Subestimar colaboradores e consumidores mais velhos faz as organizações perderem talentos e oportunidades. Saiba como identificar o etarismo e embarcar na “economia prateada”
A “economia da longevidade” – que valoriza quem tem mais de 50 anos, como profissionais e consumidores – ainda não está sendo explorada por muitas organizações. É um grupo demográfico ignorado, embora detenha cerca de 80% da riqueza das famílias dos Estados Unidos e seja responsável por metade do consumo.
[No Brasil, onde esse recorte também é conhecido como “economia prateada”, o público 50+ movimenta R$ 1,6 trilhão por ano e constitui um grupo de 54 milhões de consumidores, que pode chegar a 90 milhões até 2045, segundo projeção do Instituto Locomotiva.]
Muitas pessoas que estão nessa faixa etária querem continuar trabalhando mesmo depois de terem atingido a idade da aposentadoria. Mas descobrem que suas habilidades profissionais são subvalorizadas ou desconsideradas.
Poucas empresas desenvolveram uma estratégia abrangente para explorar o potencial de quem tem mais de 50 anos – como clientes ou como colaboradores. Isso apesar de o censo americano apontar que, até 2034, a população de idosos deverá superar a de crianças pela primeira vez na história dos Estados Unidos – no Brasil, isso pode acontecer em 2030, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Por trás dos talentos perdidos e das oportunidades de marketing estão os custos humanos. Como gerontologista e consultor, entrevistei centenas de pessoas na faixa etária de mais de 50 anos sobre suas histórias de vida, circunstâncias atuais e aspirações.
Um tema sempre surge: a sensação de gradualmente perder a relevância. É como se o mundo não fosse mais projetado com eles em mente. Veem anúncios que os ignoram, exploram ou zombam, lidam com embalagens frustrantes e com políticas de aposentadoria compulsória que não consideram seu desejo e sua capacidade para o trabalho.
Esses sentimentos permeiam seus papéis como consumidores e profissionais. Muitos aceitam resignadamente essa situação como parte inevitável do envelhecimento. Não se trata de uma leve frustração pessoal, e sim de uma sensação real de desconexão e marginalização da comunidade e da sociedade.
Essa desconexão do mercado – e seu impacto sobre as pessoas – se deve em grande parte ao etarismo, um preconceito em relação à idade que estereotipa os 50+ como pessoas improdutivas, irrelevantes e alienadas.
Em uma pesquisa da University of Michigan, nos Estados Unidos, 82% dos americanos com mais de 50 anos afirmaram que são discriminados diariamente, e dois terços relataram sofrer preconceito no trabalho.
O alarmante é que esse tipo de preconceito é amplamente tolerado. Quando foi a última vez que você ouviu falar de alguém sendo “cancelado” por uma piada sobre idade?
Joseph Coughlin, diretor do MIT AgeLab, observou que o etarismo está tão arraigado em nossa cultura que mesmo as organizações que se comprometem a incluir as pessoas mais velhas muitas vezes não percebem o peso do preconceito de idade. Sua natureza inconsciente torna essa discriminação insidiosa, difícil de ser detectada.
Muitos líderes com quem conversei estão cientes das implicações do etarismo na estratégia de valorização de talentos e do potencial da economia prateada, mas não sabem como transformar essa conscientização em ação.
Trabalhando com organizações que buscam aproveitar a economia da longevidade, desenvolvi um framework de avaliação consciente da idade, o Age AWARE Audit. A sigla AWARE, em inglês, concentra as cinco áreas em que o etarismo ocorre com frequência:
● Acessibilidade/design.
● Local de trabalho.
● Adaptabilidade.
● Representação.
● Engajamento.
Usar esse framework ajuda os líderes a expor práticas etaristas que são sutis – e a aproveitar a economia da longevidade. A conscientização sobre questões relacionadas à idade passa pelo exame dessas cinco áreas interconectadas para desafiar preconceitos, descobrir oportunidades e afirmar o valor dos adultos mais velhos como clientes, funcionários e stakeholders.
Agora, aos 61 anos, passei por essas experiências profissionalmente e pessoalmente. Essa dupla perspectiva moldou o desenvolvimento da estrutura para abordar os desafios do mundo real enfrentados por empresas e adultos seniores.
As organizações que buscam realizar uma auditoria de etarismo usando uma estrutura como essa podem optar por usar uma equipe interna, especialistas externos ou pesquisas para começar. Essas perguntas iniciais provavelmente servirão como um trampolim, pois dentro de cada pergunta há potencialmente muitas outras.
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Com frequência, essas perguntas revelam questões mais profundas e geram investigações mais específicas sobre os desafios e oportunidades de uma organização. À medida que você se aprofundar, espere descobrir aspectos sutis do etarismo que podem ser exclusivos do seu setor, da cultura da empresa ou até de determinados departamentos. Um ponto inegociável, no entanto, é capacitar sua equipe de auditoria para investigar profundamente, desafiar suposições e propor mudanças ousadas.
Ao longo do processo, tenha em mente estes princípios orientadores:
Agora, vamos examinar as perguntas e o que elas podem fazer por sua organização.
Uma empresa consciente sobre questões relacionadas à idade garante que produtos físicos e digitais, serviços e espaços acomodem mudanças relacionadas ao envelhecimento, como as que ocorrem com habilidades sensoriais, cognitivas e físicas. Dessa forma, melhoram a usabilidade para todas as idades, sem estigmatização.
Como observou Kat Holmes, diretora de design da Salesforce e autora de “Mismatch: How Inclusion Shapes Design”, “o design é essencial para o crescimento inclusivo”. Esforços para melhorar a acessibilidade ajuda a organização a expandir seu alcance de mercado, melhorar a experiência dos usuários e construir uma reputação como uma marca socialmente responsável e inclusiva.
Perguntas a fazer
Exemplos do etarismo oculto
Organizações não etaristas criam um ambiente em que se aproveitam os pontos fortes de todas as gerações e que valoriza a experiência, promove a inovação em todas as faixas etárias e apoia as necessidades e as aspirações de evolução dos colaboradores mais velhos.
Como afirmam os pesquisadores sobre envelhecimento Catherine Collinson e Michael Hodin, uma força de trabalho multigeracional “traz uma empolgante variedade de habilidades e conhecimentos, perspectivas e experiências de vida que podem melhorar a inovação, a produtividade e o desempenho geral de uma organização”.
Iniciativas nessa área fortalecem a marca empregadora para atrair talentos diversos, melhorar a retenção e transferência de conhecimento e criar uma cultura mais inclusiva e resiliente.
Perguntas a fazer
Exemplos do etarismo oculto
Para se alinhar com as mudanças demográficas e se adaptar às alterações na dinâmica de mercado e na composição da força de trabalho, as organizações devem aprimorar suas estratégias e práticas e considerar um mercado mais amplo, levando a idade em consideração.
O crescimento da população americana acima de 50 anos não é apenas uma tendência passageira: o Boston Consulting Group (BCG) observou que “essa demografia continuará a crescer em tamanho e importância por décadas”. No Brasil, o cenário é semelhante: o percentual de brasileiros com 60 anos ou mais passou de 6,1% em 1980 para 15,8% em 2022, de acordo com o Censo Demográfico realizado pelo IBGE.
Perguntas a fazer
Exemplos do etarismo oculto
Uma abordagem positiva é retratar a diversidade dos idosos de forma autêntica em todas as comunicações, rejeitando estereótipos ao refletir estilos de vida, habilidades e contribuições. Entre as imagens de publicidade online que mostram adultos, apenas 15% das pessoas têm mais de 50 anos, de acordo com uma pesquisa realizada pela AARP (associação americana de pessoas aposentadas).
Melhorias nessa representação são um caminho para aumentar a lealdade à marca entre consumidores mais velhos e promover a colaboração intergeracional.
Perguntas a fazer
Exemplos do etarismo oculto
Uma empresa consciente das questões relacionadas à idade desenvolve conexões significativas com as populações mais velhas em todas as suas operações, reconhecendo seu valor multifacetado como consumidores, funcionários e stakeholders.
O BCG relatou que consumidores 50+ “têm um imenso poder de compra, gastam mais do que outros grupos etários em compras individuais, demonstram forte lealdade à marca e exercem uma influência surpreendente sobre consumidores mais jovens.”
As iniciativas de engajamento, intimamente ligadas à adaptabilidade e à representação, podem ajudar uma organização a aumentar a participação de mercado entre os consumidores mais velhos, adaptar a inovação às mudanças demográficas e fortalecer sua reputação com práticas inclusivas.
Perguntas a fazer
Exemplos do etarismo oculto
Fazer essas perguntas desafia as organizações a repensar como abordam o envelhecimento da população e a descobrir vieses que limitam o seu crescimento. Ao analisar esses cinco fatores para descobrir o etarismo oculto, as empresas podem encontrar novas oportunidades de negócio e promover a inclusão.
Um exemplo: após o levantamento, uma marca de analgésicos de venda livre com a qual trabalhei teve um aumento de vendas entre clientes com mais de 50 anos depois de melhorar a legibilidade do rótulo e ajustar seu marketing para retratar idosos ativos.
UMA EMPRESA DE SOFTWARE PERCEBEU UMA REDUÇÃO na rotatividade entre os funcionários mais velhos e um aumento na transferência de conhecimento por meio de um programa de treinamento e orientação inclusivo para a idade.
E um promotor regional de shows expandiu sua presença no mercado reservando mais shows que atraíam a geração dos baby boomers, um público amante de música ao vivo. Ao aplicar essa estrutura à sua organização, você pode fortalecer sua marca e construir o lugar de sua empresa na economia da longevidade.