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Liderança

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Liderança rítmica: conduzindo uma canoa havaiana

Por que liderar em meio às incertezas exige um olhar dirigido aos sinais vitais da organização, mais do que a questões específicos como finanças ou colaboradores

Colunista Ryoichi Penna

Ryoichi Penna

24 de Março

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Artigo Liderança rítmica: conduzindo uma canoa havaiana

Torna-se quase inevitável ficar nostálgico em tempos de pandemia. No momento em que escrevo é domingo e o dia está lindo, o que me fez lembrar da primeira vez que pratiquei canoagem havaiana, um dos esportes mais legais que já conheci. Além do prazer de sentir o vento no rosto e me inspirar com belas paisagens, é sempre uma lição muito prática de um tipo de liderança diferente.

As canoas são conduzidas por cerca de cinco ou seis pessoas, sendo que o movimento de remada demanda consciência corporal constante e a instrução é sempre sincronizar o seu movimento com a pessoa que está imediatamente à sua frente.

Quando pratiquei pela primeira vez, percebi que esse foco duplo – no meu movimento e na dinâmica corporal da pessoa à minha frente – fazia com que eu me esforçasse, em vão, em fazer as duas coisas bem feitas. A sensação era de cansaço e frustração.

O aprendizado principal, e o que torna a experiência realmente divertida, aconteceu quando o instrutor nos pediu para parar um pouco, compartilhando, em seguida, um feedback. Ele disse que o foco não deveria estar em mim ou na pessoa à minha frente, mas na canoa como um todo e no fluxo de seu movimento.

Essa fala do instrutor foi a virada de chave que eu precisava, porque colocar a atenção na canoa tornou o meu esforço mais leve, quase que um foco relaxado. Foi nesse momento em que sentimos a canoa realmente entrando em fluxo e a velocidade aumentando. Quando percebi, meu movimento de remada era correto e a sincronia com as outras pessoas da equipe, natural.

A organização e seus sinais vitais

Nestes difíceis tempos de pandemia, essa experiência me retorna à mente com frequência. Liderar uma organização em uma crise tão aguda e dolorosa quanto essa faz com que meu ímpeto inicial seja de muito esforço para resolver os desafios e unir as pessoas. Contudo, da mesma forma que na canoa, percebo que muitas vezes esse esforço não adianta muito.

Planejar, por exemplo, estava sendo uma tarefa muito exaustiva. Não só pela questão racional da situação, como o alto nível de incerteza e o constante replanejamento, e sim pelo que isso me fez sentir. Mesmo sabendo que todas as lideranças estão vivendo algo parecido, tive dúvidas: é normal se sentir incapaz de lidar com tudo isso? Esse autoquestionamento deve estar sendo feito por muito mais gente, imagino, e o perigo é que ele vire medo de fracassar e que, assim, domine (ou paralise?) a mim e pessoas próximas, implicando ainda com que as coisas não saiam como gostaríamos.

No entanto, ao observar esse contexto, comecei a me perguntar qual seria a melhor abordagem e o que a situação pede de mim. Utilizando dos aprendizados metafóricos da canoagem havaiana, percebi que a atenção deveria estar na canoa, nesse caso, na organização que lidero. Diferente da canoa, porém, a organização é algo intangível e eu não consigo vê-la materialmente, mas percebo sinais de vitalidade (ou da falta dela) quando observo de um lugar diferente.

O Marco Gorini, meu sócio, costuma trazer a perspectiva da homeostase, a regulação biológica ideal para o bom funcionamento de um ser vivo. Observar quais são as condições necessárias para que a organização esteja em homeostase tem se mostrado uma abordagem muito útil para mim.

No dia a dia, continuo olhando para as mesmas coisas: a saúde das finanças, o bem-estar das pessoas e o bom funcionamento dos processos. Entretanto, olhar para tudo isso buscando entender o que traz vitalidade à organização faz com que, aos poucos, eu vá aprendendo a liderar melhor.

Olhar para duas coisas e enxergar apenas uma (por causa da relação entre as duas), não só é uma das melhores formas de liderar que conheço, como é algo que vai além. É uma condição básica da natureza, da mesma maneira que um coração precisa de sístole e diástole, ou que um pulmão se expande e se contrai durante a respiração, ou que 24 horas se revezam entre dia e noite. Em síntese, é o ritmo das coisas que mostra a sua vitalidade, sua homeostase.

A liderança rítmica, consequentemente, é talvez a melhor prática para uma liderança que quer trazer mais consciência às suas ações e mais vitalidade à organização que cuida.

Oportunidades e evolução

Para explorar as aplicações práticas da liderança rítmica e todo seu conceito homeostático, vale assistir ao vídeo do Dr. Richard Boyatzis, neurocientista da Benedictine University.

Em essência, a recente descoberta da neurociência é que as tarefas de expandir a nossa percepção e focar atentamente em uma ação não ocorrem ao mesmo tempo, como se fossem um interruptor. Pode parecer uma má notícia, mas, se pararmos para pensar, o coração faz um movimento de cada vez, da mesma forma que dia e noite não coexistem num mesmo período.

Em momentos como o que vivemos agora, temos dias em que precisamos de foco total em questões críticas, como a sobrevivência da organização, o cuidado na adaptação das operações e uma gestão financeira responsável. Só que, para isso funcionar, também precisamos dos dias de conversas profundas, análises minuciosas e sessões de brainstorming para estimular a capacidade criativa da empresa, por exemplo.

Com toda a flexibilidade exigida nesse momento de pandemia e isolamento físico, surge, também a chance de migrarmos de um modelo de liderança focado na maximização de resultados, e baseado no medo das coisas darem errado, para uma liderança que enxerga que as restrições são oportunidades para evoluir o que fazemos, criando aos poucos a prosperidade desejada a partir de um ritmo saudável.

Saber quando focar e quando se abrir não é uma lição de liderança do século XXI, e nem um modismo, mas um presente que está sendo dado para vivermos, literalmente, de maneira mais natural. Como dias e noites, inspiração e expiração, lideranças podem pulsar no ritmo que mais traz vitalidade às organizações que lideram.

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Autoria

Colunista Ryoichi Penna

Ryoichi Penna

Co-fundador e CEO do Grupo Anga, holding de negócios autogeridos e orientados a impacto e conselheiro do Instituto Capitalismo Consciente Brasil. Foi CEO da Tribo (consultoria em cultura, liderança e autogestão) e presidente da Brasil Júnior (Confederação Brasileira de Empresas Juniores). Representou o Brasil nas conferências G20 Young Entrepreneurs’ Alliance e The Earth’s Call. Palestrante do TEDxLaçador. Cursou Administração na Universidade Federal de Juiz de Fora.

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