
O valor da IA não está em promessas futurísticas, mas na capacidade de entregar soluções concretas no presente
Na segunda metade deste SxSW 2025 (South by SouthWest, evento de inovação e tendências), em que a maioria da delegação brasileira já se foi de Austin (EUA), experts de grandes empresas americanas intensificaram as discussões sobre o futuro dos negócios a partir dos temas fundamentais da IA e da computação quântica.
Quando falo de futuro dos negócios, não estou me referindo àquele futuro “geracional” cuja responsabilidade a gente está acostumado a entregar aos nossos netos e bisnetos. Voz corrente nas sessões do SxSW é que o ponto de inflexão (turning point) de impacto da IA nas rotas de nossas vidas, pessoal e profissional, é de curto prazo.
A sessão que acabei de acompanhar – “Beyond AI Hype – Customer Centricity Tech Strategies” (além do hype da IA – estratégias tecnológicas centradas no cliente, em livre tradução), com Kelly Smith Kenny, executiva-chefe de marketing e crescimento (CMGO, na sigla em inglês) da AT&T, Prat Vemana, executivo-chefe de TI (CIO, na sigla em inglês) da Target e Jason Bornbaum, CIO da United Airlines –, é um ótimo exemplo disso.
O discurso otimista sobre IA não é novidade, mas a conversa aqui em Austin tem um tom diferente. As empresas que realmente estão utilizando essa tecnologia de forma estratégica já entenderam que o valor da IA não está em promessas futurísticas, mas sim na capacidade de entregar soluções concretas no presente.
A United Airlines, por exemplo, apresentou um case que ilustra bem essa virada: seu programa “Every Flight Has a Story” (cada voo tem uma história, em tradução livre) usa IA generativa para transformar dados operacionais e conversas internas em atualizações personalizadas para passageiros e funcionários.
O objetivo dessa iniciativa da empresa, lançada em 2018, é melhorar a comunicação com os passageiros durante atrasos ou cancelamentos de voos. Em vez de fornecer apenas informações genéricas, como “atraso devido a manutenção”, o programa busca oferecer detalhes específicos e personalizados sobre o motivo do atraso, como questões mecânicas específicas ou a espera por passageiros de conexão.
A United Airlines contratou uma equipe de storytellers (contadores de histórias) cujo papel principal é transformar jargões complexos da aviação em mensagens claras e empáticas para os passageiros e funcionários.
Esses profissionais atuam como quarterbacks (metáfora dada pelo executivo, em referência aos jogadores do futebol americano que lançam a bola) da comunicação, garantindo que as informações sejam precisas e transmitidas de forma oportuna. A iniciativa visa aumentar a confiança dos passageiros, reduzindo a ansiedade e o estresse ao fornecer transparência sobre o que está acontecendo.
Atualmente, cerca de 15% dos voos com problemas recebem mensagens personalizadas, mas a United está testando o uso de inteligência artificial generativa para expandir essa capacidade para até 50% dos voos. Os storytellers continuarão a revisar e ajustar as mensagens geradas pela IA para garantir que sejam adequadas e úteis.
Isso não só melhora a experiência do cliente, mas também empodera os funcionários, evitando aquele momento desconfortável em que o passageiro sabe tanto (ou mais) do que o atendente no balcão.
Da mesma forma, a AT&T tem utilizado IA para prever falhas na rede antes mesmo de acontecerem, ajustando automaticamente o posicionamento de antenas e otimizando o uso de energia. A Target, por sua vez, está aplicando IA em recomendações hiperpersonalizadas de produtos, criando um ambiente de compra muito mais intuitivo e eficiente.
A grande questão que ronda todas essas implementações de IA não é se a tecnologia funciona — isso já está claro. O ponto de atenção, e que muitos líderes aqui em Austin reforçaram, é como a IA pode ser implementada sem desumanizar a experiência.
Jason Bornbaum, da United, resumiu bem: “Nosso objetivo não é substituir o fator humano, mas ampliar a capacidade de nossos funcionários para que possam realmente ser os heróis da experiência do cliente”.
Isso fica evidente na forma como essas empresas estão repensando o atendimento ao consumidor. Em vez de simplesmente automatizar processos e cortar custos, a abordagem vencedora tem sido usar IA para eliminar burocracias e permitir que os funcionários foquem em interações mais significativas.
A AT&T relatou um aumento na satisfação dos atendentes de lojas após a implementação de IA, justamente porque agora a empresa consegue empoderar os funcionários das linhas de frente para resolver problemas complexos. Afinal, a IA captura as informações internas e as leva para a ponta de forma “traduzida”, vencendo antigos gargalos burocráticos da corporação.
O painel também trouxe um consenso sobre como implementar IA de forma eficaz: experimentação ágil.
O tema não é novo – vide o fail fast, modelo que pressupõe realizar testes o quanto antes para corrigir erros –, mas Prat Vemana, da Target, destacou que sua equipe já testou mais de 200 modelos de IA apenas para otimizar rankings de busca no e-commerce.
O aprendizado? Não basta adotar IA de forma superficial; é preciso estar disposto a testar, falhar rápido e ajustar constantemente.
Mas, para que essa cultura de experimentação funcione, é essencial quebrar silos internos. Empresas que tentam empurrar IA apenas via departamento de TI, sem envolver jurídico, compliance, atendimento e operações desde o início, acabam tropeçando na implementação. Kelly Smith Kenny, da AT&T, enfatizou isso: “Se você ainda não trouxe seu time jurídico para a conversa sobre IA, já está atrasado”.
A sensação geral aqui no SxSW 2025 é a de que estamos no início da revolução tecnológica – sendo que achávamos estar dentro dela há tempos. O paralelo com o surgimento dos smartphones em 2007 foi mencionado mais de uma vez: na época, ninguém imaginava que um simples celular redefiniria todas as interações de consumo. Com a IA, a história pode se repetir.
Os líderes que se destacam hoje são os que já entenderam que IA não é só mais um “departamento de inovação” dentro das empresas, mas um motor central de transformação.
As perguntas-chave deixadas pelo painel são claras: como sua empresa está utilizando IA para eliminar fricções reais na jornada do cliente? Como você está empoderando seus funcionários em vez de apenas automatizar funções? E, acima de tudo, você está tratando IA como um hype ou como uma ferramenta estratégica real?
Kelly Smith Kenny, da AT&T, deu uma dica preciosa: IA não é ferramenta de líder, mas da companhia toda.
Não deixe de dar muito espaço para a geração Z dar ideias de como o trabalho poderia ser melhor realizado e otimizado com IA. Delegue para eles a responsabilidade de pensar processos com IA; o resultado é surpreendente.
Acho que o caminho está trilhado. O desafio agora é como cada empresa vai traduzir isso para a sua realidade.