Em vez de aulas longas e cansativas, um novo modelo de ensino deve enfatizar a interação e a troca de experiências para reduzir a preocupante sobrecarga de informações
Em um período de intenso avanço tecnológico, o setor de educação apresenta diversas oportunidades para inovação. Na era da informação em que vivemos, o acesso ao conhecimento é mais abundante do que nunca. Há alguns séculos, ter acesso a conhecimento de qualidade era um luxo reservado a pouquíssimos, especialmente aos que detinham poder e dinheiro.
Como afirmou o psiquiatra e professor Augusto Cury, uma criança de hoje tem mais informações do que um imperador romano tinha no auge de Roma. E um pré-adolescente de dez anos provavelmente possui mais dados em sua memória do que Sócrates, Platão, Aristóteles, Parmênides e tantos outros pensadores da Grécia antiga juntos.
Vivemos na era do excesso de informações – a maioria circulando em redes sociais e muitas vezes de veracidade questionável. Essa abundância, porém, levanta um problema crítico: o excesso de informação, especialmente em áreas como a saúde, pode ser prejudicial se não for filtrado e estruturado adequadamente, levando à desinformação e à sobrecarga mental.
O excesso de conhecimento, especialmente se não estruturado, pode gerar ansiedade e até mesmo burnout para os profissionais do setor de saúde
Essa realidade destaca a necessidade de inovação na educação, para que as pessoas possam filtrar, compreender e utilizar criticamente o vasto volume de conhecimento disponível.
Na área da saúde, a educação continuada exerce papel muito relevante. Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e outros profissionais do setor precisam ter um profundo conhecimento técnico, estar em dia com as principais diretrizes e serem capazes de tomar decisões rápidas e embasadas.
Com uma rotina intensa, às vezes dividida em diferentes empregos, precisam encontrar tempo e recursos para se reciclar e se atualizar. Estudos recentes têm demonstrado que o excesso de informações mal estruturadas pode não apenas gerar ansiedade e burnout, mas também comprometer a qualidade do atendimento, devido à dificuldade de retenção e aplicação prática dos conhecimentos adquiridos. Além disso, o excesso de conhecimento, especialmente se não estruturado, pode gerar ansiedade e até mesmo burnout para os profissionais do setor de saúde.
Em um mundo digital, talvez seja o momento de rediscutir o modelo dos eventos de saúde, mudando a experiência dos participantes para algo mais prazeroso e informativo
Na educação continuada na área da saúde, congressos, simpósios e demais eventos representam, além de uma oportunidade de obter conhecimento, um momento de descanso, quebra na rotina e relacionamento com colegas. Nos últimos anos, contudo, percebe-se cada vez mais um cansaço com aulas e apresentações repetitivas, enfadonhas e desinteressantes. Para muitos profissionais do setor, tais ocasiões têm sido mais uma oportunidade para lazer e diversão do que para reciclagem e atualização.
A quantidade de informações transmitidas em muitos desses eventos, da forma como é feita, traz o risco de sobrecarga mental, com pouca retenção de dados e educação continuada de qualidade. Em um mundo digital, com novos modelos de aprendizagem, talvez seja o momento de rediscutir o modelo dos eventos de saúde, mudando a experiência dos participantes para algo mais prazeroso e informativo do que o modelo atual.
Esse movimento de renovação do ensino vem sendo adotado em diferentes setores na área da saúde. O conceito de andragogia – o ensino de adultos – e a noção da capacidade de retenção de conteúdo do cérebro humano, ilustrada por meio da pirâmide de William Glasser (veja quadro abaixo), têm sido discutidos com mais interesse do que no passado, mas parecem ainda estar à margem da maioria dos eventos de saúde.
Há alguns anos, contamos com uma tecnologia poderosa em nossas mãos: nossos smartphones. Muito se discute a respeito da retirada desses aparelhos das salas de aula e de eventos, mas essa estratégia é impensável quando falamos de profissionais tão requisitados como os da saúde.
Precisamos unir o ensino no setor à tecnologia disponível, fazendo que a educação continuada seja realizada de forma mais prática, intuitiva e eficiente, tornando o celular e outros dispositivos eletrônicos facilitadores da informação que está sendo repassada.
Muitos dos profissionais que participam de eventos em saúde já têm experiência prática com diversos temas, sendo muitas vezes necessária apenas uma reciclagem bem direcionada com informações críticas para os participantes.
Nesse sentido, o foco dos eventos poderia se deslocar de uma abordagem predominantemente conteudista, com aulas longas e cansativas, para uma maior ênfase no relacionamento e na troca de experiências entre os participantes. Tal interação permite reativar contatos, fortalecer amizades e compartilhar conhecimento, além de reduzir o estresse, a sobrecarga e o risco de burnout.
O primeiro passo é o reconhecimento, por parte dos profissionais que organizam os encontros em saúde, da necessidade de mudanças e inovações. Já há estudos que evidenciam a necessidade de mudar o modelo do ensino, tirando o foco dos palestrantes e colocando os participantes dos eventos no centro, com maior interação entre todos.
Além disso, é importante deixar claro para o público que o foco deve ser na troca de ideias e no relacionamento, não apenas na transmissão de conhecimento com aprendizado passivo, que vem se tornando cada vez menos atual e relevante. É importante reforçar o conceito de que todos podem contribuir, inclusive os menos experientes.
Ferramentas como realidade aumentada, realidade virtual e casos interativos, entre outras, já estão disponíveis e acessíveis em larga escala. A inteligência artificial, quando bem aplicada, também pode ser uma poderosa aliada na otimização da experiência de aprendizagem, personalizando conteúdos e adaptando-os às necessidades de cada profissional.
Já há estudos que evidenciam a necessidade de mudar o modelo do ensino, tirando o foco dos palestrantes e colocando os participantes dos eventos no centro, com maior interação entre todos
Formação de grupos informais, discussão de casos com tutoria e maior abertura para congressistas participarem das mesas e temas práticos, com complementos atrativos, também são estratégias fundamentais para aperfeiçoar os atuais encontros e a educação continuada em saúde.
A tecnologia vem transformando, exponencialmente, todos os aspectos da vida humana, nossas relações e nossa mentalidade – fatores que estão intimamente relacionados à forma como são aprendidas e colocadas em prática quaisquer ações.
Nesse contexto, é crucial que a educação em saúde busque novos modelos, com mudanças de paradigmas e antigos conceitos, priorizando o aprendizado por meio do relacionamento entre os participantes, troca de experiências e uso de novas tecnologias.
Os organizadores de eventos de saúde têm agora a oportunidade e a responsabilidade de repensar esses encontros, criando formatos mais dinâmicos e centrados nos participantes, que aproveitem o melhor que a tecnologia tem a oferecer e, ao mesmo tempo, promovam a saúde mental e a satisfação profissional dos envolvidos.
*Artigo escrito em parceria com Alexandre Kawassaki, médico pneumologista do Hospital das Clínicas da USP, coordenador da pós-graduação em pneumologia do Hospital Albert Einstein, embaixador da comunidade Inovação em Saúde (www.inovacaosaude.com) e interessado em educação na saúde.
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