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O que a neurociência tem a ver com os negócios?

Veja como os aprendizados dessa ciência podem orientar sua performance

Ulisses Zamboni
30 de julho de 2024
O que a neurociência tem a ver com os negócios?
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Quantos de nós já não rimos alto da máxima pseudocientífica ao ouvir: “Fulano de tal está com o sistema nervoso”? A piada já revela que, no domínio popular, muito pouco se sabe sobre esse assunto.

Brincadeiras à parte, nosso sistema nervoso e especialmente nosso cérebro é um dos mais complexos objetos de estudo da ciência. O campo da biologia responsável por ele é a neurociência, que tem uma enorme segmentação para dar conta de todas as possibilidades desse domínio científico. Ela está dividida em cinco grandes áreas de pesquisa: neurociência celular ou molecular, sistêmica, cognitivo-comportamental, computacional e clínica.

Colocando de forma simples, ou melhor, simplista mesmo, neurociência é o estudo do funcionamento do sistema nervoso e como esse funcionamento influencia e impacta no comportamento humano. O ator principal desse sistema é o cérebro.

Estima-se que a neurociência seja a ciência com menor conhecimento acadêmico-científico do momento. Somente cerca de 15% de todo universo que o cérebro humano é capaz de entregar foi estudado.

Essas cinco áreas de pesquisa estão superconectadas entre si, pois quando uma delas traz um avanço, as outras se beneficiam. É o caso da descoberta dos neurocientistas suecos Arvid Carlson, Eric Kandell e do americano Paul Greengard, vencedores do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2000, que constataram que a memória de curto prazo é gerada pela síntese de uma proteína específica e que o hormônio neurotransmissor do cérebro requisitado nessa síntese é a serotonina, que, junto com a endorfina e a dopamina, ganham o título de hormônios da felicidade.

A correlação entre a biologia e o comportamento humano gera praticamente um número infinito de discussões dentro e fora da academia, mas de uma coisa temos certeza: ambos estão sempre correlacionados, seja porque as emoções externas nos modificam por dentro, seja porque as descargas fisiológicas internas nos fazem agir em sociedade.

O que nos interessa: neurociência cognitivo-comportamental

Para falar a verdade, para o exercício do marketing, mais que o aprendizado da neurociência cognitivo-comportamental, um dos pontos altos e que mais nos interessa é o seu subproduto, que é o chamado viés cognitivo comportamental. Nossas decisões são afetadas diretamente por ele. Todas elas, inclusive as decisões de consideração, preferência e rejeição de uma marca e opções de compra.

O viés cognitivo comportamental surge a partir das falhas relacionadas à nossa memória de curto e longo prazos, ao aprendizado passado e de outros aspectos chamados “”erros mentais””.

Isso porque nosso cérebro tende a simplificar tudo para poder gastar menos energia, gerando tais falhas. Essa demanda de menos gasto energético advém da parte do cérebro chamada de cérebro reptiliano, que faz parte do esquema didático do neurocientista americano Paul MacLean. Ele teorizou que o cérebro humano atual resulta da existência de ao menos três cérebros pregressos: o reptiliano, o límbico e o neocórtex, respectivamente responsáveis por instinto, emocional e racional, numa outra simplificação didática.

O termo “viés cognitivo” foi cunhado nos anos 70 pelos neurocientistas Amos Tversky e Daniel Kahneman, ganhador do Nobel de Economia em 2002 e autor do best-seller “”Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”. Seu estudo é baseado exatamente nas questões dos vieses, nas decisões que eles acarretam e no risco psicológico que isso representa para nossas mentes. Nesse contexto, ele fundou a Teoria da Perspectiva.

Se vivemos num mundo cheio de escolhas, o marketing moderno precisa dessas teorias

Na psicologia comportamental, existem duas vertentes claras de vieses: o consciente e o inconsciente. Quantos de nós não preferem comidas orgânicas e frescas às frituras? Isso é claramente um viés consciente, para o lado positivo e proposital. Esse viés nem precisa ser estudado. Está aí para fazer bem e confirmar o senso comum.

Kahneman e Tversky focaram seus estudos nos vieses inconscientes, aqueles que nos fazem tomar decisões mesmo que tenhamos pouca ou nenhuma informação, tempo ou evidências de que aquele será o melhor caminho a se tomar. São eles que nos enchem de curiosidade e que podem fazer o indivíduo desviar do padrão normativo de resposta por conta de um equívoco mental.

Quero trazer para vocês algumas poucas reflexões das várias que tive ao longo destes últimos quatro anos no estudo sobre o tema “”neurociência e o comportamento cognitivo””. E o quanto isso afeta nossa vida profissional e o marketing contemporâneo atual.

Um exemplo corriqueiro em nossas vidas profissionais

Nosso instinto, gerido pelo nosso cérebro reptiliano, é responsável pela manutenção de nossa sobrevivência. É o mais antigo dos cérebros, remonta a milhões e milhões de anos, quando fugir de predadores era um ato corriqueiro para sobreviver.

Imagine-se numa reunião de trabalho, com seu chefe, toda a equipe de marketing e vendas apresentando um relatório trimestral de performance com efeitos danosos para a companhia. Dependendo de como seu chefe enxerga esses “”checkpoints”” de performance e de como ele encara o seu trabalho, esse report trimestral pode ser avaliado por ele como vida ou morte.

A análise de risco pessoal dessa situação movimenta uma dezena de emoções que passam pelo instinto de sobrevivência e, por isso, ficam na base da pirâmide de necessidades do famoso Maslow. Se for um profissional seguro e com alto nível de cognição do passado e do presente, com uso de raciocínio lógico e sofisticado, você certamente deslocará para o neocórtex esse risco e discutirá o futuro do negócio com alguma tensão mas num clima amigável. Já para os que acreditam que seu futuro está prestes a se encerrar após reunião do conselho com esses resultados, devemos ver uma resposta mais violenta à reunião.

O que a gente geralmente presencia nessas reuniões ou até em negociações com clientes é a evolução mais recente das habilidades cognitivas, o que não quer dizer que o instinto não esteja lá fazendo parte do encontro. A qualidade das reações de comportamento de seu interlocutor, seja ele seu chefe ou seu cliente, está intimamente ligada à capacidade que ele/a tem de gerir seu repertório cognitivo e em deixar seu instinto básico quietinho lá dentro, condicionado apenas à uma emergência real de vida ou morte.

Decisões por marcas e produtos: mais sobre risco do que prazer

E você acha mesmo que as atitudes relacionadas à escolha de uma marca ou produto são dirigidas apenas pelo raciocínio lógico? Óbvio que essa é uma pergunta retórica, mas que merece uma explicação menos óbvia.

Já li que alguns neurocientistas consideram que nossas atitudes têm uma parcela minúscula de racionalidade e que chega a apenas 1%. Não ponho a mão no fogo por essa afirmação, mas é sabido que os vieses cognitivos empurram qualquer um de nós para decisões que tendem a minimizar esforços e riscos. É uma espécie de conforto mental que reside na aplicação da rotina e dos atos automáticos.

De novo aqui cito Kahneman e outro de seus achados científicos que são os dois sistemas mentais de comportamento: o sistema 1, automático ou rápido, e o sistema 2, analítico ou devagar. Dentre os aprendizados de Kahneman, fica bastante claro que a psique humana está mais atenta ao fato de que o medo de perder é muito mais intenso do que o prazer de ganhar. E, por isso, se aplicarmos isso ao marketing atual, as escolhas dos consumidores acabam sendo feitas pela certeza do passado (sistema 1) e não da promessa de futuro (sistema 2).

Isso tem sido reforçado diariamente com o mundo virtual. Um exemplo é o universo etéreo e incerto das criptomoedas em que a população com perfil mais inovador e propensa ao risco está aderindo e, ao mesmo tempo, perdendo dinheiro significativo pela instabilidade do seu modelo financeiro. A maioria da população mundial, que adota novidades tardiamente, aprende com isso e reforça suas escolhas no conhecido – o sistema 1. Mas essa é uma nova discussão, assunto para outro artigo.

Para adoção de uma nova marca ou produto, o marketing tem que construir seu projeto de negócios com efeito de minimizar riscos e gerar emoções que façam o consumidor repensar seu lugar de conforto do passado.

A correlação perfeita entre marketing e os vieses

As funcionalidades do cérebro e seus vieses inconscientes aplicados aos negócios são ainda um campo de estudo praticamente inexplorado. A hora da compra, a jornada de consumo e, principalmente, o conceito de precificação estão embebidos pelos vieses cognitivos.

Ou seja, reconhecer que todos nós temos âncoras mentais passadas ou que a massa de consumidores que nos cerca já nos ensinou que a compra de produto e marca X é a mais eficaz do que a marca Y pode ser a chave para o sucesso para sua estratégia.

Os vieses mais comuns (e seus efeitos), dentre vários outros, para estudo são:- Viés de confirmação, que é quando o indivíduo constrói uma hipótese e tenta confirmá-la apenas com seu repertório pessoal;- Viés da ancoragem, que se coloca sempre como fator de memória passada, ou seja, se vejo uma camiseta branca básica a R$ 1.000 e depois vejo uma segunda a R$ 500, tendo a achar a segunda barata, o que não é uma verdade- Viés do (falso) senso comum, que nos engana pela quantidade e não pela qualidade de informação, ou seja, se todo mundo está consumindo determinada marca quer dizer imediatamente que ela é a melhor marca naquele segmento – Viés da forma (framing), que nos ilude com a forma sendo mais importante que o conteúdo- Viés da disponibilidade, aquele que nos faz decidir baseados numa memória recente disponível ou que esteja “”na mídia”” o tempo todo, construindo a sensação de que a disponibilidade é vetor de qualidade ou adequação à necessidade do indivíduo.

Muito embora estejamos acostumados a uma série de atitudes e comportamentos de consumo regidos pela nossa racionalidade, o fator inconsciente está longe de ser desprezível. A ciência comportamental nos indica que é possível identificar essas questões subconscientes por meio dos vieses para modificá-los.

Algumas empresas de consultoria de negócios, americanas e inglesas, já trabalham neste território de comportamento de consumo a partir da cognição e dos vieses inconscientes. Elas se rotulam como “”ciência comportamental”” (em inglês, behavioral science) ou “”economia comportamental”” (em inglês, behavior economics).

Aqui no Brasil, ainda são poucos os especialistas de mercado. A maioria está claramente focada nos “”papers”” acadêmicos e muito pouco voltada para seu uso prático.”

Ulisses Zamboni
Com mais de 40 anos de experiência na área de comunicação, é presidente e sócio da agência Santa Clara, membro do board e do comitê de etica e integridade do Capitalismo Consciente e membro do conselho editorial da MIT Sloan Review Brasil. Também clinica como psicanalista.

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