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Web3 e o novo modelo de construção de organizações

Neste cenário, os fundadores das organizações devem ter um propósito, desenvolver uma comunidade e combinar suas estratégias de crescimento e incentivos comunitários de acordo com sua estrutura e o tipo de incentivo econômico adotado por seu projeto

Tatiana Revoredo
12 de julho de 2024
Web3 e o novo modelo de construção de organizações
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Web3 não é só o próximo estágio da World Wide Web. Ela inaugura um novo modo de lançar produtos e serviços no mercado, e construir organizações. Mas como se começa do zero? Como conquistar clientes? Como criar efeitos de rede para estimular que ainda mais clientes embarquem em determinado mercado na web3?

Neste artigo, abordaremos as diferentes estratégias de posicionamento de produtos e serviços no mercado web2 e web3.

Da estratégia tradicional para um novo modelo de construção de negócios na web3

Web2 e o posicionamento de produtos e serviços no mercado

Na web2, os produtos e serviços são centralizados e a grande maioria do valor é acumulado para a própria plataforma e não para os usuários.

Na web2, em grande parte controlada por empresas agregadoras e orquestradoras de redes – como Amazon, Apple, Meta e Ebay – com uma liderança centralizada responsável por todas as decisões sobre produtos e serviços, a grande maioria do valor é acumulado para a própria plataforma e não para usuários e criadores de valor.

Não à toa, nesta fase da web, a estratégia go-to-market (GTM), isto é, o plano para uma empresa começar do zero e posicionar qualquer produto ou serviço no mercado, é basicamente o mesmo: aportar capital significativo em equipes de vendas e marketing, se concentrando na geração de leads e na aquisição e retenção de clientes.

Mas será que esta estratégia tradicional de go-to-market funciona na web3, onde um novo modelo totalmente novo de construção de organizações está surgindo?

Web3 e o surgimento de um novo modelo de construção de organizações

Na web3, tecnologias descentralizadas colocam usuários e clientes na posse e propriedade de seus ativos via tokens, e o valor deixa de ser controlado por corporações. E este novo modelo de criação de valor da web3 cria novos tipos de empresas, e muda totalmente a ideia do GTM.

E ainda que algumas estruturas tradicionais de aquisição de clientes ainda possam permanecer relevantes na web3, a introdução de tokens e de novas estruturas organizacionais – como as DAOs – requer novas abordagens de GTM .

Por isso, nos próximos tópicos veremos novas formas de pensar sobre GTM para os diferentes tipos de organizações que podem existir no ecossistema web3.

Como tokens mudam a abordagem tradicional da inicialização de novas redes

O go-to-market passa necessariamente pela conscientização e geração de leads à conversão e retenção de clientes, o que é conhecido pela maioria das empresas como conceito do funil de aquisição de clientes.

A tradicional abordagem GTM na web2 ataca o “problema do começo do zero” (cold start problem, em inglês) sob uma perspectiva linear de aquisição de clientes

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, abrangendo áreas como preços, marketing, parcerias, mapeamento de canais e otimização de vendas. Na web2, as métricas de sucesso compreendem o tempo para fechar um lead, a taxa de click-through do site e a receita por cliente, dentre outros.

Contudo, a web3 altera toda a abordagem para a inicialização de novas redes. E isto ocorre porque os tokens mudam a abordagem tradicional do posicionamento de produtos e serviços no mercado web3.

Ou seja, ao invés do aporte de capital em marketing tradicional para atrair e conquistar clientes potenciais, equipes de desenvolvedores podem usar tokens para atrair early adopters (usuários iniciais, na tradução), devidamente recompensados por suas contribuições quando os efeitos da rede ainda não estão óbvios ou ainda não começaram.

É importante destacar o papel essencial dos primeiros usuários na inicialização de redes da web3, dado que eles acabam se tornando evangelistas, que trazem para a rede mais pessoas que também gostariam de ser recompensados por suas contribuições.

Ora, isto é totalmente diferente do que acontece no tradicional posicionamento inicial de produtos e serviços, onde as empresas incentivam seus funcionários através do patrimônio, e raramente incentivam financeiramente os clientes de forma duradoura – a não ser através de descontos de aquisição ou bônus de indicação.

Em resumo, na web2, o principal stakeholder no GTM é o cliente – normalmente conquistado através de esforços de vendas e marketing. Já na web3, os stakeholders GTM de uma organização incluem não apenas seus clientes/usuários, mas também seus desenvolvedores, investidores e parceiros.

Daí porque, muitas empresas consideram que as comunidades são a chave para este novo modelo de construção de organizações na web3 – e não vendas e marketing.

Pois bem, agora que já entendemos porque o posicionamento de produtos e serviços no mercado web3 demanda abordagens diferentes do mercado web2, vamos avançar mais um pouco e compreender como a estrutura organizacional e incentivos econômicos afetam a estratégia GTM.

As abordagens GTM web3 e web2

Tanto a estrutura organizacional (centralizada versus descentralizada), quanto os incentivos econômicos (sem token versus com token) das organizações web3 impactam na escolha da estratégia GTM.

Assim, vejamos as estratégias possíveis, de acordo com as peculiaridades de cada um dos tipos organizacionais possíveis na web3

Organizações descentralizadas com token: estratégia geral GTM web3 a longo prazo

As organizações, redes e protocolos com modelos de operação web3 exclusivos necessariamente demandam novas estratégias GTM.

E apesar de começarem com uma equipe central de pessoal operacional e desenvolvimento, tais organizações seguem um modelo descentralizado de estrutura organizacional e usam “”token economics“” para atrair novos membros, recompensar parceiros e alinhar os incentivos entre os participantes.

Pois bem, a diferença fundamental entre este tipo de organização web3 e as empresas com um modelo mais tradicional de GTM reside, essencialmente, na pergunta “o que é o produto?”.

Isto porque, enquanto empresas tradicionais na web2 possuem estrutura organizacional centralizada e sem token, e um produto que atrairá clientes pela perspectiva linear do alto investimento em vendas e marketing, as empresas web3 – com estrutura organizacional descentralizada e com token – se aproximam do mercado através dos verticais “propósito e comunidade”.

Claro que ter um produto e uma base técnica sólida ainda é importante, mas isto não precisa vir primeiro.

No caso das organizações com estrutura organizacional descentralizadas e que utilizam token como incentivo econômico, para começar basta um “propósito” claro que defina a razão de sua existência. E como “propósito” entenda: “qual é o problema se está buscando resolver de forma única?”.

Perceba que não estamos falando aqui de levantar dinheiro apenas com base em um white paper e uma equipe fundadora. Mas da existência de uma comunidade forte, bem como ser proprietário de um ativo relacionado à comunidade – o que esbarra na distinção entre proprietário, acionista e usuário.

Neste contexto, pode-se dizer que são necessários três fatores para alavancar uma promissora estratégia GTM web3 geral e longo prazo

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– Propósito claro.- Comunidade engajada e de alta qualidade.- Combinação afinada entre propósito, comunidade e uma correta governança organizacional.

Pois bem, esta é a abordagem GTM web3 em redes descentralizadas com tokens – como DAOs e DeFi, que são os exemplos atuais mais avançados de organizações web3.

No entanto, como dito nos parágrafos anteriores, dependendo do tipo de organização, ainda há uma grande quantidade de combinações de estratégias GTM web2 e modelos web3 emergentes.

E é importante compreender a gama de possíveis abordagens à medida que os construtores se lançam no desenvolvimento de sua estratégia de GTM.

Nesse passo, vamos agora dar uma olhada em um modelo híbrido, que mistura GTM web2 com estratégias GTM web3.

Organizações centralizadas e sem token: estratégia híbrida GTM web3-web2

Muitas das empresas com equipe centralizada sem tokens acabam servindo de pontos de entrada e interfaces para que os usuários acessem a infraestrutura e os protocolos da web3.

Neste contexto, há uma sobreposição significativa nas estratégias GTM entre web2 e web3, especialmente nas áreas software as a service (SaaS) e marketplaces.

– Métricas GTM para software as a service (SaaS)

Muitas empresas seguem o modelo de negócio tradicional de software como serviço (SaaS) como, por exemplo, a Alchemy que fornece nodes de rede como serviço. Tais empresas oferecem infraestrutura sob demanda através de vários níveis de taxas de assinatura, determinadas por parâmetros como quantidade de armazenamento necessário, se os nodes são dedicados ou compartilhados, o volume mensal de solicitações.

O modelo de negócio SaaS geralmente exige uma estratégia tradicional de entrada no mercado web2 e incentivos. Ou seja, a aquisição de clientes é feita através de uma combinação de estratégias de aquisição de clientes pelo produto e pelo canal

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A aquisição de usuários liderada pelo produto é focada em conseguir que os usuários experimentem o produto em si. Por exemplo, um dos produtos da Alchemy é o supernode, um Ethereum API direcionado a qualquer organização que está construindo na Ethereum, mas que não quer administrar sua própria infraestrutura. Neste caso, os clientes experimentariam o supernode através de um modelo gratuito, e esses clientes recomendariam o produto a outros potenciais clientes.

Por outro lado, a aquisição de usuários por canal busca segmentar os diferentes tipos de clientes, e direcionando equipes de vendas específicas para os distintos segmentos da clientela – por exemplo, uma equipe de vendas focada exclusivamente nos clientes do setor público, como governo e educação, que entenderia profundamente as demandas desse tipo de cliente.

Pois bem, como nosso objetivo aqui é dar uma visão geral das diferenças entre as estratégias de GTM web2-web3, vamos deixar o alcance e as relações com desenvolvedores para outro artigo.

– Métricas GTM para marketplaces e exchanges

Há empresas web3 – como o marketplace NFT OpenSea e a exchange Kraken – muito similares aos tradicionais marketplaces e corretoras que conhecemos. Seus modelos de negócios geram receita com base em uma taxa de transação, da mesma forma que marketplaces tradicionais da web2, como Amazon e Mercado Livre.

Neste tipo de empresa, o crescimento da receita está diretamente ligado ao aumento do volume de transações – seja através aumento do número de listagens, ou do valor médio em dólares de cada listagem, ou ainda, do crescimento de usuários da plataforma.

Por isso, um movimento chave para o GTM aqui é o aumento da distribuição de canais através de parcerias com outras plataformas, o que é semelhante ao programa de afiliados da Amazon.

No entanto, uma diferença chave da web2 é que além da taxa de afiliação, as estruturas web3 possibilitam a distribuição de royalties de volta ao criador. Por exemplo, se determinado conteúdo (música, arte, nome de domínio, registro fotográfico de um gol do Pelé) for transacionado centenas de vezes, o criador do conteúdo receberá um percentual do preço de cada transação.

Dessa forma, como os criadores de conteúdo agora têm uma oportunidade de continuar a rentabilizar seu trabalho através dos mercados secundários – valor que antes não conseguiam ver, nem capturar em sistemas web2 -, eles possuem um incentivo a continuar a promover o mercado. Assim, os criadores de conteúdo também acabam se tornando evangelistas dos modelos de construção de organizações na web3.

Pensamentos finais

Como podemos extrair do que vimos até aqui, nas empresas web2, os fundadores não apenas estabelecem uma visão de cima para baixo, bem como são responsáveis pelo crescimento das equipes da organização e pelo planejamento e execução dessa visão.

Já na web3, os fundadores assumem mais o papel de um “semeador”, que cultiva e nutre as sementes que potencialmente resultarão em produtos bem-sucedidos, e também cria o espaço necessário para que tudo isso floresça.

Enquanto os fundadores da web3 ainda definem o propósito da organização e sua estrutura de governança inicial, a própria estrutura de governança pode rapidamente levar a novas funções para eles.

Além disso, em vez de focar no crescimento de receita e lucratividade, os fundadores web3 devem buscar a melhoria do uso do protocolo pelos usuários e da qualidade da comunidade.

Nesse passo, após a paulatina descentralização da estrutura organizacional, os fundadores web3 devem adaptar-se a ambientes sem estruturas hierárquicas de poder, tornando-se um dos muitos atores que defendem o sucesso de determinado projeto.

Dessa forma, antes da descentralização da estrutura organizacional tornar-se realidade, os fundadores devem assegurar-se de que estão direcionando seu projeto web3 para o sucesso em tal ambiente.

Neste modelo de construção de organizações web3, a função do fundador não é estabelecer uma visão de cima para baixo, mas sim eliminar canais com pouca tração para facilitar a criação de estruturas de governança, autorizações e regulamentos que viabilizem o sucesso do projeto.

Mas e você, compreendeu que as estruturas tradicionais GTM web2 são uma referência útil, mas que sua abordagem linear é apenas uma das muitas estruturas disponíveis para organizações web3?

Percebeu que as estratégias de posicionamento de produtos e serviços no mercado web2 e web3 devem ser distintas, dado que objetivos, crescimento e métricas de sucesso na maioria das vezes não são os mesmos?

Tinha ideia de que, no novo modelo de construção de organizações da web3, os fundadores devem começar com um propósito claro, desenvolver uma comunidade em torno desse propósito, e combinar suas estratégias de crescimento e incentivos comunitários de acordo com sua estrutura organizacional (centralizada versus descentralizada) e o tipo de incentivo econômico adotado por seu projeto (com ou sem tokens)?

Conhecimento é poder! Nos vemos em breve. “

Tatiana Revoredo
Tatiana Revoredo é especialista em aplicações de negócios blockchain e em estratégia de negócios em inteligência artificial pela MIT Sloan School of Management, em inteligência artificial pelo MIT CSAIL e em mitigação de riscos cibernéticos pela Harvard University. Estrategista de blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford, ela é professora do curso “Blockchain para negócios“ no Insper e autora de três livros sobre esses temas.

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