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Diversidade e inclusão

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Pioneiras na tecnologia: histórias de mulheres que não te contaram

Acabou o mês oficialmente dedicado a celebrar os avanços da luta das mulheres, mas é nosso dever continuar a resgatar as histórias de pioneiras que abriram caminhos em um mercado no qual a maioria das pessoas sequer ousava sonhar

Colunista Grazi Mendes

Grazi Mendes

02 de Abril

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Artigo Pioneiras na tecnologia: histórias de mulheres que não te contaram

Estereótipos de gênero influenciam carreiras de maneiras que nem conseguimos imaginar. Principalmente quando nos deparamos com o apagamento sistemático das trajetórias de personagens que protagonizaram momentos cruciais de nossa história. Durante décadas, tivemos pesquisadoras, engenheiras e programadoras à frente de projetos que mudaram o rumo da indústria de tecnologia.

Já falei sobre algumas delas nesta coluna, mas nunca é demais relembrar e celebrar suas conquistas. O primeiro algoritmo da história, por exemplo, foi escrito por Ada Lovelace, matemática e escritora inglesa. As pesquisas que deram origem ao wi-fi, foram iniciadas por Hedy Lamarr, engenheira de telecomunicações e atriz (cuja imagem ilustra esta coluna, por sinal). O time que criou o Cobol, compilador de linguagem computacional que revolucionou sistemas de bancos, governos e empresas, foi liderado por Grace Hopper, uma analista de sistemas da Marinha Americana.

Mais do que a necessidade de reconhecimento, temos uma dívida histórica com o legado deixado por cada uma dessas pioneiras — e inúmeras outras profissionais — que abriram caminhos em setores onde a maioria das pessoas não vislumbrava qualquer possibilidade de inovação ou oportunidade de negócio. O resgate de suas trajetórias é fundamental para que novas gerações assumam posições de protagonismo em áreas historicamente marcadas pela criatividade e pelo poder de transformação feminino.

Precisamos nos perguntar: quantas estudantes, executivas, programadoras e empreendedoras conhecem essas histórias — e como essa falta de referências afeta suas perspectivas de desenvolvimento profissional?

O gap de gênero que se formou no mercado de TI, no entanto, mostra que temos um longo desafio pela frente. No Brasil, apenas 20% dos cargos diretamente ligados à tecnologia são ocupados por mulheres, segundo o IBGE. Uma realidade agravada pelo fato que somente 26% das graduações em STEM (acrônimo em inglês que envolve as áreas de ciência, tecnologia e matemática) são feitas por estudantes do gênero feminino.

O apagamento dessas histórias impacta diretamente as aspirações das meninas em se tornarem profissionais da tecnologia, a percepção das mulheres sobre a tecnologia como um espaço inclusivo para elas e a conscientização dos homens sobre a importância de reconhecer e respeitar as mulheres nesse campo. Além da mídia e da sociedade em geral, cabe aos professores de escolas e universidades assumirem esse papel fundamental de reforço, letramento histórico e incentivo profissional. Vale ler o que disse Shelley Correll sobre isso em Stanford anos atrás, ou a organização Cofem, ou ainda a jornalista especializada em tecnologia Juliette Erath.

No cenário global, o panorama também se mostra pouco alentador. Ao mesmo tempo que vemos a crescente eliminação dos programas de D&I ao redor do mundo, o Fórum Econômico Mundial aponta que as mulheres compõem somente 26% da força global de trabalho em inteligência artificial. O índice na área de computação em nuvem é de apenas 15%. Embora formem um retrato preocupante, essas estatísticas podem soar distantes para algumas pessoas (principalmente entre grupos que não são impactados por esses números no seu dia a dia). Então vamos a um exemplo bastante prático e didático.

Na Apple, talvez a maior referência em inovação tecnológica do imaginário coletivo atual, somente 24% das funções técnicas são exercidas por mulheres — destas, apenas 5,9% são negras. Se a próxima Ada Lovelace ou Grace Hopper sair dos quadros da empresa, certamente será contra todas as probabilidades. Por isso, preciso repetir em alto e bom som: nenhum país ou negócio pode prosperar verdadeiramente se sufocar o potencial de suas mulheres e se privar da contribuição de metade da população.

Como chegamos a esse ponto?

Imagens Juliana Dorneles. Mulheres na Tecnologia — Passado e Futuro

(As imagens acima, ambas publicadas em 1967, deixam claro os vieses de gênero que se formariam nas décadas seguintes. Fonte: Juliana Dorneles. Mulheres na Tecnologia — Passado e Futuro.)

Da liderança de projetos globais de pesquisa e desenvolvimento às margens da nova economia digital. Como chegamos a esse ponto — e em tão pouco tempo? Não existe um jeito simples de responder a essa pergunta.

A falta de representatividade na mídia, o alargamento da desigualdade nas políticas de remuneração, a estrutura patriarcal de nossas famílias e o reforço de papeis predefinidos de gênero no mercado de trabalho são alguns dos muitos fatores que levam ao mesmo destino final: um ecossistema de inovação cada vez mais pautado pela falta de diversidade e orientado por vieses que não representam as necessidades reais e os interesses coletivos da sociedade.

Em um momento marcado pelos anseios de uma sociedade cada vez mais impactada pela inteligência artificial, postergar essa discussão traz um sério risco de perpetuar essas desigualdades de maneira exponencial. Durante a apresentação da última edição de seu famoso relatório de tendências, no SxSW, Amy Webb, uma das mais respeitadas futuristas da atualidade, chamou a atenção do mundo ao repetir um teste que já havia exposto o ridículo dos universos criados por algoritmos enviesados.

Diante de um auditório lotado, no palco principal do evento, ela pediu que o Midjourney gerasse fotos de CEOs de grandes empresas. Como já era esperado, nenhuma mulher apareceu na tela. A mensagem de Webb é reforçada de maneira igualmente didática por pesquisadoras como a cientista de computação Joy Buolamwini, do MIT, uma das protagonistas do documentário "Coded Bias", no qual revela falhas estruturais em sistemas de reconhecimento facial para identificar rostos de mulheres negras.

Conseguimos nos tornar apenas aquilo que conseguimos enxergar. Por isso, devemos nos questionar o que temos feito para formar talentos, abrir oportunidades e criar novos pontos de referência para retomar o protagonismo feminino no mercado de tecnologia.

Não se trata apenas de fazer a coisa certa sob o ponto de vista ético e moral. Temos um gap gigantesco de talentos no mercado nacional de TI — uma demanda de 530 mil vagas nos próximos dois anos, de acordo com o último levantamento divulgado pela Endeavor e pela Brasscom.

Não vamos conseguir preencher esses postos de trabalho buscando os mesmos engenheiros de sempre, nas mesmas universidades de sempre. Temos uma nova geração de mulheres prontas para mudar esse jogo. E elas podem estar mais perto do que nos acostumamos a acreditar.

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Colunista Grazi Mendes

Grazi Mendes

Grazi Mendes está como head of diversity, equity & inclusion na ThoughtWorks Brasil, consultoria global de tecnologia, é professora em programas de desenvolvimento de lideranças e cofundadora da Ponte, hub de diversidade e inclusão. Acumula cerca de 20 anos de experiência em gestão estratégica, branding, design estratégico, liderança e cultura, com atuação em empresas nacionais e multinacionais de segmentos diversos.

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