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Liderança, time e cultura

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Jornada de liderança: do comando e controle à inspiração e influência

Na busca de pontes dentro organização, cabe ao líder inspirador estabelecer conexões que facilitem a transição dos colaboradores para novas formas de atuação, promovendo maior autonomia e autoconfiança

Colunista Daniel Martin Ely

Daniel Martin Ely

08 de Abril

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Artigo Jornada de liderança: do comando e controle à inspiração e influência

Dizer que os bons gestores devem se transformar em líderes inspiracionais é uma reflexão que ganhou força em minha jornada. Ao longo dos anos, tenho aprendido a abandonar o modelo tradicional de comando e controle em favor de uma abordagem que promova resultados por meio da inspiração e influência sobre as pessoas e movimentos. Essencial aqui é a habilidade de centralizar um propósito genuíno e desenvolver uma narrativa que conecte os anseios individuais com os objetivos coletivos, atraindo assim os primeiros seguidores. É evidente que as pessoas se conectam com outras pessoas e se envolvem em histórias que ressoam com seus propósitos. É cada vez mais claro que não podemos esperar que as pessoas se engajem unicamente com metas financeiras como lucro ou receita no final do mês, especialmente as novas gerações.

Reconheço que abandonar o comando e controle não é uma transição simples, especialmente para alguém com uma trajetória como a minha, que ascendeu em meio a estruturas organizacionais tradicionais, baseadas em hierarquias rígidas de comando e controle. Quando chegamos ao topo da hierarquia, é natural que sintamos uma relutância em abrir mão do poder conquistado.

Após refletir sobre a diferença entre comandar e controlar versus inspirar e influenciar movimentos, muitas pessoas me questionam sobre como consigo equilibrar minhas responsabilidades na organização com minha participação em diversas outras entidades e eventos. A resposta reside na minha inversão de agenda: atualmente, consigo dedicar cerca de 60% do meu tempo para inspirar e influenciar pessoas e movimentos. Anteriormente, a maior parte do meu tempo era consumida pelo gerenciamento diário, com reuniões extensas, além de atividades relacionadas à minha posição na empresa e planejamentos.

Ao reconhecer a necessidade de realinhar minha agenda, percebi que os líderes executivos devem reduzir progressivamente o tempo dedicado ao microgerenciamento. Por exemplo, cheguei a fazer duas reuniões semanais para acompanhamento de processos, que substituí por apenas uma, quinzenal. Percebi que, mais do que obter resultados práticos, muitas das reuniões eram importantes para satisfazer o meu ego, ou manter o meu status dentro da organização. Hoje as minhas reuniões de acompanhamento de processos são rápidas e, quando tenho mais tempo com a minha equipe, eu opto por ter conversas sobre o contexto de mundo e questões de desenvolvimento individual e coletivo. Essa mudança de perspectiva também é essencial para evitar que nossas equipes se sintam sobrecarregadas diante das crescentes demandas.

Assim, ao fazer essa inversão de agenda, reorganizei minhas prioridades, abandonando as atividades que me prendiam ao antigo modelo de comandar e controlar. Isso me permitiu não apenas equilibrar minhas responsabilidades na organização, mas também acomodar novas atribuições, como minha participação em outras entidades e eventos. Em vez de me prender a reuniões pesadas e articulações externas, agora dedico mais tempo ao desenvolvimento de relacionamentos interpessoais e à formação das equipes. Essa mudança não apenas aumentou minha eficiência, mas também trouxe uma sensação de liberdade e empoderamento, permitindo-me influenciar e inspirar de maneira mais significativa.

Mais autonomia e autoconfiança para a equipe

Dentro de uma equipe, é evidente que encontramos indivíduos que foram condicionados ao modelo de comando e controle, enfrentando dificuldades para desenvolver autonomia, assim como aqueles que já estão prontos para agir com maior liberdade e precisam apenas de espaço para prosperar. Nesse contexto, é crucial direcionarmos nossa atenção para o nível de maturidade de cada membro da equipe e como podemos ajudar a cultivar sua autoconfiança. Quando afirmo que o líder deve construir pontes dentro das empresas, isso inclui estabelecer conexões que facilitem a transição dos colaboradores para novas formas de atuação, promovendo maior autonomia e empoderamento.

Eu encorajo os membros de minhas equipes a alçarem voo e me posiciono como uma rede de proteção: se por acaso caírem, por qualquer motivo, estarei lá para oferecer suporte. Essa abordagem tem sido eficaz e raramente é necessário acionar essa rede. Uma colega, diretora na empresa, relembra que quando a desafiei a sair de sua zona de conforto e assumir uma nova função em uma área diferente, foi essa rede de proteção que lhe deu coragem. Para ela, essa "rede psicológica" foi fundamental para sua transição bem-sucedida.

Posso citar inúmeras experiências de membros da minha equipe que foram desafiados a agir fora do modelo de comando e controle, e apresentaram resultados surpreendentes — tanto para eles quanto para a organização.

Além de manifestar essa confiança real no indivíduo, o líder também precisa ter a capacidade de colocar as pessoas certas nos lugares certos. E aqui entra a importância da leitura precisa do ambiente, o que nos leva, muitas vezes, a reconhecer o potencial das pessoas antes mesmo de elas o fazerem. Isso aconteceu com uma outra colega minha, que conta que, em duas ocasiões, propiciei a ela a segurança necessária para potencializar as capacidades que eu havia identificado nela.

Charlene Li, em seu livro Mindset da Disrupção, fala da importância de o líder buscar pessoas com as habilidades certas para se engajar em sua causa. E ouso ampliar esse conceito: observo não apenas a capacidade de execução, mas também o alinhamento dos valores das pessoas com os propósitos da empresa.

Ao abandonar o comando e controle, colhemos ganhos significativos em termos de potencialização de nossas equipes. Dentro das organizações, há uma energia represada significativa. Se todos fossem como baterias, ao serem inspirados, poderíamos alcançar uma carga máxima de energia entre 8 e 10. No entanto, infelizmente, os dados mostram que cerca de um terço das pessoas em nossas empresas operam com um baixo nível de engajamento, representando uma carga entre 1 e 3. Em média, as equipes entregam apenas entre 5 e 6 de sua potência máxima. Cada bateria pouco carregada representa um potencial não explorado no negócio ou em processos específicos.

Colaboração coordenada

Sempre é bom lembrar que pessoas se conectam com pessoas e entregam seu potencial máximo quando veem um ganho claro. Na medida em que abrimos mão do comando e controle e de uma hierarquia rígida, criamos um ambiente propício para conexões genuínas e relações de confiança. Os resultados não tardam a aparecer e, muitas vezes, superam as expectativas. Isso tende a acontecer de uma maneira mais fluida e leve, contribuindo para a felicidade de todos os envolvidos.

Mas deixo aqui um alerta: inspirar pessoas e movimentos não significa deixar o processo desandar para o lado da bagunça. A colaboração na organização deve, sim, ser algo fluido, movido pelo mútuo desejo ou pela convergência de propósitos. O não quer dizer que não possa ser coordenada.

Charlene Li ainda chama a atenção para o risco de os gestores tentarem controlar os movimentos, pois o sucesso destes está justamente na inspiração. “Quando inspiradas, as pessoas os tornam (os movimentos) sua missão pessoal, dedicam-se ao máximo, agem com mais rapidez e impulsionam um crescimento exponencial”.

É muito prazeroso quando conseguimos abandonar os nossos “monstrinhos controladores” e permitimos que os membros das nossas equipes usufruam de liberdade e de autonomia. Posso garantir que coisas maravilhosas acabam surgindo, muito além daquelas que obteríamos num regime de controle. Onde existe a predisposição de um líder inspirador é maior também a possibilidade de a inovação ganhar vida.

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Colunista Daniel Martin Ely

Daniel Martin Ely

Coluna de Daniel Martin Ely é vice-presidente executivo da Randoncorp, COO da Rands e conselheiro do CNEX - Centro de Excelência Humana e Organizacional e do Instituto Hélice de Inovação, além de presidente do conselho do Instituto UniTEA do Autismo. Mestre em estratégias organizacionais e especialista no desenvolvimento de lideranças, foi reconhecido nos últimos cinco anos como um dos RHs mais admirados do Brasil.

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