Exemplos ao longo da história comprovam a eficácia no uso dos computadores para a melhoria do aprendizado em diferentes países e contextos sociais, desagradando pessoas e empresas que são relutantes no uso de novas tecnologias na educação
“Ainda há muito questionamento sobre o uso de computadores para transformar a aprendizagem. As tecnologias exponenciais deixam os mais céticos de cabelos em pé quando se fala em tecnologia aplicada à educação. Entretanto, a discussão não é nova e há exemplos de sobra para apostar no uso de computadores como meio para a disrupção da educação.
Em 1966, o filósofo americano Patrick Suppes publicou um artigo defendendo o uso dos computadores na educação, por duas razões principais: (1) facilita a individualização da instrução, pois pode ser programado para acompanhar a história de sucesso e fracasso de cada aluno. O computador ainda pode ser usado para medir atuações passadas, servindo ainda de base para selecionar novos problemas e novos conceitos; (2) pode fornecer informações diárias sobre como os alunos estão se apresentando em cada parte do currículo, tornando possível avaliar não apenas páginas individuais, mas também os exercícios individuais.
Em outro contexto, Sugata Mitra abriu um buraco no muro que separava seu escritório de uma favela em Nova Déli, Índia, e colocou um computador conectado à internet em um browser. Embora as crianças da favela não soubessem falar inglês, nem usar o computador, o aprendizado aconteceu. Um dos experimentos de Mitra revelou que uma comunidade de crianças de 12 anos conseguiu aprender biotecnologia em cerca de quatro meses, com índice de retenção de 50%, o mesmo percentual de crianças do ensino médio que estudavam biotecnologia nas melhores escolas de Nova Déli.
Mitra criou “ambientes de aprendizado auto-organizados” em países ao redor do mundo. As AAAOS, como são chamadas, são simples estações de trabalho com um computador e bancos na frente. Os computadores estão ligados ao que Mitra chama de “nuvem das vovós”, literalmente um grupo de avós recrutadas em todo Reino Unido que concordaram em doar uma hora por semana de seu tempo para orientar essas crianças via Skype. Em médias, as “nuvens das vovós” conseguem aumentar as notas nos testes em 25%. A educação minimamente invasiva não requer professores, mas necessita que os alunos aprendam sozinhos, com incentivos das “vovós”.
Paralelamente, Seymour Papert e Marvin Minsky fundaram o Artificial Intelligence Lab, na década de 1970, no Machachuts Institute of Tecnology (MIT) e divulgaram o célebre artigo Teaching Children Thinking (Ensinando as Crianças a Pensar). O trabalho defende que as crianças aprendem pela “construção” e não pela “instrução”.
Em outro exemplo, a ideia de Seymour Papert de que computadores poderiam contribuir para fornecer uma educação de qualidade entusiasmou Nicholas Negroponte, um dos criadores da era da Informação, fundador do Architecture Machine Group e um dos fundadores do Media Lab, ambos do MIT.
A euforia de Negroponte com a proposta de Papert viabilizou a entrega de Apple II a alunos em Dacar, Senegal, confirmando o que Mira já havia observado: crianças adaptam-se a computadores tão rapidamente quanto qualquer outra. A partir disso, surgiu a “escola do futuro”. O OLPC (no original, One Laptop Per Child, OLPC) visa prover cada criança no planeta com um laptop, de baixo custo, com baixo consumo de energia e conectado à internet.
Mais recentemente, a Narxoz University, no Cazaquistão, conduziu dois projetos pilotos com base nas premissas de que o ensino online e blended são grandes oportunidades de melhorar a qualidade do aprendizado. Krzysztof Rybinsk e Erik Sootla fizeram uma transição do formato tradicional de aula, onde professores ensinam e alunos ouvem, para a metodologia de sala de aula invertida (flipped classroom). Na prática, os alunos assistiram aos vídeos das aulas, ou utilizam materiais interativos de e-learning, para depois irem à sala de aula com o objetivo de discutir ou fazer apresentações sobre o que foi tratado na parte online.
Quando comparados os resultados do ensino tradicional, o ensino via MOOC e a sala de aula invertida, a performance e a satisfação dos alunos foram superiores no modelo novo proposto. O resultado foi calculado no estudo pelo Grade Point Average (GPA), uma padronização de mensuração de aprendizado calculado pela média das notas.
Além disso, um focus group mostrou que ao fim de cada semestre os alunos que cursavam o formado experimental de ensino conseguiam adquirir competências mais complexas, incluindo as comportamentais (soft skills).
Mais de 50 anos depois, Suppes estava certo: o uso de computadores transforma a aprendizagem. Sugata Mitra, Seymour Papert, Marvin Minsky, Krzysztof Rybinsk e Erik Sootla são prova disso. Das diversas mazelas educacionais que a tecnologia pode contribuir, destaco a estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU) de uma escassez de 18 milhões de professores até 2024. A educação convencional sem apoio de tecnologia provavelmente não conseguirá resolver essa questão, mas com apoio das tecnologias essa realidade pode ser alterada para o bem da educação e dos alunos.
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