Confiar nas pessoas não é suficiente para que a delegação funcione. Líderes também precisam analisar criticamente seu nível de confiança nos processos. Confira quatro formas de delegar e saiba como aplicar
O ato de delegar ainda é um tormento para muitos gestores. Do gerente sobrecarregado, a ponto de entrar em burnout, ao vice-presidente tentando tirar férias, muitos líderes precisam delegar mais, e não o fazem. A transferência de responsabilidades, por vezes, gera tensão, atrito ou resultados aquém do esperado. Mas a verdade é que não há alternativa: indivíduos ou organizações que aspiram ao crescimento precisam aprender a delegar – tanto tarefas como decisões.
No nosso trabalho ao longo da última década, vimos a delegação surgir como um desafio de liderança em organizações de diversos setores. De fato, em empresas de saúde, manufatura e ciências biológicas, a questão de quando e como delegar tarefas continua sendo difícil.
Para resolver esse problema, desenvolvemos um framework baseado em duas dinâmicas centrais da delegação eficaz: pessoas e processos. A confiança nas pessoas não é novidade nas conversas sobre delegação eficaz; no entanto, a confiança nos processos organizacionais é uma consideração igualmente importante, mas subestimada, nas decisões de delegação.
Em nosso trabalho junto às lideranças, observamos que não importa o quanto uma pessoa possa ser confiável, se o processo tiver fragilidades a delegação efetiva não acontece. Assim, nosso modelo aconselha os gestores a observarem dois pontos ao montar um cenário de delegação: ‘quanto confio nas pessoas? e ‘quanto confio no processo?’.
A confiança em gente se apoia no atingimento regular de metas, nas regras de postura compartilhadas e em relacionamentos interpessoais consistentes. É, portanto, a confiança nas habilidades e nos comportamentos de um indivíduo em diversos campos. Por exemplo: Maria tem o conhecimento que precisa para entregar os resultados acordados? Paulo trata os colegas com respeito?
Já a confiança no processo, por outro lado, se baseia no funcionamento da organização e na entrega de resultados consistentes, previsíveis e úteis. Por exemplo: o processo de P&D traz consistentemente produtos novos e interessantes para o mercado? O processo de projeção de vendas é preciso na previsão de receita?
Nossos projetos de consultoria nos mostraram indivíduos confiáveis e bem-intencionados que não conseguiram executar uma tarefa delegada por falhas no processo. Portanto, sugerimos que é a combinação de confiança tanto nas pessoas como nos processos que deve orientar o “como” delegar.
Este artigo apresenta um modelo com quatro maneiras de delegar, alinhando cada uma delas ao grau de confiança existente.
# Equilibre a confiança em pessoas e em processosA seguir, apresentamos quatro formas de abordar a delegação em função do grau de confiança nas pessoas e nos processos organizacionais: empoderamento, envolvimento, aprendizado e desenvolvimento.
Trata-se de um framework para ajudar líderes a identificar a melhor maneira de delegar tarefas e decisões, em função do atual grau de confiança em pessoas e processos. Por exemplo, se a confiança em ambos os fatores ainda está no começo, então ‘Envolvimento’ faz mais sentido: a delegação acontece com o apoio próximo do gestor nas questões desafiadoras. Em outro caso, se a confiança no processo não é completa, mas nas pessoas sim, o tipo ‘Desenvolvimento’ se aplica melhor: tanto o líder como o funcionário se concentram em adaptar e melhorar o processo.
Vamos começar com um cenário em que tanto ‘pessoas’ como ‘processos’ ainda não contam com uma confiança sólida. Aqui, a delegação pode fracassar facilmente se não for bem administrada.
Observamos uma dinâmica como esta se desenrolar em uma equipe de gestão recém-formada em um hospital regional. A nova CEO havia reunido um grupo interdisciplinar formado por profissionais experientes em suas respectivas áreas: médico-chefe, enfermeira-chefe, diretor financeiro e diretor de operações. Embora fossem líderes de sucesso, era a primeira vez que trabalhavam juntos e sob a gestão da nova CEO. O fato de ainda estarem construindo um vínculo de confiança já era em si um obstáculo relevante para a delegação. A confiança nos processos organizacionais também era baixa, uma vez que a equipe havia sido criada justamente para melhorar índices de qualidade, segurança e eficácia, ou seja, o trabalho conjunto era justamente a finalidade de serem reunidos. Embora a CEO tentasse delegar decisões, ela tinha dúvidas sobre quando se afastar e deixar a equipe agir sozinha e quando permanecer próxima das atividades. O grupo, por sua vez, se sentia supervisionado e questionado pela executiva. Ela, de outro lado, temia que sistemas e processos falhassem.
Essa é, sem dúvida, uma situação difícil para delegar efetivamente – ainda que não seja incomum, especialmente quando uma nova equipe de liderança é formada, um novo líder é trazido para uma equipe existente ou quando os processos organizacionais são provisórios ou recém-estabelecidos. Nessas situações, todos os envolvidos nas atividades de coordenação estão inseguros sobre os processos subjacentes e as habilidades das pessoas. Embora a delegação possa ser difícil nesse contexto, ela não é impossível: requer certo grau de engajamento do líder para gerenciá-la com eficácia.
Como fazê-lo? É preciso encontrar um equilíbrio entre permitir que o funcionário possa aprender e experimentar e estar perto o bastante para ajudar e resolver os problemas ou tirar obstáculos. Pode ser tentador deixar a equipe se virar, mas a abordagem do envolvimento dá espaço para colaborar nas decisões. Isto não só permite que o líder conheça melhor as habilidades de cada um, mas também deixa que a equipe trabalhe em conjunto para criar novos processos e corrigir falhas anteriores. É um modelo para vigorar de forma permanente? Definitivamente, não. Porém, ajuda ambos os lados a estabelecer confiança ao longo do trabalho em conjunto e a conhecer a eficácia de novos processos
No cenário do hospital, ajudamos a equipe a criar processos conjuntos do zero e, em seguida, a observar cada um lidando com eles. Isso preparou o terreno para que a líder e sua equipe construíssem confiança nos processos e nas pessoas.
A segunda forma de abordar a delegação se aplica quando há um alto grau de confiança nos processos, mas o mesmo ainda não vale para as pessoas. Esta pode ser a situação mais frequente quando os líderes pensam em casos nos quais delegar seja desafiador. Pense, por exemplo, quando alguém é promovido a uma nova posição dentro da organização ou quando se contrata alguém de fora e existe a necessidade de aprender processos que são novos para eles.
Trabalhamos recentemente com o CEO de uma indústria química em rápido crescimento que desejava desenvolver a próxima geração de líderes vindos de dentro da organização. Para crédito do CEO, ele percebeu que, embora a empresa tivesse um histórico de sucesso, para continuar a crescer e mostrar maiores resultados, seria preciso que as novas lideranças pudessem efetivamente exercer as ações que lhes fossem delegadas. Os processos organizacionais eram sólidos, mas os gestores, novos. Sob tais circunstâncias é como dar um carro perfeito a um motorista novato.
Nesse contexto, o ato de delegar pode assumir a face do aprendizado. Diferentemente do cenário anterior, de envolvimento, o objetivo aqui é o indivíduo aprender os processos existentes e construir a confiança na sua capacidade de tocá-los. Delegação pelo aprendizado significa que o líder fica perto o bastante para aconselhar (não acudir) e tirar dúvidas ao longo dos passos a serem seguidos. Isso ajuda o líder a acreditar que o funcionário acabará se tornando capaz de tomar boas decisões por si só.
Na indústria química do exemplo, à medida que os novos gestores demonstravam habilidade em lidar com os processos existentes, bem como resultados positivos, os gestores a quem se reportavam podiam reduzir a supervisão e, aos poucos, se sentir confortáveis em dar-lhes novas responsabilidades.
O próximo cenário para delegação surge quando há confiança sólida nas pessoas, mas a confiança no processo ainda não se estabeleceu. É uma situação comum em startups ou quando há mudanças organizacionais profundas, nas quais processos novos ou modificados são aplicados sobre equipes bem consolidadas. Também é frequente em empresas maiores, com uma cultura de inovação baseada em melhoria de processos.
Presenciamos esse cenário quando trabalhamos com o fundador de uma startup de dispositivos médicos que enfrentava dificuldades para delegar tarefas de forma eficaz ao seu executivo de vendas. Embora houvesse uma confiança bem estabelecida entre o fundador e o líder de vendas (afinal, eles haviam construído a empresa juntos), pouca ou nenhuma infraestrutura de previsão de vendas existia na organização naquele momento. Então, quando o fundador esperava que o líder de vendas executasse a previsão de vendas de maneira eficaz, este sentia que o fundador o estava colocando em um armadilha rumo ao fracasso ao questionar todas as decisões e abordagens. Analisando a situação com mais calma, a dinâmica não era surpreendente: embora o fundador confiasse nas habilidades do executivo de vendas, ambos careciam de confiança em um processo organizacional subdesenvolvido – a previsão de vendas. Esclarecer isso ajudou os dois a entenderem por que havia atrito no relacionamento. Não era falta de confiança nas habilidades do executivo de vendas, nem era o fundador tentando microgerenciar. O problema era o processo pouco confiável.
Nesses casos, o foco precisa estar no desenvolvimento do processo, em vez da delegação por engajamento ou aprendizado, para que o funcionário de confiança possa ter sucesso com um processo que venha a ser melhor desenvolvido. O objetivo aqui é que o líder apoie o funcionário na adaptação do processo para garantir um melhor funcionamento. Isso pode significar que o líder se torne uma caixa de ressonância para as abordagens propostas pelo funcionário ou pode exigir que o líder arregace as mangas e aprenda sobre as falhas do processo desde o início. Ou ainda, o líder pode ter que tomar a decisão final e comunicar a implantação do novo processo para garantir que seja incorporado à cultura.
Aqui começamos a ver realmente as diferenças entre as formas de delegação. Um foco no desenvolvimento de um processo falho é muito diferente de ensinar um processo sólido a um gerente novato. Quando há confiança no indivíduo, mas não se confia em um processo novo ou defeituoso, a comunicação aberta e as etapas claramente definidas para resolver o problema tornam-se críticas para a delegação efetiva.
Na startup de equipamentos médicos, o fundador e o diretor de vendas acabaram trabalhando juntos para montar um modelo de projeção de vendas que fosse efetivo. À medida que os resultados iam surgindo, um novo patamar de confiança era gerado. Com o tempo, o diretor de vendas viu-se em condições de administrar as decisões e as conquistas.
Nosso último cenário é o que oferece as melhores condições para uma efetiva delegação: quando a confiança nas pessoas e nos processos está solidamente estabelecida. É o protótipo que costuma vir à mente quando pensamos em delegação: um líder tem um subordinado direto há bastante tempo e no qual confia para “tomar conta da casa” em sua ausência.
Aqui, o ato de delegar é feito pelo empoderamento. É dada responsabilidade total para uma pessoa que tem a capacidade de gerir um processo e que o líder acredita que será efetivo. O indivíduo é empoderado para tomar quaisquer decisões e fazer os ajustes que se revelem necessários, sem se preocupar em ser questionado ou ter que voltar atrás. Isso mostra uma situação ideal de entrega, a que muitos líderes podem aspirar.
Mas a delegação por empoderamento não se dá da noite para o dia. É comum que venha de uma relação de trabalho consistente, na qual líder e subordinado têm um histórico de sucesso juntos e entendem as expectativas e estilos de trabalho um do outro. Além disso, ambos não apenas creem no processo organizacional, mas também conhecem os pontos em que podem falhar. Talvez chefe e subordinado tenham trabalhado juntos na sua construção ou correção, tendo passado por situações de delegação anteriores no cenário de aprendizado. O superior confia na capacidade do funcionário e sabe que estabeleceram um modo consistente de trabalho.
Isso nos lembra a situação da indústria química, que tinha um vice-presidente recém-contratado, com a tarefa de consolidar processos e equipes para uma unidade de negócios em crescimento. Depois de um ano na posição, estavam lidando com sucesso com questões estratégicas, empoderando pessoas para gerir os processos do dia a dia que haviam construído juntos para dar conta do crescimento. De fato, o empoderamento permite que a liderança se dedique a um nível estratégico superior quando já conseguiu organizar o trabalho em torno de processos e pessoas confiáveis.
No entanto, essa forma de delegação exige que dois aspectos essenciais da cultura sejam alimentados: responsabilidade e voz. Quando uma decisão não dá certo, o funcionário precisa se sentir à vontade para assumir sua responsabilidade pelos erros e poder levá-los ao superior. Responsabilizar não quer dizer apontar o dedo, mas uma oportunidade para uma reflexão coletiva. Por exemplo, um líder empodera um gerente para tocar uma unidade de negócios de uma forma relativamente autônoma, mas quando fica claro que os resultados do trimestre não serão atingidos, esse gerente assume o fato e trabalha com o superior para identificar onde está o erro. Empoderamento sem responsabilidade traz o risco de estragar tanto o relacionamento como a efetividade da delegação a longo prazo.
UMA BOA DELEGAÇÃO pede uma análise cuidadosa por parte do líder. Não é como desenvolver um estilo de comunicação e passar a usar. A escolha do estilo de delegação irá variar, dependendo do grau de confiança na pessoa e no processo em vigor. A pessoa mais capacitada irá falhar se os processos forem frágeis; e até mesmo o melhor dos processos pode ser minado se estiver diante de um indivíduo despreparado, pronto para errar.
Discussões sobre a confiança no processo ou na capacidade da pessoa podem ser difíceis de começar, mas são fundamentais para garantir que a delegação leve ao sucesso do indivíduo e da organização.”