Sempre que a incerteza aumenta, algumas empresas se mantêm à frente da concorrência por saberem onde procurar ameaças e oportunidades
Os custos de ser pouco ágil na hora de perceber ameaças e oportunidades no horizonte competitivo podem ser devastadores para as empresas. Pergunte à RadioShack, pioneira norte-americana no varejo de celulares na década de 1990, com mais de 4 mil lojas, que não respondeu de forma rápida o suficiente ao e-commerce e acabou pedindo falência. As organizações podem evitar esse perigo identificando mudanças de direção antes de seus rivais. Em pesquisa com 118 empresas na última década, descobrimos que o que faz com que as mais vigilantes se destaquem não são ferramentas e métodos, mas suas abordagens sistemáticas para determinar onde procurar e como explorar.
Essas companhias tendem a adotar quatro passos fundamentais. Primeiro, elas fazem uma “varredura” estratégica do ambiente, geralmente além de suas zonas de conforto, para começar a identificar de onde os sinais relevantes podem vir. Segundo, elas formulam perguntas norteadoras que direcionam a escassa atenção da organização para lugares em que é mais provável encontrar ameaças ou oportunidades. Terceiro, conduzem análises direcionadas para entender melhor as fontes e significados de qualquer sinal captado, mesmo os mais fracos. Quarto, rastreiam os sinais mais intrigantes, amplificando-os e esclarecendo-os para agir de modo decidido quando o nevoeiro desaparecer.
PRIMEIRO PASSO – A abrangência da análise
Na maioria das empresas, os gestores limitam a varredura de sinais de mudança a lugares e fontes familiares, dentro das suas zonas de conforto. Essa abordagem gera uma boa riqueza de dados, que inclui desde rumores da indústria até evidências detalhadas de relatórios de vendas e alertas de associações setoriais. Mas contar com todos esses dados pode levar a uma sensação ilusória de controle. Sinais fracos de mudança são importantes e surgem geralmente fora do radar usual.
Uma estratégia eficaz para detectar a mudança precocemente é reunir uma equipe diversificada de pensadores independentes de dentro e fora da empresa. Esse grupo pode, como um de nossos clientes expressou, “lidar com a paranoia da organização”, convidando todos a expressar seus palpites, suas preocupações, dúvidas ou intuições.
Em seguida, a equipe de liderança pode jogar luz sobre questões que parecem insignificantes no momento, mas que podem emergir como temas relevantes ao longo dos próximos anos. Adotar uma perspectiva de tempo de três a cinco anos permite que os líderes investiguem mais longe que os rivais.
Embora preocupações específicas sejam diferentes para cada indústria, os líderes devem acompanhar de perto toda a gama de forças e correntes que vão moldar seu futuro. Diferentes equipes podem ser designadas para rastrear sinais fracos em diversas “zonas” – por exemplo, forças socioeconômicas e políticas, mudanças envolvendo clientes ou canais, comportamento de concorrentes, tecnologias emergentes e ações da mídia e de influenciadores. Algumas dessas áreas parecerão, a princípio, periféricas demais, mas não são.
Além de olhar para fora, os líderes também devem ficar alertas aos riscos dentro de suas organizações, como metas de vendas equivocadas e relacionamentos complicados, para evitar que pequenos problemas virem grandes crises.
SEGUNDO PASSO – Foco nas perguntas norteadoras
Decidir quais questões iminentes merecem atenção mais detida, e por qual razão, é algo que requer um bom grau de curiosidade. Os líderes devem apresentar perguntas que revelem os limites do atual nível de conhecimento da empresa, a fim de que se possa identificar áreas de “ignorância coletiva” e sensibilizar a organização para o que emerge.
Em nosso estudo, descobrimos que é útil organizar as perguntas em três categorias:
Para aprender com o passado. O passado não é um indicador confiável do futuro, mas pode ajudar as organizações a identificar pontos cegos persistentes e fraquezas sistêmicas. Uma empresa de diagnósticos médicos com a qual trabalhamos, por exemplo, catalogou de forma sistemática as ameaças e oportunidades perdidas ao longo do tempo, e que poderiam ter levado a um crescimento significativo. Percebeu-se uma visão muito estreita dos gerentes. Embora fossem bons em detectar tendências tecnológicas, eram lentos na identificação de mudanças no sentimento dos consumidores e de ameaças de potenciais rivais em mercados adjacentes.
Vale a pena estudar também o passado de outros setores de atividade ou de outras regiões geográficas, inclusive, o que se pode fazer indo a outros mercados e perguntando: “Quem tem um histórico consistente de ver mais cedo e agir mais rápido?” e “Qual é o seu segredo?”. Também se pode criar postos avançados em outras regiões só para observar o passado recente dos players dali. Uma empresa de tecnologia de embalagens com sede nos EUA mantém um pequeno escritório no Japão, com um pequeno grupo de funcionários, com a missão de procurar inovações em estágios iniciais que surgem naquele país.
Para interrogar o presente. Algumas vezes, os sinais estão bem na sua frente. No entanto, mesmo os líderes mais inteligentes podem ser vítimas da racionalização excessiva dos indícios de alerta de problemas iminentes. É sua postura defensiva que filtra os sinais a fim de proteger o status quo.
Felizmente, muitas surpresas têm antecedentes que aparecem de início como desvios daquilo que é esperado – por exemplo, um parceiro de negócios começando a recrutar um tipo diferente de talento, um cliente reclamando da redução da oferta de mão de obra ou um boato de que um concorrente está cortando preços. Muitos sinais estão lá esperando para serem descobertos, como se o futuro estivesse lhe sussurrando algo. Tudo o que você precisa fazer é perguntar e saber ouvir a resposta. Clientes insatisfeitos, dispostos a buscar outros fornecedores, podem render valiosas informações. O inventário de vendas perdidas pode ser muito revelador se as pessoas estiverem abertas a ouvir a verdade e a compartilhar o que aprenderem.
Muitas empresas ainda monitoram blogs, mídias sociais, sites e salas de bate-papo para identificar sinais de “fermentação” de problemas com os clientes, com olhar voltado para as ações concretas no tempo oportuno. Organizações vigilantes prestam especial atenção para a forma como evoluem os comportamentos e as necessidades dos clientes. Um modo de fazê-lo é estudando “casos periféricos” em que sugiram oportunidades ou ameaças.
Para antecipar o futuro. Para se preparar para o que está à frente, os líderes podem desenvolver diferentes cenários que reflitam como as incertezas de hoje podem se desenrolar nos próximos anos.
Quando eles se envolvem nesse tipo de atividade, tornam-se menos propensos a descartar um sinal fraco como um mero ruído, porque não o enxergam isoladamente. Quando narrativas concorrentes de cenários são desenvolvidas, fica mais fácil conectar sinais fracos potencialmente importantes e localizá-los em um contexto mais amplo.
Por exemplo, a decisão de um concorrente de reduzir os preços pode não parecer particularmente notável, mas em um cenário em que essa atitude está ligada a novas regulamentações ou ao fato de clientes estarem migrando para outra marca, isso pode se tornar bastante relevante.
Para estimular o planejamento de cenários, os líderes devem apresentar questões norteadoras sobre o futuro. Por exemplo: “Que surpresas podem realmente nos prejudicar (ou nos ajudar)?” e “Que surpresas podem surgir no futuro e ser tão importantes como aquelas que vimos nas últimas décadas?”.
TERCEIRO PASSO – Exame ativo para explorar mais
Os sinais precisam ser desafiados, não estão escritos em pedra. Por exemplo, uma empresa de seguros de automóveis observou que seus clientes não estavam renovando seus contratos tão frequentemente quanto faziam no passado, mas acabavam voltando mais tarde. Por que eles estavam saindo, em primeiro lugar? Diferentemente da suposição inicial dos gestores, não havia relação com os preços. Ouvindo com atenção os clientes que não renovavam, a empresa descobriu que alguns concorrentes andavam mais flexíveis em relação à cobertura e a outros aspectos do contrato, e que os clientes muitas vezes tinham necessidades não atendidas de cobertura de curto prazo. Essas conversas com clientes “infiéis” são uma forma de exame ativo active scanning, em inglês. Desafiaram a crença de que o preço era questão central e levaram a empresa a oferecer coberturas de curto prazo.
O exame ativo se baseia em um método científico: começa com um conjunto de hipóteses, que são, então, testadas e revistas a partir da disponibilidade de novos dados. Tem como raiz um profundo senso de curiosidade e exploração.
Richard Buckminster Fuller, arquiteto e visionário norte-americano conhecido por criar a cúpula geodésica (uma estrutura modelada a partir da colmeia de abelhas), tratou a resolução de problemas de modo semelhante. Ele teve muitas de suas ideias estudando a natureza e fazendo perguntas sobre o mundo ao seu redor. Para onde quer que viajasse, Fuller pegava revistas locais e se obrigava a ler tudo, de ponta a ponta, independentemente do tema das matérias. Assim, buscou escapar de bolhas de informação e câmaras de ressonância, expondo-se a pensamentos divergentes e examinando possibilidades de fora para dentro. Líderes que adotam esses mesmos comportamentos, e os cultivam em suas organizações, são capazes de ver o mundo com olhos frescos e fazer conexões surpreendentes.
Como estimular pensamentos divergentes. Um amplo leque de ideias, muitas vezes opostas, provenientes de uma boa variedade de fontes, pode levar a reflexões mais profundas, desde que o conflito intelectual que geram seja bem administrado.
Para fazer isso, os líderes precisam estabelecer uma norma de tolerância e abertura, mesmo quando as contribuições são claramente contraditórias. “Você não precisa de outro você”, costuma dizer Hala Moddelmog, a ex-presidente da rede de restaurantes Arby. Permanecer aberto a diferentes pontos de vista ajuda o líder a escapar de seus próprios “antolhos” e libera seus olhos para informações e soluções que antes não seriam levadas em consideração.
A maioria das organizações já conta com pessoas que pensam de modo independente. O problema está no fato de elas geralmente não se sentirem confortáveis para compartilhar seus sentimentos e suas preocupações com a liderança da organização, e isso precisa ser providenciado. Além disso, as organizações vigilantes devem buscar o envolvimento dos funcionários em múltiplos níveis. Juntas, essas táticas ajudarão a promover uma cultura baseada na curiosidade e na capacidade de fazer perguntas, que está preparada para detectar oportunidades e desarmar os problemas antes que eles explodam.
Embora os perigos do pensamento de grupo sejam amplamente conhecidos, muitos líderes ainda precisam lutar contra esse problema. Ray Dalio, fundador e copresidente da Bridgewater Associates, um dos maiores e mais bem-sucedidos fundo de investimentos do mundo, tenta criar um ambiente à prova de pensamento de grupo e coloca o que ele chama de “transparência radical” no topo da sua lista de prioridades. Na prática, isso inclui não falar das pessoas pelas costas e tratar as divergências de maneira aberta e construtiva. É claro que, quando se trata de promover a transparência, é mais fácil falar do que fazer, pois a aversão ao conflito pode sabotar a discussão honesta. Em tais situações, Dalio dobra a aposta pela transparência radical. Exemplo: quando ele soube que um colega de nível sênior questionou seu compromisso com um plano de sucessão, reclamou publicamente por não saber da insatisfação do outro diretamente.
Como pensar de fora para dentro. Líderes vigilantes sabem ver as coisas com os olhos dos clientes e concorrentes, fazendo-se continuamente perguntas do tipo “Como nossos clientes estão mudando?”, “Quais são suas novas necessidades?”. A partir daí é possível contemplar como um novo entrante pode lançar um ataque ao negócio. Uma equipe multifuncional que inclua pessoas de fora da organização ajuda a olhar de fora para dentro. Isso vai contra o que muitas organizações fazem, que é operar de dentro para fora.
QUARTO PASSO – Que sinais amplificar e esclarecer
Por meio da varredura que fazem, e com a análise ativa, as empresas geralmente identificam muito mais sinais do que podem processar. Por isso, as lideranças precisam desenvolver formas de selecionar os sinais mais interessantes. Três abordagens úteis são sondar a “sabedoria popular”, alavancar a rede de parceiros, esclarecer por triangulação.
Sondar a “sabedoria popular”. Estudos têm demonstrado que os grupos são frequentemente melhores do que os indivíduos em fazer julgamentos precisos. Indivíduos detêm apenas informações parciais, enquanto grupos de pessoas com diferentes habilidades são coletivamente mais inteligentes do que os indivíduos que os compõem.
Alavancar a rede estendida. Parceiros, fornecedores, distribuidores, pesquisadores e consultores permitem à organização estender a riqueza de seus sistemas de vigilância sem o risco de sobrecarregar sua própria capacidade de absorver sinais fracos. A Apple, por exemplo, mantém relações com mais de um milhão de desenvolvedores de software, milhares de fabricantes de acessórios e uma ampla gama de fornecedores de conteúdo. E cada um desses parceiros tem a capacidade de captar sinais fracos, como avisos precoces sobre problemas de software, de coleta de dados etc.
Esclarecer por triangulação. Tal como um sistema de GPS usa três coordenadas para localizar um veículo no mapa, os gestores podem desenvolver percepções mais aguçadas recorrendo a múltiplos métodos de questionamento e diferentes pontos de vista. Essa é a essência do bom jornalismo e da boa ciência e, também, da boa vigilância, para evitar possíveis vieses e sinais enganosos.
Quando os ambientes são caracterizados pela incerteza e pela mudança, as empresas que fazem boas perguntas levam vantagem. No entanto, os líderes vigilantes precisam conter sua ansiedade pelas respostas a essas perguntas. Sete práticas ajudam: (1) manter a mente aberta e trabalhar com a ideia de hipóteses e viagens exploratórias; (2) evitar a distração do excesso de sinais com perguntas norteadoras que foquem a atenção coletiva; (3) exercitar a empatia nas abordagens de fora para dentro a fim de compreender clientes e rivais; (4) estimular a curiosidade natural das pessoas; (5) investir em redes profissionais e pessoais para ampliar seu radar; (6) criar momentos “sair para a varanda” a fim de se distanciar dos prolemas e ter uma perspectiva mais ampla; e (7) incentivar as pessoas a admitir o que não sabem, para que não tentem fazer adivinhações e para que não tirem conclusões precipitadas que atrapalhem o sistema de vigilância.
A detecção criteriosa da necessidade de mudanças permite acertar o timing da decisão e dá flexibilidade e profundidade para agir com mais confiança na hora certa.