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Mulheres de março

12 min de leitura

“Hoje me sinto confortável de ser mulher nos negócios”, diz executiva de produto e CX

Conheça Andrea Dolabela, responsável na Dasa por várias funções que caracterizam a nova economia; ela mostra quanto mudou o papel da mulher no mercado corporativo nos últimos dez anos, embora ainda haja muito a avançar

Sandra Regina da Silva

01 de Abril

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Artigo “Hoje me sinto confortável de ser mulher nos negócios”, diz executiva de produto e CX

Imagine, uma década atrás, ver uma executiva bem-sucedida que demonstrasse fragilidade. Ou afetividade. Ainda mais se fosse uma gestora do mercado financeiro, ou de inovação, ou de tecnologia e dados. Impossível, certo? Se por acaso conheceu alguma, o leitor encontrou uma agulha no palheiro. Pois encerramos o mês de março – celebrado como o Mês da Mulher – com o perfil de uma diretora geral de produto e experiência do cliente em uma grande e inovadora empresa, que fala com orgulho de fragilidade e afetividade. Os tempos mudaram e uma fatia cada vez maior do universo corporativo brasileiro já entende que ter diversidade de gênero traz benefícios aos negócios, inclusive (ou especialmente) onde essa diversidade é menos esperada.

Ainda é baixo o número de mulheres em cargos mais elevados, na comparação com homens? Sim. Mas temos várias líderes para servir de exemplo e inspiração para as que vêm depois. Ainda é difícil equilibrar os pratos de mãe ou de executiva? Sim. Mas não se pode dizer que continue a ser um trade-off, do tipo “um ou outro”. Um bom planejamento de vida profissional e pessoal ajuda bastante a endereçar esse desafio. É isso que Andrea Dolabela, diretora geral de produtos, marketing e experiência na rede de saúde integrada Dasa, vivencia em seu dia a dia.

“Acho que nós criamos um espaço, e hoje me sinto muito confortável de ser mulher nos negócios”, afirma ela a MIT Sloan Management Review Brasil, lembrando como tudo era diferente 10 ou 15 anos atrás, quando atuava majoritariamente no setor financeiro. Vale registrar que, quando engravidavam, as mulheres sentiam medo, por exemplo. Elas não sabiam o que ia acontecer com o trabalho. Hoje há cada vez menos espaço, na visão de Dolabela, para empresas cujo ambiente ainda faça esse medo vir à tona.

Significa que vai tudo bem, obrigada? Não, é claro. Ainda é preciso avançar bastante. É certo que a participação feminina no setor de saúde é relevante, com um grande número de mulheres médicas e demais profissionais da área de cuidados. (Segundo o Conselho Federal de Medicina, em 20 anos dobrou o número de mulheres que exercem a medicina; em 2020, havia 46,6% médicas e 53,4% médicos.) Mas a mesma diversidade não se verifica na área de inovação e tecnologia em saúde, em que Dolabela atua. “Ainda é um ambiente de muitos homens. Faço questão de ocupar um espaço trazendo a voz feminina para o desenvolvimento de produto e para as funções de inteligência de dados e de experiência”, diz ela.

Na opinião da executiva da Dasa, a necessidade de haver divergência de ideias em todas as empresas torna a representatividade feminina na liderança mais importante – ou ate obrigatória. “Temos uma tendência de não querer divergir, de buscar viver em harmonia. A harmonia é muito boa, mas entre pessoas e não entre ideias. Visões e contribuições diferentes evoluem para um ponto de vista único, uma cocriação. E é assim que nos desenvolvemos como time”, justifica ela.

Encerrando uma trilogia sobre liderança feminina em negócios da nova economia especialmente preparada para o “Mês das Mulheres”, MIT Sloan Management Review Brasil destacou cinco desafios do trabalho da executiva Andrea Dolabela relacionados com gestão de tecnologias, dados, inovação, experiência que seriam vistos como territórios masculinos – e a maneira dela de enfrentá-los.

Liderar (os diferentes e suas diferenças)

Dolabela se enxerga no papel “de dar a visão, de trazer as pessoas para enxergarem para onde temos que ir e o resultado que temos que entregar, e de criar o espaço para que as pessoas se desenvolvam e trabalhem bem umas com as outras sem abrir mão de suas diferenças”. O que ela busca praticar é, de fato e não de discurso, uma “liderança humanizada”. As quase 500 pessoas lideradas por Dolabela na Dasa, distribuídas entre os times de design, dados, produtos e marketing, cada uma com seu expertise, colocam isso à prova todos os dias.

A liderança humanizada é natural para as mulheres na visão da executiva, ainda mais quando são mães – Dolabela tem uma filha e um filho. “A mulher tem a característica de muita proximidade, de cuidado, de ouvir e estar ao lado.” Evidências disso puderam ser percebidos durante a entrevista a MIT Sloan Management Review Brasil quando ela descreveu seu estilo gerencial: “São pessoas que escolheram estar ali para dedicar parte de suas vidas à Dasa e passam muitas horas trabalhando. Pessoas que têm diferentes perfis e objetivos de vida. A mim cabe dar espaço para que cada uma consiga contribuir com a Dasa e também atingir o que busca ali. E isso só acontece se eu souber ouvir cada uma, em suas palavras e também em suas atitudes, já que às vezes as pessoas não falam. O líder tem que estar atento a pequenos sinais; isso também é escutar”.

Andrea Dolabela-Dasa

Natural de Minas Gerais, mas há 18 anos moradora de São Paulo, Dolabela cuida de sua agenda horário a horário com afinco. Acorda às 6h, porque faz questão de levar os filhos na escola todos os dias. Tem horários para a academia, para os estudos, para ficar com os filhos e para o trabalho. “Acho que o mais importante numa carreira de sucesso é que ele (o sucesso) não pode ser só profissional e não pode vir em detrimento de algo importante.”

O caminho disso, para ela, sempre foi o da organização e de traçar metas muito claras em cada um dos pilares da vida, criando a rede de apoio necessária para alcançá-las. “Planejamento serve até para o trabalho social que você se dispõe a realizar. Ainda mais para nós, mulheres, que somos multifocais. Mas não significa que os planos não podem ser alterados, é claro.”

Colocar a tecnologia a serviço do cliente

A executiva da Dasa divide sua carreira em duas partes, antes e depois do ingresso na rede de saúde. Antes, sua carreira foi majoritariamente desenvolvida no setor financeiro, voltada sobretudo a tecnologia e produto, principalmente em meios de pagamento (cartão de crédito) – área em que tecnologia e produto costumam ser mais evoluídos.

Pouco mais de cinco anos atrás, ela estreou em heathcare, um setor com uma visão ainda bem superficial do relevante papel da tecnologia quando voltada à experiência do cliente (CX, na sigla em inglês) e que necessitava muito de inovação. “Hoje meu foco principal é na unificação e na redução da fragmentação da jornada dos usuários em saúde”, conta. Isso é o que a Dasa se propôs resolver. “Se tiver um exame alterado, provavelmente o paciente não vai saber como resolver, tem que procurar um, dois, às vezes três médicos, que vão talvez encaminhá-lo para outro local. A pessoa tem que ficar levando uma pastinha com seus exames de um lado para outro, porque os dados não transitam por toda a jornada do usuário.”

O resultado muitas vezes é uma experiência ruim, em função da fragmentação, o que dificulta que o engajamento no tratamento necessário seja suficientemente rápido. Outro ponto que a executiva levanta é que, como os dados estão pulverizados e acabam não sendo utilizados de modo pleno, o setor acaba sendo muito reativo – ou seja, o usuário é tratado apenas quando já está doente. “Os dados podem ser utilizados para gerar uma saúde mais preventiva ou um tratamento mais precoce em diversas doenças”, diz.

Então, Dolabela e seu time estão voltados a três frentes: (1) como a tecnologia pode ajudar as pessoas a se engajarem mais com sua saúde; (2) como o fluxo de informação e a utilização dos dados podem gerar uma saúde mais preventiva e preditiva; e(3) como tudo isso pode gerar mais eficiência para o setor. “Ao ter mais prevenção, e mais predição, o setor trata menos doença e menos complicações.” Todas as três frentes são bem desafiadoras.

O ponto de partida de Dolabela foi entender qual é o papel e a trajetória do usuário, como as pessoas estão preparadas para uma saúde mais preventiva e o que elas desejam para se engajarem mais. Ela entendeu, por exemplo, graças a pesquisas diversas, que as pessoas já estão formando a sua rede de saúde informalmente, mas não conseguem uma conexão desses elos de saúde em torno de sua vida para poder se municiar. “Nosso papel aqui é ajudá-las nessa integração, já que temos milhões de dados. Nosso data lake tem mais de 5 bilhões de registros de saúde, de mais de 20 milhões de usuários únicos que transitam pelo nosso ecossistema.”

Os dados passam pelas áreas de analytics para que sejam acionáveis e, assim, facilitem ao usuário transitar em sua rede de saúde com uma melhor experiência nesse setor tão fragmentado. Por isso, um dos projetos que entusiasma Dolabela é o Nav, plataforma digital lançada em abril de 2021. Cerca de 2 milhões de usuários estão utilizando o Nav no mobile ou na web, além de 20 mil médicos. Nele, o médico tem acesso a todas as informações do paciente, inclusive com insights da área de analytics e o paciente tem acesso à telemedicina, a diversas especialidades, a consultas 24 horas, aos resultados de seus exames, score, informações sobre saúde, além de conexão entre pontos, vacinas, agendamento de exames – uma jornada facilitada.

Contribuir com uma transformação maior

Na Dasa, Andrea Dolabela está participando de uma grande história de transformação empresarial, sob a batuta de seu CEO Pedro de Godoy Bueno. Passou de uma empresa de diagnósticos médicos para se tornar uma de cuidado integral da saúde, desde a atenção primária e o cuidado de baixa complexidade, do médico de atenção secundária, do laboratório até alta complexidade, como exames genéticos, cirurgias robóticas e câncer centers.

Nesse contexto, a missão de Dolabela é a de criar a tecnologia e os fundamentos para que essa transformação seja cada vez mais real para um número maior de pacientes. “Temos muitos negócios de sucesso, com altíssima qualidade NPS (indicador de satisfação do cliente), novas unidades diagnósticas, 15 hospitais, que podem gerar maior valor conforme mais integrados. Minha missão é facilitar a jornada e que todos os nossos ativos sejam mais integrados e com o usuário no centro, porque a decisão final é sempre dele”, detalha.

Essa missão ficou latente enquanto estudava o projeto que pretendia mudar o modelo de remuneração existente com as operadoras, de uma forma que fosse baseado em valor. Mas como medir o valor do cuidado, o valor de uma saúde melhor? “Percebemos que precisávamos integrar mais a jornada e o cuidado na alta complexidade”, responde Dolabela.

Especificamente o trabalho de integração e de melhor utilização dos dados começaram há dois anos. “Fizemos muitas experimentações, aprendemos demais, pivotamos várias vezes até chegar aonde estamos hoje, que é na redução da fragmentação do setor, o que geraria maior valor para o usuário.”

Pode-se dizer que, mais até do que a transformação da Dasa, Dolabela está participando da transformação do setor de healthcare como um todo, que se reorganiza em torno do cliente.

Alavancar analytics, IA e machine learning

A Dasa tem 50 mil funcionários e cerca de mil trabalham com tecnologia, dados, interoperabilidade, numa abordagem ágil. Hoje há 72 squads no grupo, focados em todos os tipos de problemas da organização, desde os mais simples aos mais complexos. “Usamos analytics simples, às vezes muito úteis para resolver problemas do dia a dia, até inteligência artificial (IA) e machine learning avançado.”

Dolabela citou alguns exemplos: foram desenvolvidos algoritmos de IA para estabelecer o número de pacientes que não vão comparecer aos exames, que serve como base para a agenda de overbooking e, assim, gerar mais eficiência à operação. Outro algoritmo de IA desenvolvido identifica o acometimento do pulmão em pacientes com Covid-19 no hospital. “Esse algoritmo lê o exame do paciente e identifica o nível de acometimento que teve ou vai ter”, conta ela. Há também um algoritmo que define o roteamento para a coleta domiciliar.

“É uma infinidade de algoritmos e utilizações, incluindo para a identificação de gaps de rastreio, de cuidados”, diz ela. Nesse último caso, é voltado por exemplo para identificar pacientes que tiveram exames alterados no passado e que deveriam retornar. A Dasa entra em contato ou com o médico ou com o próprio paciente para lembrá-lo disso.

E a transformação digital? “Ela é muito mais sobre pessoas e seu mindset do que sobre tecnologia. A diferença agora é que o executivo, ou o squad, ou quem está desenvolvendo uma solução sai da figura do ‘eu sei o que vou fazer’ e passa a ter um mindset de escutar e colocar o usuário, o cliente em primeiro lugar”, explica.

Para Dolabela, quando se acredita de fato que é o cliente quem sabe, escutando-o, os esforços se voltam à tradução das dores em problemas e, então, buscam-se resoluções de forma rápida. “Então, transformação digital é uma mudança cultural de mindset”, resume. Essa é uma das razões, inclusive, para a área de CX ser diversa. Há, por exemplo, uma designer deficiente visual e um designer deficiente auditivo, e ambos ajudam a Dasa ao trazer soluções que resolvem as dores que eles mesmos sentem na pele, facilitando a jornada de muitas pessoas com as mesmas deficiências.

Segundo Dolabela, a centralidade do cliente na Dasa é um binômio: o paciente quer estar mais empoderado na sua saúde; e o médico quer ser mais apoiado para se conectar mais com seu paciente. “Ao darmos mais insumos, mais informação e uma simplificação da jornada, sobra mais espaço para que eles se conectem.”

“E mesmo que haja muita tecnologia, lembramos que o cuidado é físico e humano”, diz Dolabela. “É da enfermeira no leito, do médico olho no olho do paciente. Queremos que as pessoas possam atuar mais preventivamente e ir cada vez menos aos hospitais, necessitem de menos cirurgias. Mas quando precisarem, estaremos lá. ”

Engajar startups

Andrea Dolabela sabe que ainda tem muito trabalho pela frente e que, para executá-lo, fazer parcerias e agir ecossistemicamente é muito importante – é um dos pontos que fazem da Dasa uma participante da nova economia, apesar de ter nascido na velha economia. “Sabemos que não vamos conseguir fazer tudo sozinhos. E nem queremos. Desde 2018, por exemplo, patrocinamos a área de saúde do Cubo, apoiando várias startups. Fazemos uma curadoria para algumas se tornarem parceiras estratégicas da Dasa”, relata.

Em 2022, a empresa criou uma diretoria de engajamento com startups, para estreitar relacionamentos. Conta com um programa de aceleração com foco em healthtechs, selo de certificação e programa de captação de recursos, com meta de engajar até cem startups em seu portfólio até o final de 2022.

“O primeiro investimento já foi feito; e eu praticamente todos os dias converso com startups numa via de mão dupla: em que podemos ajudar com nosso volume, capacidade de investimento, conexão com usuários; e como elas podem nos ajudar no engajamento, a trabalhar nichos específicos e na resolução de problemas, especialmente na questão da integração da jornada”. As conexões visam também startups de fora do Brasil.

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Autoria

Sandra Regina da Silva

Jornalista com 30 anos de experiência em cobertura de negócios e inovação.