Na estratégica gestão de pessoas, deveríamos fazer o trabalho pouco “sexy” de entender os indivíduos à nossa frente como são, sem recorrer a classificações usadas para vender roupa ou sabão em pó
Alguns meses atrás, ouvi de um diretor uma história que mais parecia anedota do que real. Ele se voluntariara para ser mentor em um programa formal da empresa e, em uma sessão com seu mentorado (uns 30 anos mais jovem), acordaram que o jovem faria um plano de desenvolvimento de curto, médio e longo prazo. O mentor imaginou algo de 6 meses, 1 ou 2 anos e 5 anos. Na sessão seguinte, seu mentorado trouxe o plano todo desenhado: três, seis e doze meses. O executivo ficou em choque quando percebeu qual era a distância entre a maneira de pensar e planejar de um e de outro.
Muitos estereótipos são associados aos jovens, principalmente aos que viveram sua infância no final dos anos 1990. Só para contextualizar, esse pessoal fez parte da geração que assistiu à transformação da sociedade que antes tinha acesso limitado à informação e agora vive de maneira hiperconectada e, em tempo real, sabe o que está acontecendo do outro lado do mundo.
Muitos dizem que a cultura atual é a da velocidade e do imediatismo e que os jovens são impacientes. Mas como “treinar” ser paciente se você não precisou exercitar essa competência? Se, quando pequenos, quisessem assistir a um conteúdo na TV, era só conectarem. Se quisessem falar com alguém, não precisavam ir para a fila do telefone público ou esperar até a meia noite para pagar ligação com tarifa reduzida. Se tiverem dúvida sobre qualquer coisa é só perguntar para o Google, como diz a minha filha de 6 anos. A geração que nunca precisou esperar agora é rotulada de mimada e que não sabe o que quer na vida.
Discutindo o tema outro dia na reunião do comitê de diversidade da empresa, ouvimos o mentor que mencionei no início do texto dizer que costumava olhar com viés crítico os currículos que tinham um “pula-pula” de empresas a cada dois ou três anos. Já um dos nossos millennials contou que seus amigos o questionam sobre o fato de ele trabalhar há 4 anos na mesma empresa. Quando perguntamos o que o motiva a continuar após “tanto” tempo, ele responde que há três fatores principais: ele tem espaço para inovar e criar projetos; a empresa está alinhada com seu propósito e valores pessoais; e tem espaço para participar de projetos em outras áreas que não somente a que ele atua.
Ele é um dos ex-trainees da Oracle que planejou e liderou com outros quatro jovens o programa revolucionário de contratação de estagiários usando entrevistas às cegas. Só para que tenham uma dimensão do programa, entre os mais de 11 mil inscritos na América Latina, temos histórias como a de um pai de 42 anos e uma filha de 18 anos, ambos concorrendo pela mesma vaga. Entre os estagiários aprovados, pessoas de diferentes idades como a Lia, de 33 anos, com dois filhos pequenos e Adrian de 46 anos, pai de duas jovens universitárias. Ambos, ESTAGIÁRIOS.
E isso tudo acontecendo nesse momento nas empresas e com ações ainda muito embrionárias de como devemos lidar. Jessica Kriegel, especialista em estudos geracionais e autora do livro “Unfairly Labeled: How your workplace can benefit from ditching generational stereotypes“, afirma que a estereotipagem excessiva sobre os millennials está prejudicando as grandes empresas. E que não existe uma receita única de como gerenciar, recrutar ou engajar essa geração. Segundo ela, em vez disso, deveríamos fazer o trabalho pouco “sexy” de entender os indivíduos à nossa frente – suas motivações, tendências, peculiaridades de personalidade e preferências, bem como evitar a discriminação baseada em pré-conceitos.
Nas minhas conversas com executivos e executivas, o que mais escuto é: “meus filhos adolescentes e millennials têm provocado discussões dentro de casa que vão parar na mesa da sala da presidência da empresa”. E se considerarmos que, até 2025 quase, 75% da força de trabalho mundial será dessa geração, a pergunta que fazemos é: esses jovens vão querer trabalhar na sua empresa? Estamos nos preparando para isso? Se a resposta for não ou não sei, está na hora de começar a pensar.
Só para não esquecermos: o valor de cada geração precisa ser compreendido pelas empresas de maneira estratégica, deixando de lado classificações usadas para vender roupa ou sabão em pó. Estamos vivendo mais e melhor e, se consideramos o número de pessoas da geração baby-boomer (nascidos entre 1945 e 1970) que consomem e utilizam tecnologia em seu dia a dia, é imprescindível considerá-las na hora de lançar produtos e soluções, como por exemplo, aplicativos bancários. Tanto bancos quanto fintechs incentivam massivamente seus clientes a usarem exclusivamente seus serviços digitais. Mas quantas vagas de designer de experiência (user experience ou UX) ou designer de interface (user interface ou UI) buscam profissionais acima de 60 anos? Vocês já se perguntaram que a experiência de usar um aplicativo bancário para uma pessoa com essa idade pode ser muito diferente de um usuário de 20 ou 30 anos?
Se, na sua empresa, ainda há o argumento de que “não temos tempo nem dinheiro para tratar todos de maneira diferente”, está na hora de repensar aquela regra antiga de tratar as pessoas como você gostaria de ser tratado. A regra de ouro atual, e de todas as gerações, é “trate as pessoas como elas gostariam de ser tratadas”.