forma, eliminariam a necessidade de instalar agências nos diversos vilarejos).
Além disso, foi dado enfoque significativo na construção de um ecossistema favorável ao empreendedorismo (em especial de tecnologia da informação e comunicação), com baixos níveis burocráticos (a abertura de empresas na Estônia leva em média três horas) e incentivos ao crescimento de novas empresas (principalmente nos aspectos fiscal e de exportações).
Mesmo com 10% de sua população trabalhando em TI, a Estônia possui um gap significativo de profissionais na área. Isto abre oportunidade para estrangeiros interessados em trabalhar e morar no país, facilitados pelo trabalho do “Work in Estonia”. Mais informações aqui.
Para freelancers e empreendedores brasileiros na área de tecnologia, a Estônia abriu suas portas e tem recebido milhares de brasileiros interessados em se conectar com o país, com os objetivos de:
e-Residency (Cidadania Eletrônica): através dele, é possível se tornar cidadão digital estoniano e, com isto, abrir e gerir uma empresa remotamente. Atualmente, são mais de 60.000 e-residents e 10.000 empresas. Mais informações aqui.
Startup Visa: este programa permite a startups estrangeiras se estabelecer no país para explorar os benefícios do ecossistema local e expandir seu negócio globalmente. Ele também viabiliza a contratação de profissionais estrangeiros de TI de forma acelerada. Maiores informações aqui.
Para empresas de tecnologia de médio e grande porte, também é possível destacar as seguintes oportunidades disponíveis na Estônia:
Há ainda oportunidades para profissionais autônomos que gostam de viajar o mundo enquanto trabalham - os chamados nômades digitais. Recentemente, a Estônia lançou o Visto para Nômades Digitais, que irá permitir que freelancers permaneçam por até 1 ano no país com visto de trabalho e 90 dias adicionais no Espaço Schengen da União Europeia.
Como último componente do modelo de sociedade digital da Estônia temos, enfim, a tecnologia. As soluções fundamentais do modelo de governo eletrônico do país são:
ID Card: cartão individual com chip número único de identificação (utilizado para todos os acessos e serviços públicos). Obrigatório por lei, é responsável pela autenticação de usuários, permitindo, assim, o uso de sua segunda função - assinatura eletrônica com validade jurídica.
X-Road: trata-se de solução open-source de troca de informações entre diferentes bancos de dados (independente de suas arquiteturas), que permite a comunicação entre diferentes setores e repartições.
Quando combinadas entre si e com os elementos como a assinatura eletrônica, viabilizam a plataforma digital utilizada pelo governo estoniano. No topo desta plataforma, foram implementados e/ou disponibilizados 99% dos serviços públicos da Estônia (com exceção de casamento, divórcio e compra de imóveis).
Como próxima versão do modelo governo digital, tem-se trabalhado numa camada (batizada Kratt) adicional para a plataforma, a qual será responsável por incorporar inteligência artificial a boa parte dos 2.500 serviços digitais hoje disponíveis.
De fato, são as soluções de tecnologia no setor público que MAIS tem contribuído para aumento da exposição internacional da Estônia. Estrategicamente, o país produtizou sua expertise e hoje compartilha sua trajetória e suas metodologias com governos interessados em trilhar caminho semelhante de desburocratização, transformação digital e construção de uma sociedade da informação.
Atraídos por essas inovações e experiência de sucesso em digitalização, identificamos que brasileiros já visitavam a Estónia e buscavam se aprofundar em cada aspecto mencionado anteriormente, divididos em dois grupos:
As que poderiam se beneficiar, porém não vinham por não ter nenhum contato na / com a Estônia.
Considerando todo o ecossistema da Estônia e nas oportunidades para empresas e cidadãos brasileiros, temos atuado como construtores de pontes entre Brasil e Estônia. Tudo isto visando fomentar parcerias para acelerar desburocratização, digitalização, internacionalização e educação e como resultado final, termos um país melhor e que concretiza todo seu potencial. Desta forma, surgiu o Estonia Hub e suas diversas iniciativas relacionadas a conteúdo, contatos e experiências.
Recentemente, anunciamos a “Missão Digital Startups para a Estônia” e estão todos convidados.
A iniciativa acontece de 21 a 25 de setembro, em formato 100% remoto e em parceria com o Ministério das Relações Exteriores (Programa Diplomacia da Inovação) e Embaixada do Brasil em Tallinn, com o seguinte formato:
Acesse o site oficial da Missão Digital Startups Estonia, leia o edital e faça sua inscrição.
Mora em Tallinn (Estônia), é empreendedor e cofundador do Estonia Hub, empresa focada em acelerar a transformação digital e gerar novos negócios e parcerias entre Brasil e Estônia nos setores público e privado. Formado em relações internacionais pela Unesp e Universidade de Dresden (Alemanha), tem especializações em consultoria estratégica em Harvard e liderança em Stanford. No Brasil, foi um dos mais jovens profissionais a se tornar diretor comercial da TOTVS, maior empresa de software da América Latina.
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