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Jornada de consumo e comportamento humano

Novos tempos, novas necessidades: saber como falar é tão importante quanto saber vender, ainda mais na era da captura e do cruzamento de dados a partir da leitura de comportamentos

Ulisses Zamboni
30 de julho de 2024
Jornada de consumo e comportamento humano
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Estava lá eu fazendo um plano estratégico de negócios para um cliente implementá-lo no segundo semestre deste ano quando deparo com um estudo sobre comportamento (e a psique) do consumidor para o período incerto de uma “pós-pandemia”. O estudo me faz refletir, com certo grau de preocupação, a respeito das narrativas que as empresas e suas marcas vão estabelecer no curto prazo para manter vínculos fortes com sua comunidade e efetivar vendas.

Neste blog, já falamos muito sobre a vulnerabilidade dos indivíduos no mundo atual. Também sobre o mundo líquido e frágil que as comunidades estão vivendo. E que lealdade de marca não é mais exatamente o mais fidedigno KPI no marketing de hoje para medir as relações entre usuários e marcas, já que lealdade deixa de ser um valor mais perene no mundo. Acho que está na hora de refletirmos um pouco sobre usuários de marcas.

Imagine um homem, nascido e criado em São Paulo, solteiro, com mais ou menos 55 anos, carismático, com reconhecimento do grande público e com sucesso no que faz. Pensou em alguma pessoa? Pois bem, nesse caso estou me referindo ao padre Marcelo Rossi, o famoso padre celebridade que há anos se coloca como influencer na vida de muitos. No entanto, notem que demograficamente eu poderia também estar falando do Supla, rockeiro, filho do senador Eduardo Suplicy, conhecido pelo comportamento oposto ao do padre e sempre paradoxal à comunidade de sua idade. Ambos têm exatamente o mesmo perfil demográfico, mas têm comportamentos e atitudes contrárias. Percebam: o perfil demográfico no marketing já não existe mais; usá-lo no marketing atual é seguramente uma redução preguiçosa que não deveria mais existir.

Os dados estão aí: disponíveis, infinitos e de graça

Repare em suas próprias atitudes. Você é uma pessoa diferente pela manhã, outra à tarde e outra à noite. É natural ser diferente em cada período e também em cada situação: diante dos filhos, diante do chefe, diante de uma emergência e por aí vai. Quantos de nós já lemos matérias curiosas de um executivo do tipo “faria limer” ser um bartender das baladas da moda nos finais de semana? Ou ainda, um teólogo que pela manhã é pároco e à noite pratica jiu-jitsu? As personas e os personagens dentro de nós são infinitos. E com nossos públicos não é diferente.

Graças à internet, temos tantos dados às mãos que tornam fácil nosso julgamento sobre fatos de como pensam, agem e quais as atitudes de um número infinito de segmentos de públicos ou “”perfis psicográficos””. Hoje, qualquer ferramenta de “”web scraping”” consegue cavar dados legitimamente abertos (cuidado com a LGPD neste ano) e, se duvidar, até descobrir a cor preferida do underwear de seu público.

Não bastasse a disponibilidade das fontes de dados, as possibilidades de correlação estatística de variáveis entre os dados sobre os comportamentos de nossos usuários são tamanhas que hoje conseguimos assegurar, por exemplo, e com quase 100% de certeza, de que quem compra um bolo de chocolate da marca X está mais propenso a comprar o mais novo lançamento de calça jeans da marca Y. Marcas que não identificam a jornada comportamental de sua audiência tendem a fracassar de forma retumbante nesses tempos.

Divagações à parte, só não vê quem não quer. A segmentação atitudinal é uma realidade tão gritante para o marketing atual que podemos traçar uma linha entre o antes e o depois do mundo dos dados. Antes tínhamos uma massa ignara de pessoas homogêneas e hoje conseguimos extrair uma identidade clara, com comportamentos distintos e “”traqueáveis””.

Segmentar públicos não é parte de uma literatura nova. Há pelo menos 50 anos, os institutos de pesquisa já segmentavam “”clusters”” de público a partir de uma amostra enorme de respostas de uma pesquisa quantitativa. A diferença é que antes, uma pesquisa quanti bem feita custava “”a verba toda de pesquisa do ano de uma empresa””. Hoje, com um bom data mining e um cruzamento bem feito aqui e ali, você tem de graça e com precisão impecável, um ótimo recorte de segmentos ou “”clusters”” para sua estratégia.

Segmentação de público e estratégia de marca

Neste contexto, vamos falar de uma segmentação mais tática, que nos dê um plano de ação de curto prazo efetivo ao mesmo tempo que necessário. Já parou para pensar qual será a reação do seu público consumidor ou seu usuário no período em que a pandemia de covid-19 acabar? E qual será a atitude de sua marca frente a esse usuário?

Foram dezenas, porque não dizer, centenas de estudos sobre segmentação de públicos para um futuro (ainda incerto, reitero) da pós-pandemia que vi dos institutos e consultorias. No entanto, um em especial me chamou atenção pela objetividade e simplicidade. É o da CANVAS8, um instituto de pesquisa de Londres que traz consumer insights do mercado local para agências e anunciantes.

Para fins didáticos, a empresa identificou quatro mindsets possíveis para a comunidade mundial no mundo quando esse período pandêmico chegar ao fim. A segmentação criada é baseada num eixo único, limitado por dois territórios. Cada ponta desse eixo é contrária entre si, sendo que na ponta extrema-esquerda está o território das pessoas que desejam ter de volta à normalidade ao mundo que tínhamos. Na ponta extrema-direita, as pessoas que querem reiniciar suas vidas, sabendo ou desejando que nada mais será como antes.

Os quatro perfis atitudinais que estão nesse eixo, que prefiro chamar de uma régua de atitudes são: os settlers (ou os ajustados, mas prefiro chamar de conservadores), os drifters (ou os que estão meio que à deriva, que vou chamar dos perdidos), os seekers (que chamarei de curiosos) e os pioneers (que chamarei de inovadores).

Os segmentos e suas atitudes

Os conservadores:O nome define bem. Para este grupo, quanto menos mudança, melhor. Seja porque eles não querem gastar energia com aprendizados que já estavam estabelecidos, seja porque eles têm um mindset voltado aos paradigmas e hábitos familiares. Qual a expectativa desse público com as marcas? Que elas ajudem o dia a dia desse público a se sentirem familiares com o que tinham anteriormente, num desejo bastante intenso de voltar ao normal. Uma espécie de faz-de-conta que não existiu. E se existiu, já passou.

Os perdidos:“E agora?”, essa é a pergunta mais falada pelos perdidos. Com o aporte de novos paradigmas e hábitos, como devo me adaptar com tudo isso? A máxima de que “”eu aprendi tudo na infância e com a família”” é constante para esse grupo. Com quem devo aprender a lidar com o novo? Portanto, a expectativa desse público é a de que as marcas e companhias devem pavimentar caminhos para que eles tenham facilidades em lidar com o novo.

Os curiosos:Já que mudou, o que exatamente mudou? Será que vai ser melhor? “”Deixe-me entender melhor esse novo mundo””. Esse público é mais arrojado e corajoso frente às demandas da vida. Têm uma flexibilidade mental bastante grande e querem (precisam) de ferramentas para o aprendizado. Procuram na webcursos, vídeos e mais uma infinidade de outros recursos para ganhar conhecimento sobre o novo. As marcas para esses indivíduos devem ser ferramentas de alavancagem para o novo momento de suas vidas.

Os inovadores:Bem definidos pelo nome, são os que querem inclusive deixar o passado para receber de braços abertos o novo mundo, mesmo com todas as mazelas que ele pode trazer. Os inovadores são exploradores naturais e têm uma certa ingenuidade propulsora de conhecimento, ou seja, investigam, fazem as perguntas mais simples e tolas para conseguir respostas promissoras para construir um novo futuro. Desejam que as marcas tenham um papel fundamental em construir um novo mundo, do zero, com novos paradigmas e comportamentos.

OPORTUNIDADE E VOCAÇÃO

Do ponto de vista de construção de engajamento, essa é uma oportunidade espetacular para as marcas construírem pontes robustas de relacionamento com seus públicos. E gerar a afinidade que a comunidade espera delas. O grande truque dessa oportunidade é a marca reconhecer sua vocação filosófica e emocional para não ficar parecendo que seu discurso é oportunista ou pretensioso. Daí entram as técnicas arquetípicas de marca que fazem do trabalho de comunicação uma “”quase ciência”” comportamental.

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Ulisses Zamboni
Com mais de 40 anos de experiência na área de comunicação, é presidente e sócio da agência Santa Clara, membro do board e do comitê de etica e integridade do Capitalismo Consciente e membro do conselho editorial da MIT Sloan Review Brasil. Também clinica como psicanalista.

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