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O lucro deve ter limite?

Com 14 milhões de famílias vivendo na pobreza extrema no Brasil, devemos pensar se é necessário limitar a lucratividade bilionária que muitas empresas obtiveram, sem partilha, na pandemia

Colunista Thomas Eckschmidt

Thomas Eckschmidt

31 de Maio

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Artigo O lucro deve ter limite?

Quanto deveria ser o lucro de uma organização? Deve ter limite? Deve ser regulamentado? Quem deve decidir? Estamos em plena “celebração” de um ano de pandemia e os resultados financeiros de algumas empresas brasileiras estão provocando novas perguntas.

O primeiro trimestre de 2021 foi um momento histórico, onde vivemos a verdadeira experiência do que podemos chamar de interdependência radical. Isso é maior que a ideia da globalização do final do século passado.

A globalização focou mais em cadeias produtivas, uma abordagem linear. A interdependência radical demonstra que o mundo não tem mais fronteiras. Alguns dos nossos problemas mais graves não param na imigração ou alfândega, não fica em espera, avança independente de nossas ações.

O problema que nosso planeta é como o elevador do condomínio. Para quem mora em prédio ou sabe exatamente o que isso significa: o elevador é de todos, todo mundo usa, mas ao mesmo tempo está sempre estragado, arranhado, quebrado porque não é de ninguém. E as pessoas só param de quebrar as coisas nos elevadores quando se instala uma câmera dentro dele. Como metáfora, a câmera que precisamos instalar em nossos negócios é a da transparência.

Ou, para sermos ainda mais didáticos, estamos dentro da água morna como o sapo na panela, ao passo que vai esquentando até ferver e, assim, morreremos fervidos sem perceber que a água estava ficando cada vez mais quente.

Por sorte estamos recebendo novos sinais de que não podemos continuar ignorando o nosso entorno, relembrando que a água está esquentando. Fazemos parte de um ecossistema e a pandemia nos está mostrando que não importa se o preço das do petróleo sobe ou desce, ou se o preço do feijão aumenta ou abaixa, ou se a China compra mais ou menos minério de ferro.

A pandemia nos trouxe uma crise em que cumprir a lei não é mais suficiente. E ser eficiente, de modo geral, já não adianta mais. Tentar compensar minhas emissões também não fecha a conta, pois precisamos regenerar nosso ecossistema. Mas isso só irá acontecer quando os valores morais mudarem.

Na crise, mais lucro

Nosso primeiro trimestre corporativo de 2021 mostrou que algumas empresas brasileiras estão gerando resultados de até 74% maiores que no mesmo trimestre de 2020 (por exemplo, o Bradesco). Ou seja, R$ 6,5 bilhões de lucro contra R$ 3,8 bilhões do primeiro trimestre do ano passado. A Vale apresentou um lucro de R$ 5,5 bilhões para o primeiro trimestre de 2021.

Será que ninguém está perguntando se poderíamos fazer melhor? No caso dos bancos, esse lucro deve ter vindo, em parte, do aumento de taxas. Quem são os que mais pagam taxas? Certamente não são as pessoas e empresas que têm mais dinheiro no banco.

Esse lucro, certamente aumentou a conta dos investidores, será que eles precisavam tanto a mais? Se o lucro do Bradesco fosse de R$ 5,5 bilhões ao invés de que foi realizado. Isso ainda seria um aumento de 45% em relação ao mesmo período do ano passado, não estaria bom para um ano de crise? E ainda esse “bilhãozinho” pudesse ser convertido em cestas básicas (temos quase 20 milhões de brasileiros passando fome).

Será que não dá para perceber que o negócio depende de pessoas e o momento de cuidar delas é quando mais precisam, em crise? Quanto é o suficiente? O limite que vai ser cobrado é o limite moral.

No caso da Vale, diferente do sistema financeiro, o fantástico lucro fantástico não foi por causa de cobrar de quem não tem, mas porque o preço do seu produto subiu. A Vale decidiu devolver os R$ 500 milhões que recebeu de 2015 por uma geração de energia que nunca entregou, pois a usina foi engolida pela lama da tragédia da Samarco. No entanto, e as outras barragens de rejeito? Agora que o vento sopra a favor, não é a hora de consertar mais erros?

São passos pequenos, mas precisamos de passos mais largos, mais rápidos e mais firmes, uma vez que a água da panela está esquentando. Em síntese, estamos dando corda para nos enforcarmos como iniciativa privada.

A iniciativa privada precisa ser parte da solução. Não adianta os três maiores bancos privados lançaram uma campanha de preservação da floresta amazônica quando as pessoas em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, entre outros locais do Brasil, estão passando fome.

Muitos já ouviram o anúncio de segurança dentro de um avião: “Coloque a máscara primeiro em você, depois ajude alguém ao seu lado”. Com um lucro de R$ 6,5 bilhões – sendo 74% maiores em comparação ao mesmo período do ano passado, depois de um ano de pandemia –, podemos dizer, metaforicamente, que tem gente com quatro máscaras (ou mais) enquanto algumas pessoas têm uma ou nenhuma.

Repensar o ciclo

Vamos mencionar agora uma boa iniciativa os supermercados, que estão fazendo campanhas contra a fome. Aproveito para deixar mais uma ideia: que o supermercado que faz campanha contra a fome com a doação do cliente participe mais ativamente, pois a compra do cliente gera lucro para o supermercado.

Por que não, para cada quilo de alimento comprado por um cliente, o supermercado coloca a mesma contribuição. Vai custar menos para o supermercado do que para o cliente, pois o mercado tira o produto do custo e não do preço de venda. Contudo, por favor, sem tirar do seu fornecedor, sem repassar o compromisso para outro. Participe da solução, não terceirize e receba sozinho o benefício e reconhecimento.

Esse momento de reconhecer que somos radicalmente interdependentes traz uma necessidade de repensar o consumo, repensar os limites morais, fazer mais junto e entender que a forma de operar que nos trouxe até onde estamos precisa mudar, senão a próxima pandemia vai ser ainda pior.

Quem sabe não teremos clientes para comprar alimento, pagar taxas ou consumir. Não serve para voltarmos ao “normal”. Esta na hora de criar um normal melhor. Temos a capacidade para isso, pois vivemos um momento em que humanidade tem o maior índice de escolaridade da história.

Além disso, temos mais acesso ao conhecimento e informação como nunca, e ainda assim operamos como se fosse o século XIX. Vamos acessar esse potencial de talento humano para colaborar mais e criar o melhor normal, antes que a água ferva.

Por fim, decida você mesmo qual é o seu limite, e tente melhorá-lo, todo ano, 3%. Isso pode ser uma transformação exponencial.

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Colunista Thomas Eckschmidt

Thomas Eckschmidt

Cofundador e ex-diretor geral do movimento do capitalismo consciente no Brasil, Thomas Eckschmidt é autor de Conscious Capitalism Field Guide e outros livros práticos para implementar os fundamentos de um capitalismo mais consciente. É ainda cofundador e CEO da Conscious Business Journey, uma rede de consultores com o propósito de acelerar a transformação para um ecossistema de negócios conscientes e atua como conselheiro em diversas empresas.Em seu site www.CBActivator.cc, Thomas disponibiliza um e-book sobre como ativar a consciência da sua organização. Ele encabeça o podcast Capitalista.Consciente, encontrado nos principais tocadores.