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11 min de leitura

Liderança digital 3: Um conselho com inteligência digital

Ter conselheiros com experiência em negócios digitais pode ser considerado um novo diferencial em desempenho financeiro

Peter Weill, Thomas Apel, Stephanie L. Woerner e Jennifer S. Banner

29 de Maio

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Artigo Liderança digital 3: Um conselho com inteligência digital

Muitos problemas disputam a atenção do conselho de administração. Ter proficiência digital na era da transformação digital está subindo rapidamente para o topo da lista. Quase todas as empresas estão em busca de maneiras de usar a tecnologia para melhorar seus modelos de negócio, a experiência do cliente, a eficiência operacional e muito mais. Os conselhos precisam ajudá-las a avançar em um ritmo suficiente, apoiando e, às vezes, empurrando os CEOs a fim de promover a mudança. As que fizerem isso provavelmente terão resultados financeiros melhores do que as que não fizerem.

Foi o que descobrimos quando analisamos, com ajuda de machine learning o conhecimento digital de todos os conselhos de empresas listadas em bolsa nos Estados Unidos. Nossa pesquisa mostrou que as empresas cujos conselhos têm inteligência digital superam as demais em desempenho. Definimos “inteligência digital” como uma compreensão, desenvolvida por meio de experiência e educação, do impacto que as tecnologias emergentes causarão no sucesso dos negócios na próxima década. Para estimá-la, analisamos dados de levantamentos, pesquisas, comunicados empresariais e as biografias de 40 mil conselheiros, extraindo palavras-chave que sugerem uma exposição às maneiras digitais de pensar e trabalhar.

Nossas descobertas são impressionantes: constatamos que, entre as empresas com mais de US$ 1 bilhão em receita, 24% tinham conselhos com inteligência digital. E elas apresentaram um desempenho significativamente superior ao das demais nas métricas principais, tais como crescimento da receita, retorno sobre ativos e aumento do valor de mercado.

Fazer negócios na era digital implica riscos que vão desde violações de cibersegurança e de privacidade até disrupção do modelo de negócio e perda de oportunidades de competir. Quando um conselho não possui inteligência digital, não consegue entender elementos importantes da estratégia e da supervisão e, portanto, não é capaz de exercer a função essencial de ajudar a conduzir a empresa a um futuro de sucesso. Para corrigir isso, as empresas precisam entender que características devem procurar nos novos conselheiros, administrar as pautas dos conselhos de maneira diferente e cultivar novas oportunidades de aprendizado para todos os conselheiros.

A PERGUNTA é:

Como os conselhos de administração estão auxiliando a transformação digital das empresas?

eis os ACHADOS:

• Os conselheiros que compreendem o impacto das tecnologias emergentes no sucesso dos negócios realmente ajudam as empresas a ter um desempenho melhor do que 

a concorrência.

• São necessários três conselheiros com inteligência 

digital para causar impacto no desempenho da empresa.

• Para aumentar a inteligência digital do conselho, é 

possível adicionar novos membros, 

alterar as pautas 

das reuniões e

proporcionar 

oportunidades 

educacionais aos conselheiros atuais.

COMO UM CONSELHO ADQUIRE INTELIGÊNCIA DIGITAL

Nossa pesquisa sugere que três fatores conferem inteligência digital a um conselho: os antecedentes de cada membro; o número de membros com experiência digital profunda; e a maneira como o conselho interage com direção executiva em relação à função estratégica da tecnologia.

Os antecedentes das pessoas são relevantes. Em um conselho com inteligência digital, os membros possuem uma compreensão empresarial das tecnologias (plataformas digitais, IA, big data e processos móveis e digitais) que hoje habilitam novos modelos de negócio, uma experiência do cliente superior e operações mais eficientes. Com frequência, os conselheiros com inteligência digital já executaram uma destas atividades: passaram tempo, seja como conselheiro ou executivo sênior, em um setor de ritmo intenso em que os modelos de negócio mudam rapidamente (como software ou telecomunicações) ou exerceram uma função executiva com forte componente tecnológico, como CIO, CTO, COO, CDO ou, mais recentemente, CMO. Graças a essa perspectiva, tais conselheiros têm noção de quando se comprometer, quando experimentar e quando fazer parcerias. Também são capazes de identificar os primeiros indicadores de sucesso e os desafios para novas iniciativas que atuam em escala empresarial.

A união faz a força. Queríamos determinar se o número de conselheiros com inteligência digital afetaria o desempenho financeiro de uma empresa e constatamos que são necessários três membros para causar um impacto estatisticamente significativo. Vimos pouca diferença no desempenho financeiro entre empresas com um ou dois conselheiros com inteligência digital e aquelas que não tinham nenhum. Já as empresas com três ou mais conselheiros com inteligência digital apresentaram margens de lucro 17% mais altas do que aquelas com dois ou menos, além de crescimento da receita 38% maior, retorno sobre os ativos 34% maior e aumento do valor de mercado 34% maior. As diferenças incrementais no desempenho também foram pequenas nos boards com mais que três conselheiros com inteligência digital. Um conselheiro comentou: “Um único conselheiro com inteligência tecnológica pode se sentir solitário e incompreendido na sala de reuniões. Para efetuar a mudança em nível de conselho, deve haver massa crítica de conselheiros que realmente entendam”.

Os efeitos de três conselheiros com inteligência digital foram consistentes em diferentes setores de atividade, embora a porcentagem desses conselhos tenha variado conforme o setor. [Veja quadro na página 41.] Em média, 57% dos conselhos tinham inteligência digital nos setores da informação, mas o conhecimento foi encontrado em apenas 24% dos conselhos no varejo e em menos de 10% em transporte, construção e mineração.

É importante fazer perguntas difíceis sobre tecnologia e estratégia. Vários conselheiros com os quais conversamos mencionaram que as empresas sem inteligência digital, assim como seus conselhos, tendem a pensar sobre a estratégia de modo bastante tradicional. Primeiramente, perguntam “Qual é nossa estratégia?” e, em seguida, “Como podemos direcionar nossos recursos, incluindo tecnologia, para realizá-la?”. E os gestores de tais empresas costumam atentar para a tecnologia quando estão prontos para implementar, não no momento de definir a direção. 

Já as empresas com inteligência digital e os respectivos boards se perguntam, desde o início, “Como podemos usar a tecnologia para encantar nossos clientes e ser mais eficientes?”. Então, a gestão adota uma abordagem teste-e-aprendizado em relação ao planejamento estratégico, experimentando para ver o que funciona e, depois, ampliando os sucessos. 

Os conselhos com inteligência digital fazem perguntas complicadas, tais como: “Em vez de especular, como podemos fazer um teste rápido para determinar se os clientes realmente gostam da nova oferta, e depois aprender e ajustar?” ou “Quando lançarmos a nova oferta, como vamos monitorar o uso e o impacto nos lucros?”. Ao formular questões assim e interagir com os executivos, os conselhos podem ajudar as empresas a descobrirem o que as distingue das demais, para que possam digitalizar tais traços (as “joias da coroa”) com inovações internas e/ou parcerias externas. 

Empresas que aproveitam ao máximo suas joias da coroa incluem a Amazon (que cria “match” entre as necessidades dos clientes e os fornecedores), a Schneider Electric (que presta serviços de gestão de energia em tempo real) e o banco BBVA (que combina serviços bancários, como avaliação de risco, com as metas dos clientes).

Em outras palavras, em vez de se concentrar nos fundamentos da tecnologia propriamente dita, os conselheiros com sabedoria digital usam seus insights sobre tendências e transformação para ajudar os gestores a entender, de maneira mais ampla, os desafios competitivos que a empresa está enfrentando. Um dos conselheiros que entrevistamos deu a seguinte explicação: “Board members com inteligência digital mudam a conversa sobre riscos. Em vez de avaliar o risco de projeto em iniciativas específicas, abordam o risco de modelo de negócio em não fazer algo novo”.

Por esses motivos, os conselhos com inteligência digital conseguem manter uma relação honesta com a diretoria-executiva. Na Netflix, um ou dois conselheiros participam, por exemplo, de reuniões mensais e trimestrais importantes da alta gerência, como observadores, a fim de adquirir informações e compartilhar insights com os outros conselheiros posteriormente. “É fácil a gestão esquecer sua responsabilidade com o conselho em tecnologia”, disse-nos outro conselheiro. “A direção acha que pode apresentar qualquer coisa ao board, que os conselheiros concordarão. Os conselhos com inteligência digital reagem e fazem perguntas difíceis. Uma das coisas mais importantes e complicadas para um conselho é ter uma visão verdadeira sobre o que está acontecendo na empresa. Parece tão óbvio, mas não é fácil de fazer.”

SOBRE A PESQUISA

Para identificar as palavras-chave que representam os conselheiros com inteligência digital, os autores analisaram 81 membros de conselhos de administração, entrevistaram 14 deles; avaliaram cartas de chairmen e CEOs; e estudaram as biografias dos board members de companhias abertas dos EUA, o que somou mais de 40 mil nomes.

Os autores utilizaram machine learning para extrair as palavras-chave e, em seguida, fizeram a iteração do esquema de codificação. O modelo de machine learning classificou cada conselheiro como inteligente, não inteligente ou indeterminado. Os pesquisadores avaliaram manualmente uma amostra aleatória de conselheiros com o objetivo de garantir a precisão do modelo.

A amostra inicial de conselhos com um mínimo de seis membros incluiu 3.228 empresas. Para este artigo, foram examinadas 1.122 organizações (aquelas com receita acima de US$ 1 bilhão, para as quais havia quatro métricas de desempenho). Depois de analisar a relação entre conselhos com inteligência digital e desempenho financeiro, e de segmentar por setor, os autores repetiram a análise a fim de testar como o número de conselheiros com inteligência digital afetava os resultados. Por fim, eles entrevistaram mais cinco conselheiros, compartilhando os dados da pesquisa e perguntando como tinham desenvolvido inteligência digital.

CRIANDO SEU PRÓPRIO CONSELHO INTELIGENTE

Quais indicadores devem ser procurados em membros de conselho, para que um board seja considerado inteligente? Quando identificamos as palavras-chave que indicam inteligência digital em conselhos, vimos “realidade virtual”, “CIO”, “empresas de tecnologia”, “tecnologia diversificada”, “habilidades e tecnologia”. Termos como software, mídias digitais, CTO, comércio eletrônico, nuvem, IA e dados também foram os sinais de que os conselheiros tinham os antecedentes certos para auxiliar na transformação digital de suas empresas. 

Além de saberem que indicadores devem buscar, como as organizações podem trazer mais inteligência digital para seus conselhos? Sugerimos três: adicionando novos membros de maneira estratégica, alterando as pautas do conselho e incentivando oportunidades educacionais aos membros atuais.

Adicionar novos conselheiros. Na maioria dos conselhos de hoje, é necessário adicionar pelo menos um conselheiro novo para ter três conselheiros com inteligência digital. Vários conselheiros nos disseram que as companhias abertas estão buscando, pela primeira vez, conselheiros muito mais jovens do que a média por causa de sua experiência digital.

Com base em nossa análise de palavras-chave e no trabalho realizado com os conselhos, descobrimos que existem muitos locais para procurar conselheiros com inteligência digital. Os conselheiros e ex-executivos seniores de empresas que atuam em setores em que a tecnologia muda as ofertas de produtos a cada dois ou três anos geralmente possuem inteligência digital. Esse também é o caso de conselheiros ou ex-gestores de empresas-plataformas.

Alterar a agenda do conselho. Os conselhos podem intencionalmente aumentar a inteligência digital da equipe existente. Muitos têm comissões de tecnologia ou grupos semelhantes que os orientam em relação a assuntos digitais. Com frequência, essas comissões contratam profissionais que não são conselheiros e especialistas externos para prestar consultoria (diversos bancos com os quais falamos fazem isso). Essas comissões podem preencher lacunas de conhecimento, o que é um bom ponto de partida. No entanto, em algum momento o conselho inteiro precisará estar a par de assuntos digitais.

A abordagem mais eficaz que observamos foi visitar outras organizações para aprender com as suas experiências – o que um conselheiro descreveu como “turismo digital”. Isso assume a forma de conversas pessoais e confidenciais com líderes de empresas que já nasceram digitais, como Amazon, Tencent, Google e LinkedIn. Os conselheiros que fizeram essas visitas falam sobre como as empresas que nasceram digitais se comportam de modo diferente – em particular, como tomam decisão com base em evidências, reutilizam plataformas digitais, aplicam técnicas de teste-e-aprendizado em vez de implementações do tipo “big bang” e envolvem todo mundo no esforço de inovação.

Visitas a empresas não concorrentes que fizeram um progresso significativo na transformação digital em setores semelhantes também têm valor. O tempo de inatividade durante essas reuniões é especialmente útil: um conselheiro disse que conversas importantes entre conselheiros ocorreram durante refeições e deslocamentos. Nesses momentos, os visitantes tiveram a oportunidade de realmente debater as questões de maneira particular e honesta (e extraoficial), comparando o que haviam visto com o que ocorre em suas empresas.

Muitos conselheiros também mencionaram retiros estratégicos anuais (ou até mais frequentes) como cruciais para aumentar a inteligência digital do conselho. Ter uma quantidade significativa de tempo exclusivo – normalmente, um ou dois dias ininterruptos – para se concentrar em ameaças e oportunidades digitais é um bom gatilho. As outras atividades do retiro podem incluir interação com palestrantes externos provocadores, debater apresentações de executivos da empresa sobre suas visões do futuro e fazer exercícios práticos, como estudos de caso de oportunidades de aprendizado (também conhecidas como “fracassos”). Esses encontros são mais importantes quando todos os conselheiros e executivos estão presentes e quando incluem exercícios e discussões em grupos pequenos, com orientação clara sobre o que será feito com os insights após o final do retiro.

Incentivar o aprendizado autodirigido. Evidentemente, nada é melhor do que conselheiros curiosos e comprometidos que entendam as áreas em que precisam evoluir. Alguns deles nos disseram que investiram para adquirir inteligência digital quando não tinham experiência digital prévia, fazendo cursos online e presenciais, lendo relatórios de pesquisa e estudos de caso, participando de conferências sobre tecnologia e procurando mentores reversos (colegas “nativos digitais”) para ensiná-los. Outros se voluntariaram para funções em que aprenderiam na prática: como um conselheiro refletiu, “quando tinha de escolher entre ingressar na comissão de TI ou na de remuneração, preferi a comissão de TI”.

PARTICIPAÇÃO ATIVA

Para que não restem dúvidas, não estamos afirmando que os conselhos devam definir a estratégia digital de uma empresa. Essa função cabe à diretoria-executiva. No entanto, os conselhos devem encorajar, promover a mudança e o progresso, ter uma visão geral, analisar e questionar.

Praticamente todas as empresas estão lidando com a transformação digital hoje em dia, de alguma forma. Embora ainda não existam estratégias comprovadas, a participação ativa de um conselho inteligente pode proporcionar uma vantagem de desempenho às empresas em relação a concorrentes que estão enfrentando desafios semelhantes.

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Autoria

Peter Weill, Thomas Apel, Stephanie L. Woerner e Jennifer S. Banner

Peter Weill é pesquisador sênior do MIT e presidente do Center for Information Systems Research (CISR) da MIT Sloan School of Management. Thomas Apel é presidente do conselho da Stewart Information Services Corp. Stephanie L. Woerner é cientista de pesquisa do CISR e coautora, com Weill, de What’s Your Digital Business Model? Six Questions to Help You Build the Next-Generation Enterprise. Jennifer S. Banner é CEO da Schaad Cos. e principal diretora da BB&T Corp.

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