Estudo analisa como as empresas podem capitalizar as oportunidades criadas por essa fonte de energia limpa
Um dos maiores desafios enfrentados pela humanidade – reduzir a emissão de carbono a zero para prevenir os efeitos desastrosos do aquecimento global – requer a construção de sistemas de energia baseados em fontes limpas, confiáveis e acessíveis. Essa demanda tem impulsionado organizações pelo mundo a explorar novos modelos e soluções energéticas, como o hidrogênio verde, como é chamado o hidrogênio de baixo carbono.
No final do ano passado, durante a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), COP27, o World Bank Group anunciou a criação da Hydrogen for Development Partnership (H4D), uma nova iniciativa global para impulsionar a implantação de hidrogênio verde em países em desenvolvimento, buscando acelerar sua transição para energia limpa.
Atento a essa questão, o Capgemini Research Institute produziu o relatório Low-carbon Hydrogen: a path to a greener future, em que analisa como as empresas podem capitalizar as oportunidades criadas por essa fonte de energia limpa. O levantamento mostrou que, apoiado por uma mudança global rumo à descarbonização, o hidrogênio verde está ganhando importância como um vetor de energia, sendo considerado pela maioria das organizações ouvidas como o principal contribuinte de longo prazo para alcançar metas de redução de emissões e de sustentabilidade. Se hoje ele corresponde a apenas 1% de todo hidrogênio produzido, os entrevistados disseram esperar que, com a redução dos custos e avanços tecnológicos, o verde chegue a 55% em 2050.
O hidrogênio é invisível e inodoro, mas no âmbito da energia ganha diferentes cores dependendo de como é produzido. Aquele feito a partir do uso de fontes renováveis, conhecido popularmente como hidrogênio verde, é produzido com eletricidade de fontes eólicas, solares e hídricas, que não emitem gases do efeito estufa. Isso geralmente é feito aplicando uma carga elétrica sobre a água para separar o hidrogênio do oxigênio – processo conhecido como eletrólise. O hidrogênio é então coletado e pode ser utilizado como uma fonte de energia limpa em diversos setores, como transporte, indústria e geração de eletricidade. Devido ao alto custo, a eletrólise realizada com energia hídrica representa hoje menos de 0,1% da produção de hidrogênio mundial.
Já o hidrogênio produzido a partir, ou através, de combustíveis fósseis – como gás e carvão – pode ser chamado de hidrogênio cinza (que representa a maior parte da produção), marrom e azul. Ao contrário desses, o verde não emite carbono durante o processo de produção. Isso o torna uma opção atraente para reduzir as emissões de gases poluentes de efeito estufa e combater as mudanças climáticas.
A transição para o hidrogênio verde poderia evitar, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a emissão anual de 830 milhões de toneladas de CO² atualmente emitidas pelo hidrogênio produzido de forma convencional. O estudo do Capgemini mostrou que a maioria (64%) das organizações de energia e utilities (E&U) planeja investir em iniciativas de hidrogênio de baixo carbono até 2030; e nove em cada dez planejam fazê-lo até 2050.
O relatório Roadmap to Net Zero by 2050, desenvolvido pela AIE, prevê que ao atingir a emissão zero até 2050, o setor de energia mundial daria ao mundo uma boa chance de limitar o aquecimento global a 1,5°C. Neste percurso, a produção de hidrogênio verde se expandirá exponencialmente. Com isso, calcula-se que até 2050, mais de 320 milhões de toneladas de hidrogênio terão sido produzidos em todo o mundo com a eletrólise – até hoje, foram produzidas menos de 50 mil toneladas. No entanto, existem desafios importantes na busca por esse rápido aumento.
Atualmente, a produção de hidrogênio de baixo carbono custa de duas a três vezes mais do que a de hidrogênio à base de carbono. Produzir hidrogênio verde custa entre US$ 3 e US$ 8 por quilo – enquanto o hidrogênio cinza custa entre US$ 0,50 e US$ 1,7 por quilo, e o azul entre US$ 1 e US$ 2. Segundo Fatih Birol, diretor-executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), esse custo deve cair num futuro breve na esteira de inovações na área, que irão impactar a tecnologia empregada no processo de eletrólise, assim como a maior produção de eletrolisadores.
Na visão de Emanuel Queiroz, diretor de soluções de nuvem e sustentabilidade da Capgemini Brasil, outro desafio está ligado à eficiência do processo de produção, que hoje é de 60%. “Ou seja, ainda perde-se muito devido à ineficiência do processo atual da eletrólise. Com os avanços em pesquisas, veremos uma produção exponencialmente maior com a mesma matéria-prima”, comenta.
Há ainda desafios ligados ao transporte, à engenharia, à infraestrutura de distribuição e recarga, e à mão de obra especializada. A expectativa é que, com o apoio de políticas governamentais para o aumento do custo da emissão de CO², a redução dos custos de energia renovável, os avanços tecnológicos rápidos e um crescente foco na descarbonização e soluções de energia sustentável, a viabilidade comercial do hidrogênio de baixo carbono cresça junto com sua demanda.
O estudo do Capgmenini Research Institute revelou que os investimentos estão fluindo em toda a cadeia de valor do hidrogênio – especialmente no desenvolvimento de tecnologias de produção com custos efetivos (52% das organizações investem nisso), eletrolisadores e células de combustível (45%), e infraestrutura de hidrogênio (53%) para ajudar a criar fontes de receita alternativas e auxiliar nos esforços de descarbonização. Do lado regulatório, mais de 80 países ao redor do mundo apoiam a produção de hidrogênio limpo, seja por meio de políticas ou planos relacionados a ele, seja fornecendo suporte para projetos de hidrogênio de baixo carbono e P&D por meio de subsídios ou esquemas de comércio de emissões, ou ainda através da aplicação de impostos sobre o hidrogênio intensivo em carbono.
É justamente na área de P&D que estão os maiores investimentos. O levantamento da Capgemini descobriu que 45% das organizações de E&U estão investindo em pesquisa e desenvolvimento para vencer os desafios dessa transição energética, para aprimorar a tecnologia de eletrólise, melhorar a eficiência e aumentar a produção. “Assistimos o mercado se movimentar em direção a pesquisas ligadas a análises de dados das diferentes etapas do processo, simulações em ambiente controlado, inteligência de dados e governança do processo”, comenta Queiroz. O foco na inovação é tido como a chave para escalar a produção. Alguns resultados já podem ser comemorados. Em maio de 2022, a Hysata – uma empresa de tecnologia de eletrólise baseada na Austrália – desenvolveu uma tecnologia de ponta em que a eletrólise opera com eficiência de 95% – distante das atuais 60%.
Na perspectiva de Queiroz, da Capgemini, essa fonte de combustível irá criar novas oportunidades comerciais em toda a cadeia de valor, incluindo novas fontes de receita e modelos de negócios. Setores com aplicações tradicionais de hidrogênio, especialmente refino de petróleo, produtos químicos e fertilizantes, e siderurgia, têm grande potencial para adotar o hidrogênio de baixo carbono. A demanda por hidrogênio em novas aplicações, como mobilidade terrestre de longo alcance (para caminhões pesados e ônibus), aviação de longo curso, especificamente combustível de aviação sustentável (SAF), ou marítima, deverá aumentar.
Segundo o estudo do Capgemini Research Institute, para aproveitar as oportunidades, mitigar custos e expandir rapidamente, as organizações precisarão abordar três aspectos:
– Estratégico: para aumentar a produção de hidrogênio verde, os investimentos devem ser compartilhados entre atores públicos e privados e a demanda dos clientes deve ser forte. As organizações devem avaliar novos modelos de negócios sob perspectivas de sustentabilidade e custo total de propriedade. Para viabilizar esses modelos, é necessário definir uma estrutura de governança dedicada à produção de hidrogênio de baixo carbono, além de focar na educação e programas de capacitação de mão de obra.- Tecnológico: as organizações devem aproveitar o potencial da tecnologia e da engenharia digital para mitigar desafios relacionados à medição do nível de intensidade de carbono, otimização de custos, eficiência, segurança, desempenho, lucratividade e tomada de decisões em tempo real no nível dos ativos. Tecnologias como gêmeos digitais, inteligência artificial (IA), análise de dados e blockchain podem ajudar a lidar com esses desafios de implementação, modelando vários cenários para maximizar o retorno sobre o investimento (ROI) e permitindo tomadas de decisões baseadas em dados ao longo do ciclo de vida e em todo o ecossistema.- Ecossistema: para se tornarem parceiros preferenciais das organizações finais e oferecerem o hidrogênio de baixo carbono como uma alternativa viável, as organizações devem estabelecer parcerias com fornecedores de eletrólise, produtores de energia renovável, provedores de armazenamento e entidades da cadeia de suprimentos para facilitar a produção em larga escala.
De acordo com os dados da pesquisa, nos últimos três anos a demanda por hidrogênio de baixo carbono cresceu mais de 10% em países como França, Índia, Reino Unido, Japão, Estados Unidos, Alemanha e Suécia. No Japão, o Ministério da Economia, Comércio e Indústria propôs alocar cerca de US$ 2,3 bilhões para o desenvolvimento da importação e cadeia de suprimentos de hidrogênio verde.
O governo belga investiu € 95 milhões (cerca de US$100 milhões) na construção de uma rede de dutos de hidrogênio e CO². Além disso, reservou um orçamento anual de € 25 milhões para P&D e € 16 milhões para a criação de um centro de especialização em hidrogênio em 2022. A estratégia de hidrogênio da Bélgica concentra-se em quatro pilares: posicionar o país como um hub de importação e trânsito de energias renováveis na Europa; desenvolver liderança belga em tecnologias de hidrogênio; estabelecer um mercado robusto de hidrogênio; e focar em colaboração e cooperação.
Já o Departamento de Energia dos Estados Unidos iniciou um programa de US$ 8 bilhões para desenvolver uma rede de hubs para a produção de hidrogênio limpo. A rede irá conectar produtores de hidrogênio, consumidores e infraestrutura local. Até novembro de 2022, foram recebidas inscrições para quase US$ 60 bilhões de financiamento federal de organizações dispostas a investir US$ 150 bilhões de capital próprio.
Para Birol, da AIE, muito pode se esperar daqui para frente em relação ao hidrogênio de baixo carbono. “O hidrogênio verde ainda está em seus primórdios, mas com o apoio necessário ele irá desempenhar um papel crucial para que a transição energética seja bem-sucedida”, assegura.
O hidrogênio já passou por falsos momentos de progresso. Cientistas o isolaram pela primeira vez no século 17, e a General Motors testou um carro a hidrogênio em 1966. “O potencial do hidrogênio, porém, é muito maior hoje, já que o mundo está cada vez mais voltado à necessidade de zerar as emissões o mais rápido possível”, opina Birol. E temos motivos para ser otimistas: muitas tecnologias de energia progrediram mais rápido do que o esperado, como a eólica e a solar, cujos custos despencaram graças ao forte apoio às políticas, à inovação tecnológica e à motivação empresarial.
“À medida que a tecnologia avança e os custos de produção diminuem”, diz Queiroz, “espera-se que o hidrogênio verde desempenhe um papel cada vez mais importante na matriz energética global e possamos colecionar projetos de sucesso nessa área”. Projetos que, aplicados em maior escala, ajudarão o hidrogênio verde a atingir todo o seu potencial colocando o mundo na estrada para a transição para a emissão zero. “