Para acionistas, a oportunidade de resultados extraordinários no longo prazo está baseada em fazer o bem para todos stakeholders, gerando grandes impactos sociais
Está claro que para manter o sonho do progresso criado pelo capitalismo nos últimos 200 anos, os próximos 20 a 50 anos são cruciais para desenvolvermos um novo modelo que contribua coletivamente com o bem-estar.
A pandemia da covid-19 certamente acelerou e aumentou o senso de urgência para essa mudança. Esses últimos 18 meses levaram muitas pessoas a um novo limite. Mudança de estilo de vida, demissões de trabalhos que antes pareciam carreiras de sucesso e a atenção à saúde mental e emocional tornou-se uma prioridade de todos. Em suma, a busca é pelo bem-estar.
Essa mudança na vida das pessoas é uma excelente oportunidade de as empresas repensarem a sua forma de trabalho e prioridades de médio e longo prazo. Está claro também que os sinais já não vêm apenas do mundo acadêmico com suas centenas de publicações “repensando o capitalismo” ou ainda das dezenas de ONGs que propõe novos modelos para o capitalismo.
A mudança que nos últimos quatro anos passou a ser manifestada por líderes empresariais por meio das cartas de Larry Fink (CEO da BlackRock), com o Manifesto da Business RundTable, e com a proposta de um capitalismo de stakeholders do Fórum Econômico Global de Davos.
A mensagem que anuncia uma mudança concreta na rota do capitalismo vem também de dentro das organizações. Os colaboradores, funcionários, empregados, ou qualquer outra nomenclatura usada, estão dando sinais que querem trabalhar de outra forma. Isso tudo não significa que a máxima de Milton Friedman de que “o objetivo de toda empresa é gerar lucro para os acionistas” esteja errada. A sentença de Fridman, no contexto atual, está apenas incompleta.
As organizações precisam se preocupar em valores de outras dimensões. Valores sociais, ambientais, emocionais, de bem-estar, de conhecimento, de tecnologia e assim por diante. Isso traz a própria evolução do tripé da sustentabilidade (planet, people e profit) para o ESG; e a grande atualização desse tripé é a governança. Lucro a qualquer preço já não é aceitável, a governança traz um compromisso ético e moral de que a geração de lucro não pode ser à custa de outros stakeholders.
Toda essa abordagem nos traz aos fundamentos do capitalismo consciente. Uma empresa do século XXI atua como zeladora dos recursos para assegurar a sustentabilidade de futuras gerações. Reduzir a pegada de carbono e avançar para a ideia de que um negócio pode e deve ser regenerativo é algo cada vez mais presente.
Dan Anderson, CEO e fundador da Interface teve seu momento de epifania em 1989. Ele definiu para a empresa uma meta de carbono neutro em 2020. A Interface alcançou esse objetivo um ano antes e agora está na rota de ser uma empresa regenerativa. Em outro exemplo, a Microsoft criou um fundo de USD$ 1 milhão para tornar-se carbono neutro em 2030.
Adotar práticas mais conscientes, sustentáveis e regenerativa deixa de ser apenas um desejo do consumidor, mas um mandato para as empresas que querem estar em operação nos próximos 10 a 20 anos.
Pesquisas com consumidores dizem que 64% deles se sentem felizes com suas aquisições ao comprar produtos sustentáveis, enquanto 53% dos consumidores indicaram uma mudança para marcas menos conhecidas simplesmente porque são sustentáveis. Os jovens – millenials e geração Z – estão especialmente investidos em exigir responsabilidade das marcas quando se trata de mitigar seu impacto ambiental.
De acordo com a pesquisa da Deloitte, mais de 25% das gerações mais jovens desejam que as marcas mitiguem o efeito das atividades humanas no meio ambiente. Infelizmente, vemos que muitas empresas estão falhando ao atender essa demanda. Neste sentido, há um longo caminho a ser construído pelas empresas, desde a intenção até ação sustentável e os resultados. Neste contexto, aliás, a adoção de alguns requisitos com a intenção de cumprir um protocolo tem levado grandes empresas a falhar significativamente em projetos sustentáveis.
A consciência social tem sido transformada rapidamente, desde questões que vão da diversidade à saúde mental e inclusão social, as empresas estão tendo que atuar de maneira mais rápida e transparente para responder a esses desafios. Diversas marcas já não apresentam seus produtos com modelos perfeitas, mas de forma inclusiva, propondo que a beleza pode e deve se expressar de múltiplas formas.
O propósito além do lucro ganha força e atenção de todos. A empresa FIFCO da Costa Rica, por exemplo, há muito tempo tem trabalhado a ideia de beber com responsabilidade. Essa mensagem lhe garantiu liderança em seus mercados e empatia com seus consumidores.
Outras empresas que adotam postura semelhante também têm sucesso no crescimento mais rápido e na construção de uma base de consumidores fiéis. De acordo com um estudo da Deloitte, as empresas que incorporam o propósito como uma parte abrangente de suas operações crescem três vezes mais rápido do que seus concorrentes e ganham mais participação no mercado. Eles também alcançam um nível maior de satisfação dos funcionários e atraem e retêm mais consumidores, muitos dos quais se identificam com o propósito das organizações.
Por meio de suas atividades comerciais, as empresas têm um papel fundamental no avanço da qualidade de vida no mundo. Nos últimos 200 anos, demos um salto de expectativa de vida de 30 a 70 anos, no PIB per capita de USD$ 500 para mais de USD7,000 e a pobreza absoluta caiu de 95% para menos de 15%.
As empresas, desde a sua origem, nascem com uma “razão social”; para tanto, passou da hora das organizações assumirem esta responsabilidade: criar um impacto duradouro no meio ambiente, na comunidade e na sociedade em que atuam.
Hoje, a maioria das empresas tem um programa de responsabilidade social, mas muitas vezes com iniciativas isoladas e desconectadas. As ações de responsabilidade social corporativa devem atender aos stakeholders tradicionais da empresa. Além disso, o mundo atual não está satisfeito somente com o plantio de árvores, pagamento de fornecedores e doações para escolas da comunidade. É preciso oferecer tudo e acrescentar oportunidades para que as pessoas da comunidade contribuam com o ecossistema de negócios criado pela empresa.
As empresas hoje têm o dever de transmitir seu propósito e valores a seus consumidores por meio dos bens e serviços que fornecem, ao mesmo tempo em que se alinham aos ideais e noções que defendem. Isso permite que os negócios sejam mais conscientes e evoluam para um modelo necessário de sobrevivência no século XXI. Essa revolução se sobrepõe às quatro revoluções industriais pelas quais passamos e estamos passando, pois é uma revolução de consciência.
A cada ano temos mais pessoas alfabetizadas, educadas e formadas. Vivemos numa era que a humanidade tem o maior nível de escolaridade da história. Isso traz a necessidade das organizações se atualizarem mais rapidamente. Precisam voltar a sua essência, entender seu propósito, viver seu propósito a cada de cisão, transação e relacionamento.
Em última análise, as empresas que integram esse sistema capitalista com governança social e ambiental têm o poder de liderarem a transformação em direção aos fundamentos de um capitalismo mais consciente e acabarão por se encontrar no lado certo da história. Além disso, o impacto no resultado para os acionistas das empresas pioneiras que avançam nessa nova direção é de até 10 vezes maior que a média do desempenho financeiro do mercado.
Gostou do artigo do Thomas Eckschmidt? Conheça outras pautas do capitalismo consciente assinando gratuitamente nossas newsletters e ouvindo nossos podcasts na sua plataforma de streaming favorita.“