Coloque em seu radar os 15 principais efeitos, entendendo como criá-los ou, ao menos, acioná-los de modo eficaz para ter sucesso na economia de plataforma
Efeitos de rede são um assunto do momento, mas a verdade é que a humanidade foi construída sobre eles. Uma ferramenta tecnológica separou o Homo sapiens da competição: o fogo. Mas, se ninguém soubesse iniciar e terminar o fogo de forma repetível e segura, nem entendesse para que e como usá-lo, isso teria acontecido? Sem informação circulando, o fogo teria sido tão estratégico? Fogo ilumina (e espanta predadores), aquece ambientes (e protege pessoas), cozinha (e facilita a digestão de alimentos), molda ferro, cria aço e espadas e tem um sem-número de usos. Para o fogo ser útil em escala, muita gente teve que aprender seus quês, porquês e comos. À medida que mais gente entendeu, mais gente capaz foi capaz de mostrar a cada vez mais gente seus quês, porquês e comos. Assim caminhou a humanidade. O fogo, e sua rede de conhecimento, nos criou.
Efeitos de rede são, na literatura econômica, externalidades positivas, pois os benefícios de um produto ou serviço crescem quando há mais usuários. Ao longo da história, um tipo de efeito de rede (de expertise, como veremos) foi codificado em textos. A prensa de Gutenberg criou a indústria e o mercado do texto, em rede, não só de livrarias e de bibliotecas, mas de escolas: é preciso saber ler para participar disso. Quanto mais gente lê, mais livros, mais escritores, prensas e livrarias, mais gente lendo e mais gente que precisa aprender a ler. O livro é uma grande rede.
Agora, a informação é codificada em software. Se o texto – uma tecnologia de 7 mil anos – foi base para os efeitos de expertise ganharem escala no espaço físico, o código – uma tecnologia de 70 anos, texto executável por máquinas – criou a possibilidade de estender redes e seus efeitos para o espaço “figital”.O neologismo “figital” acrescenta à dimensão física duas outras, virtuais – a digital e a social, que estendem e/ou simulam o físico e criam novas realidades.
No espaço “figital”, os efeitos de rede mudam de escala. O código modifica as interações entre pessoas (e sistemas), redesenha suas redes e, assim, (re)cria os efeitos de rede aos quais nos sujeitamos.
Nos negócios, a ideia de efeitos de rede é tão velha que foi o grande argumento da Bell para consolidar a telefonia nos Estados Unidos de 1908. Mas ainda é pouco entendida no contexto do espaço “figital”, o que torna seu uso pouco efetivo, se não caótico. Portanto, neste artigo, nos dedicaremos a decodificar os efeitos de rede nos negócios atuais.
Quando um certo número de agentes assina um serviço ou compra um produto, atingindo o que chamamos de massa crítica, o valor do serviço ou do produto excede o preço que as pessoas pagam para aderir à rede. Passa a ser determinado pelos efeitos já descritos associados à base de usuários.
Algumas nascem naturalmente, mas a maioria é projetada e construída para atingir um conjunto de objetivos. Por exemplo, as redes que habilitam ecossistemas “figitais”, apoiadas em plataformas digitais, podem ser desenhadas para maximizar, de maneira sustentável, os efeitos de rede. Os cinco fatores mais diretamente associados ao estímulo e ao suporte aos efeitos de rede são conexão, comunicação, curadoria, colaboração e comunidades – os cinco Cs.
Conexão está na base do embarque na plataforma e dos mecanismos que tornam possível estabelecer interações, criar significados comuns e fluxos de conhecimento. Comunicação deve ser tão fluida quanto possível, em todos os canais – dispositivos móveis são sine qua non. Curadoria cuida de busca de usuários e acesso a conteúdo mantendo usabilidade, integridade da plataforma e qualidade. Mecanismos de colaboração habilitam os usuários a se organizar em grupos com agendas específicas. Nas comunidades, por fim, se cria o senso de pertencimento à rede.
A primeira preocupação de um negócio deveria ser sua perenidade. E esta depende de quão defensável é seu modelo de negócio ante competição. Na competição analógica, defender o modelo de negócio era relativamente fácil; havia exclusividade, escassez, localização, tarifas etc. Nos mercados figitais, defender um negócio é muito mais complexo; os efeitos de rede são uma das poucas defesas. (Um usuário tornar o produto ou serviço mais valioso para todos os outros, atraindo cada vez mais usuários; é uma defesa significativa, dificultando bem a vida dos rivais.)
Na verdade, não deveria nos surpreender que, em mercados em rede como os atuais, os principais fatores competitivos e mecanismos de defesa e sustentabilidade dos negócios sejam efeitos de rede. Repassemos, agora, os principais tipos de efeitos.
Se sua empresa detém uma rede física que serve de infraestrutura aos serviços (e estes, às aplicações) do negócio, essa rede pode ser uma barreira de entrada intransponível para a maioria dos competidores. Parece um contrassenso, mas não é. Basta você imaginar a dificuldade que um novo entrante teria para estabelecer uma rede global de “zonas” em nuvens computacionais. O esforço, as competências, o custo e o tempo para tal fazem com que só uma pequena parcela de negócios globais tenha condições de pensar em algo similar.
Tal defesa é ainda mais efetiva se a rede em questão for um monopólio quase natural, como é o caso de redes de eletricidade, água e esgoto: são normalmente concessionárias únicas em suas regiões de atuação. Mas tal capacidade de defesa não vem livre de problemas: os monopólios são quase sempre regulados, e sua natureza induz comportamentos que tendem a se concentrar no objeto da concessão e, depois, leva a uma disposição mínima para risco. Resultado: reduz a inovação. Mesmo os efeitos físicos de rede vão se perdendo no tempo se a inovação for congelada, como mostra o colapso de empresas que deviam estar dominando o espaço digital, mas são meras coadjuvantes. Pense nisso.
Plataformas digitais combinam infraestruturas e serviços habilitadores de aplicações que, ao criar redes, servem de interface para interações e realização de transações com sua mediação. O mais relevante efeito de plataformas que se pode imaginar é o de habilitar redes.
Plataformas são sistemas dinâmicos, sujeitos à contínua evolução das tecnologias de suas infraestruturas, serviços e aplicações. Empresas de plataforma têm pelo menos três dos poderes de redes {listados no quadro acima}: (a) o de formar redes sobre a plataforma; (b) o da rede propriamente dita, pois definem padrões para participação nas redes; (c) o da rede de poder, o que ocorre ao criarem, implementarem e regularem os mecanismos de inclusão e participação nas redes.
Efeitos de plataforma são determinantes para as redes dominarem um dado mercado, uma situação do tipo o vencedor leva tudo. Mas, em muitos cenários, não há domínio persistente de uma plataforma e entrantes acham brechas para desbancar as líderes do setor. Há condições em que uma plataforma e suas redes não atingem massa crítica ou não criam barreiras de entrada para imperar num mercado; aí, múltiplas plataformas irão coopetir, por muito tempo, no ecossistema “figital” resultante. Há casos em que tal arranjo resulta de mecanismo regulatório. Do ponto de vista de sustentabilidade do ecossistema, isso tende a ser o mais desejável. Ou seja, queremos efeitos de plataforma, mas não demais.
Quando o aumento do número de usuários da tecnologia que serve de base a uma rede a torna melhor – mais rápida, simples, precisa –, estamos diante de efeitos de rede de tecnologia, que diferem de simples avanços tecnológicos. Para uma mesma tecnologia, quanto maior o número de aderentes a uma rede peer-to-peer (por exemplo), melhor será a rede.
O mesmo vale para sistemas de recomendação de quase qualquer coisa: se a rede tem poucos usuários, como identificar o que sugerir a partir de padrões de uso de grupos ou comunidades? Não dá. Para entretenimento, mapas e redes sociais, os efeitos de tecnologia são parte da infraestrutura do negócio.
Não por acaso, a própria internet usa efeitos de tecnologia: sua resiliência melhora com o aumento do número de nós na malha. Aumenta a quantidade de possíveis rotas de conexões entre pontos – quanto mais nós, melhor para cada nó e para toda a rede.
Efeitos de tecnologia são difíceis de replicar e há potenciais vantagens sustentáveis para os pioneiros. Isolando todas as outras condições, quanto maior a intensidade dos efeitos de tecnologia durante a escalada de uso da plataforma na criação de uma rede, maior sua persistência. Quando a sustentação da rede depende dos efeitos de uma certa tecnologia, a evolução desta definirá o futuro da rede. Em negócios que dependem de efeitos de tecnologia, dominar a evolução do ciclo de vida da tecnologia é condição de sobrevivência óbvia.
Os elementos dos protocolos são combinadores que, compostos de acordo com certas regras, criam o repertório que é usado para criar conexões, estabelecer relacionamentos, possibilitar interações. Um protocolo aceito por uma comunidade produzirá um conjunto de defesas que dificilmente será eliminado, tamanhos os obstáculos para trocar protocolos em grandes redes. Exemplo? Cento e quarenta anos depois de introduzidos, os números telefônicos ainda fazem parte do dia a dia de bilhões de pessoas. É a sustentável leveza dos bons protocolos.
Criar um protocolo é trivial. Torná-lo a fundação de uma comunidade pode levar anos. Ou décadas. Ou não acontecer nunca. Quase sempre demanda um esforço de marketing e política que pouquíssimas empresas conseguem empreender. E quem captura valor direto do protocolo raramente é seu criador. Por isso, a maioria dos protocolos vem de órgãos de padronização, associações de empresas ou de um Satoshi Nakamoto. O fato de o criador do bitcoin ser anônimo é compreensível; quem colaboraria para estabelecer um protocolo de criptomoeda se soubesse, a priori, quem era o inventor que ficaria com 5% delas na partida?
A ampla adoção de um protocolo depende de uma massa crítica de uso que, atingida, cria a clara possibilidade de esse protocolo ser incorporado a gamas inteiras de produtos, como é o caso dos protocolos MP3 e Dolby em áudio. Mesmo que o criador não tenha retornos diretos de “seu” protocolo, os retornos indiretos podem ser consideráveis e as defesas criadas são um dos efeitos de rede mais fáceis de preservar.
Estes acontecem quando as propriedades de um produto melhoram com maior disponibilidade de dados sobre seu uso. Sem relação entre o aumento do uso do serviço e a disponibilidade e a maior produção de dados, não há efeito de rede, apenas de escala. Aliás, esse é o caso da maioria dos efeitos que se imagina serem de dados em rede – só que poucos sabem disso.
A simples gestão de ciclo de vida de mais dados não cria efeitos em rede per se. Sistemas de recomendação têm efeitos de tecnologia, mas não obrigatoriamente efeitos de dados em rede. Por exemplo, quando se recomendam rotas de trânsito, efeitos de dados fazem diferença; na indicação de entretenimento, não: dados refinam o aconselhamento de produto, mas não lhe agregam valor adicional.
Efeitos de dados em rede são mais raros do que se imagina. E estão entre os mais complexos de entender e de transformar em vantagens competitivas e defesas do modelo de negócio. Mas o engajamento dos usuários existentes cria aumentos contínuos de valor que tornam muito difícil para os rivais competirem e, muitas vezes, podem levar à dominação do mercado.
Volume e variedade minimamente viável de dados são boa parte do problema de criar efeitos significativos. Dados recentes, em quantidade e qualidade equilibrada, próprios ao negócio, a seus produtos e serviços, fazem toda a diferença. E dados devem ser coletados dos usuários da rede que estejam usando seus produtos no momento; os dados já disponíveis na rede não fazem diferença. Mercados “figitais” são dependentes de dados, mas nem todo dado, em todo produto, serviço ou modelo de negócio, gera efeitos de dados em rede. Para dar resultado, dá trabalho.
Cultura é transmissão de informação em contexto. Pessoas transmitem informação usando sinais, símbolos, que criam significados. Linguagens têm camadas sintáticas (formas) e semânticas (sentido), mais um envoltório (o contexto de trocas de informação) que é capaz de redefinir a forma e o sentido em cada situação. Exemplo: usar o Pix, meio de pagamento instantâneo, como “linguagem de paquera” é a prática se sobrepondo à sintaxe e à semântica impostas, recriando a cultura definida para a tecnologia.
Quando agentes em rede, tanto pessoas como organizações, usam linguagens naturais, os efeitos de idiomas como protocolos podem determinar a evolução e a sustentação do mercado. Considere o inglês, que é falado por 1,3 bilhão de pessoas, e o português, com 252 milhões de falantes. Se a interface de funcionalidades de uma plataforma tem uma versão em inglês, os efeitos de linguagem do inglês sobre ela tenderão a ser muito maiores do que se fosse só em português ou outro idioma. Esses efeitos abrangem da nomeação do negócio e de suas funcionalidades à definição de sua categoria e do jargão associado a ela. É por isso que se usam tantos termos em inglês no mundo digital, ainda que se tente chamar mouse de rato lá em Portugal.
Certos negócios definem categorias a ponto de seus nomes se tornarem verbos com os quais se explica o processo de transformação de mercados, como acontece com Uber e “uberização”. Atingir tal status é sinal de relevância global, de sucesso do modelo de negócio e de seus efeitos de rede. Mas o princípio de tudo está em criar, para o negócio, um nome singular, que vai diferenciá-lo de todos os outros e torná-lo reconhecido como tal. E isso é muito difícil.
A essência de mercados em rede não difere de suas contrapartes físicas: há duas ou mais classes de participantes de ofertas e demandas, cooperando em rede por razões distintas e criando valor complementar para os outros lados. Muitos dos maiores negócios globais são plataformas digitais que habilitam mercados em rede dominados pelos efeitos de rede de que estamos falando aqui.
O desafio dos mercados em rede é motivar provedores e consumidores a embarcar numa plataforma digital vazia, ou quase: é o velho “ninguém entra até que todos entrem”. As plataformas incipientes demandam estratégias em rede para recrutar –principalmente – a massa crítica de fornecedores, talvez com subsídios de atração para facetas do mercado.
É bom lembrar que nem sempre efeitos de mercados em rede são positivos: fornecedores da mesma faceta de mercado podem subtrair valor uns dos outros (por cotejo de qualidade, preço etc.), mas os efeitos positivos indiretos compensam a proximidade da competição. Os mercados em rede podem não ser sustentáveis como as redes sociais que ficaram para a história. Os usuários podem se proteger apostando em mais de uma rede e, assim, aumentar a disputa – e os custos – nos ecossistemas de plataformas.
Efeitos de mercados em rede dependem da quantidade de agentes e de suas conexões, da intensidade das relações e da frequência, do significado e valor intrínseco de suas interações. E isso é habilitado pela combinação de infraestrutura, serviços e aplicações da plataforma. Essas são as chaves para a sustentabilidade dos mercados e seus efeitos.
Mercados de redes – ou mercados para formar redes – combinam mercados bilaterais (que habilitam “x” a fornecer para “y”) e redes digitais, em que conexões, relacionamentos e interações agregam participantes. Em vez de serem só um marketplace no qual “x” entrega para “y”, mercados de redes permitem que “x”, para atender à demanda de “y”, monte uma rede de agentes com outras competências.
Por que é mais efetivo, para “x” e para sua rede, resolver o problema de “y” num mercado de redes? A infraestrutura e os serviços que permitiram a “x” criar a rede dele servem de suporte ao fluxo de acontecimentos que começa quando “y” busca quem resolva seu problema e termina com a solução entregue, o pagamento feito e os prazos de garantia vencidos.
Os efeitos de mercados de redes são facilidade de contratação, avaliação e reputação. E já tornam os fornecedores e consumidores cada vez mais dependentes – em especial, quando as demandas são mais complexas e envolvem serviços, não só produtos. E eles só começaram.
No futuro próximo, se a performance do trabalhador não for commodity, seu trabalho estará num mercado de redes. Será o caso, entre outros, para as áreas de consultoria, educação, arquitetura, direito e mídia. Já começou a acontecer. Além de clientes e profissionais liberais se encontrarem em mercados de redes, um grande número de negócios de conhecimento será, em essência, um mercado de redes. E o trabalho mudará de modo radical: será mais distribuído geograficamente (em vez de local), com performances “figitais” (em vez de analógicas) e contratos múltiplos (em vez do emprego único e fixo). Chegará, enfim, a liberdade no trabalho, criada por efeitos de rede?
Em qualquer mercado em rede, os efeitos cruzados merecem atenção especial, e uma atenção ainda maior quando as plataformas digitais em questão habilitam mercados entre pares, os “P2P markets”.
Efeitos cruzados dos provedores são quase sempre maiores em plataformas nascentes e em crescimento, com os agentes tendo múltiplos papéis em seus mercados. No caso de plataformas de empréstimos P2P, por exemplo, efeitos cruzados dos credores preveem a sobrevivência da plataforma e sua escala. Nesse caso, agentes com poder de formar redes devem cuidar da atração mais rápida do maior número de provedores até que se atinja a massa crítica.
Em muitos mercados, mais provedores não agregam mais valor a usuários a partir de um certo ponto: mais motoristas, quando o tempo de espera já é baixo, não melhoram muito o serviço de mobilidade compartilhada. O equilíbrio é importante.Com as plataformas, o equilíbrio de redes e mercados é instável; os efeitos mudam, enfraquecem ou desaparecem rapidamente. Sustentabilidade demanda processos de inovação e transformação contínuos.
Efeitos pessoais estão associados a conexões entre indivíduos – em termos de identidade ou reputação – e produtos ou serviços. Estão presentes quando a valência dos usuários da rede aumenta mais porque determinados indivíduos passam a participar da rede. Essa é uma das razões pelas quais efeitos pessoais são inerentes a uma rede específica, mesmo se há redes diferentes compatíveis.
Os efeitos pessoais têm menos valor do que os de utilidade pessoal. Estes podem causar ações, como resultado direto de uma mensagem pedindo algo a alguém, por exemplo. Aqueles são efeitos públicos, de pedir algo em aberto numa rede social, que podem até levar à realização de alguma ação, mas não foram desenhados para tal. Os efeitos pessoais influem no custo de troca de redes: as relações diretas e indiretas entre usuários de uma rede podem ser uma barreira de saída dos usuários que pertencem a tais grupos.
Em redes sociais abertas e de propósito geral, as redes de conexões dos participantes têm relação quase sempre direta com sua rede de relações na dimensão física do mundo “figital”, o que torna os efeitos pessoais ainda maiores e as barreiras de saída mais difíceis de transpor.
Um efeito pessoal de especial relevância é o dos agentes cuja combinação de alcance e impacto é ordens de magnitude maior do que a média dos outros participantes da rede. Esses influenciadores têm poderes em rede capazes de determinar comportamentos de seu campo de influência e levar a grandes mobilizações além da dimensão virtual, como mostraram acontecimentos recentes no mundo.
Uma rede tem utilidade pessoal quando a identidade do usuário depende da rede e a frequência de uso a torna essencial para esse indivíduo. Certamente há redes com tal efeito no caso do leitor, e sair delas pode ter grande impacto – até frustrar uma parte das ações das quais você depende, se sua rede de utilidade pessoal tiver escala.
A utilidade pessoal de uma rede de mensagens que tem um usuário é zero; a de outra, com quase todos os possíveis usuários, é um. Mas não é só isso: em estágios intermediários de crescimento, cada novo entrante aumenta o valor da rede para todos os que chegaram antes. A utilidade pessoal em redes de grande porte é um dos principais e mais diretos efeitos de rede. Mas a evolução de redes que criam essa possibilidade não é trivial.
Estudada há muito tempo, a solução do problema o ovo ou a galinha das redes (que usuários vêm primeiro?) depende de fatores que vão de arquitetura e conexões com outras redes a funcionalidades e incentivos, além da pura e simples crença dos usuários. Isso até que a rede atinja massa crítica, passe muito dela e crie efeitos de utilidade pessoal que superem, às vezes em muito, os da competição.
Hoje, um complicador dos efeitos de utilidade pessoal “puros” são as redes incentivadas dos gigantes digitais, em que modelos de negócio multifacetados criam utilidade pessoal gratuita, para, no outro lado da moeda, capturar contexto dos usuários para seus negócios transacionais. Mas, em algum momento, tais modelos vão entrar em colapso regulatório.
Eles podem ser intrínsecos aos agentes num mercado em rede – como o conhecimento e a experiência sobre política num grupo em rede social – ou habilitados por produtos ou serviços – como ferramentas de fluxo de trabalho.
Os efeitos de expertise dos primeiros beneficiam quem está nas mesmas redes em que eles estão, com acesso a mais informação de qualidade. Aí, os experts ajudam a reconhecer a informação dissonante e minimizar a ambivalência. Mas não é fácil encontrar tais grupos e entrar neles.
Já quando a expertise está ligada a produtos e serviços, seus efeitos são claros: quanto mais experts, mais agregação de valor. Que empresa adotaria uma linguagem de programação, por exemplo, que poucos dominassem? Mas, mesmo com todas as funcionalidades e a usabilidade resolvidas, pode não haver efeitos de expertise. Humanos são assim; tem certas horas que não gostam de uma coisa e pronto. Melhor levar o produto para o próximo ciclo de desenvolvimento.
Para plataformas, produtos e serviços digitais, efeitos de expertise advêm do conhecimento aplicado que se exige para usar uma ferramenta – e a transferência de valor normalmente ocorre em alguma faceta do mercado de trabalho associado a ela.
Em mercados em rede, o aumento da oferta de experts torna o produto mais valioso para quem o demanda – um efeito direto – e, simultaneamente, quanto mais demanda houver para um produto que tem efeitos de expertise, mais valor é criado para os experts – efeito indireto, que leva à demanda por mais experts. Quanto mais há, mais são necessários.
Mercados em rede e redes sociais podem ter efeitos de bonde quando um movimento de adesão de certos grupos leva outros grupos e indivíduos a se mobilizarem para não ficar de fora, especialmente no momento de partida. Efeitos de bonde podem levar a rede a atingir mais rápido sua massa crítica, a partir da qual outros efeitos – de plataforma, tecnologias, mercados – costumam se tornar mais relevantes.
Efeitos de bonde podem surgir por acaso, se agentes com poderes de rede aderem a uma plataforma e atraem seguidores para ela. Mas quase sempre há uma coreografia por trás dos efeitos de bonde, desenhada a ponto de controlar o tamanho da “fila” de entrada e a disponibilidade de “tokens” de acesso à plataforma ou mercado em rede.
Efeitos explícitos podem ser criados para cada nova funcionalidade em plataformas ou produtos e serviços, mas há limites e uma fadiga natural para seu uso. Quase sempre eles são melhores na partida. Efeitos de bonde implícitos também têm limites: muitas vezes, quem provoca a “correria” para aderir a uma plataforma pode se afastar dela se gente demais aderir ou se as crenças e tribos que se formarem não forem de seu agrado. Não é fácil.
Efeitos de bonde podem facilitar ou dificultar o estabelecimento ou o crescimento de outros efeitos, como os de tecnologia ou de mercados em rede: crenças e tribos já formadas, num mercado, talvez criem efeitos de bonde que anulem vantagens tecnológicas e/ou permitam que plataformas ou produtos de menor qualidade e performance tenham vantagens de rede sobre outros, mais capazes.
Crença é o que nos dispõe a agir de certa maneira quando a situação assim o exige, segundo Charles Sanders Peirce (para o filósofo, dúvida não é falta de crença, mas irritação pela falta que esta faz à ação). Os métodos que Peirce lista para estabelecer crenças, ainda válidos, são quatro: tenacidade (a influência social determina a verdade); autoridade (a posição hierárquica tem poder para definir a verdade); “a-priorismo” (pressupostos ad hoc são usados como base para a verdade); e científico (a verdade advém dos fatos e é comprovada por dados).
Compartilhar crenças é fundamental para aceitação em grupos ou tribos e, como as pessoas são gregárias por natureza, a busca por crenças estáveis é parte do humano. Até por isso, quanto mais gente crê em algo, mais uma crença tem valor para todos que creem naquilo. Em redes digitais, a tenacidade muitas vezes tem sido determinante para a construção de crenças e seus efeitos de rede. Mecanismos criados pelos poderes das redes – que programam e conectam – habilitam velocidade e intensidade de interação jamais vistas, tornando a “máquina pragmática” de Peirce um fenômeno global de criação, evolução e manutenção de efeitos de rede em larga escala. (Na máquina pragmática, crença e comportamento são indissociáveis.)
O fenômeno das fake news vem dos efeitos de crença, cevados por tenacidade, autoridade e “a-priorismo” (sem o científico) em tribos de dezenas de milhões de pessoas. Os efeitos de crença podem ser fundações de mercados em rede; em grande escala, não variam e, em qualquer escala, determinam o sucesso ou o fracasso de ações na rede.
Grupos formados em sua maioria por jovens criando uma identidade própria, fugindo da uniformidade imposta pelas mídias de massa, funcionam como subsociedades e/ou subculturas. São as tribos urbanas, como propôs Michel Maffesoli há 35 anos.
A necessidade de participar, de pertencer a tribos, sobrepõe-se à identidade. E pessoas abrem mão de características próprias para se sentir parte das tribos. E, ao mesmo tempo que se aproximam de pares, se afastam dos que pertencem a outras tribos, como nas primeiras tribos humanas. A rivalidade e os conflitos, mesmo que culturais e não violentos, são inevitáveis.
A internet e as redes digitais de pessoas mudaram a escala do fenômeno. As tribos de hoje são deslocalizadas, nascem do contato digital de subculturas. Ao ganhar escala, ampliam efeitos positivos e negativos, magnificam comportamentos e choque de subculturas que, no limite, polarizam a sociedade, influenciam a política e redefinem valores.
Mas a cultura do negócio cria sua tribo; os clientes do negócio são outra tribo, bem como as pessoas em sua rede de valor e seu mercado, que de forma mais ampla é de onde vêm seus colaboradores. Quanto mais distinto alguém se torna ao participar de uma dessas redes, mais fortes e duradouros são os efeitos de tribo correspondentes, para o que também contribuem o tamanho e a densidade das conexões da rede que “forma” a tribo.
Os efeitos de tribo numa plataforma às vezes se extremam, lembrando uma torcida ou um culto. O melhor é que a plataforma ativamente se distancie disso. Quanto mais se distanciar, mas os fatores negativos pontuais serão minimizados, o que aumenta sua resiliência e cria mais espaço e tempo para resolver problemas.
Nem todo mundo conseguirá criar efeitos de rede, por uma razão: mercados em rede são muito mais complexos do que parecem. Tanto que, em The Five Essential Roles of Corporate Ecosystems, Andrew Shipilov praticamente compara o desafio de estabelecer ecossistemas com o de criar novos negócios inovadores: da mesma forma que a maioria dos empreendedores estaria muito mais bem empregada numa boa empresa, a maioria das empresas que tentam criar um ecossistema faria muito melhor aderindo a um ecossistema existente. Muito poucas têm os poderes de rede para criar seu ecossistema.
Há cinco classes de agentes criando efeitos de rede no ecossistema: (1) orquestradores, que dominam a principal proposta de valor do ecossistema e detêm os meios para sua realização; (2) parceiros centrais, que atraem o núcleo de consumidores e usuários; (3) parceiros complementares, que enriquecem a proposta de valor, mas não são essenciais, individualmente, para o ecossistema; (4) habilitadores tecnológicos, que proveem a infraestrutura e os serviços da plataforma do ecossistema e fomentam a criação de aplicações sobre os dois; e (5) negociantes, que ofertam produtos e serviços aos parceiros e consumidores do ecossistema. É comum haver agentes exercendo múltiplos papéis.
Uma das leis gerais da dimensão digital do mundo “figital” é: programe ou seja programado. A variedade e a complexidade dos efeitos de rede tornam óbvio que poucas organizações têm meios para programar e orquestrar um ecossistema. Se a sua é uma dessas, aprenda as lições deste artigo. Se não é, entenda como participar de um ecossistema em plataforma com competência, usando os efeitos de rede a seu favor e cuidando para diminuir riscos, aumentar retornos e ampliar a sustentabilidade do ecossistema. Simples. E difícil.”