Carinho e controle demais são sintomas de uma relação disfuncional no ambiente de trabalho – saiba quais são os seis sinais para reconhecer essa dinâmica e como corrigi-la
Ao me preparar para um trabalho de consultoria para uma empresa global de produtos químicos, fiz uma série de entrevistas com os principais gestores e seus subordinados.
Um comentário se repetiu várias vezes: segundo os líderes, muitos funcionários não tomam iniciativa – por isso eles se sentiam obrigados a ter de dizer o que fazer e como. “Claramente não estão prontos para assumir esse grau de responsabilidade e não têm a compreensão e a visão geral que nós temos”, resumiu um dos gestores.
Mas, quando falei com esses subordinados, a história foi outra. Reclamaram que seus chefes não confiavam neles o suficiente e agiam de forma paternalista ou maternalista. Como resultado, temiam que, se tomassem a iniciativa e algo não funcionasse como planejado, seriam punidos.
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Um diretor local disse: “Quando algo não funciona, aprendemos a empurrar para debaixo do tapete. Caso contrário, gera muita complicação”.
Sem nenhuma surpresa, essa mentalidade se reflete nos resultados da organização: a vaca leiteira ainda dá lucro, mas não há inovação.
Esse é um exemplo da dinâmica pais-filhos, disfuncional no ambiente de trabalho. Sua empresa está caindo nessa armadilha? Vamos explorar como identificar os sinais e mudar a cultura para uma relação entre adultos.
Em minhas pesquisas, surgiram dois tipos de organização. No primeiro, como a empresa descrita acima, a alta administração é vista como os pais, e as camadas abaixo, como as crianças que precisam seguir regras e não são confiáveis para tomar decisões por conta própria.
No segundo tipo, as pessoas em diferentes camadas da organização se reconhecem como adultos, com cada nível contribuindo de maneiras diferentes e confiando um nos outros para fazer essas contribuições.
A análise transacional, uma teoria desenvolvida pelo psicanalista americano Eric Berne, oferece uma lente interessante para ver esses padrões: quando os adultos entram na dinâmica pais-filhos, há disfunção.
No princípio, a análise transacional foi destinada a explicar as interações em casamentos, famílias e amizades. Mas ela também acontece entre os níveis hierárquicos dentro das organizações.
Pense em climas corporativos em que os níveis abaixo agem como “bons filhos” e procuram satisfazer seus superiores – com o objetivo de evitar rejeição e punição.
Assim como nas relações reais entre pais e filhos, os “pais adultos” no ambiente de trabalho são simultaneamente carinhosos e controladores ao interagir com “filhos adultos”.
Pense num clima corporativo em que a alta administração é paternalista ou maternalista em relação aos níveis inferiores, intervindo quando eles enfrentam problemas. Ou aquele ambiente em que líderes tentam ditar tudo o que os subordinados devem fazer.
Há também os “filhos crescidos”, que podem ser divertidos e adaptáveis ao mundo ao seu redor (e aos desejos dos pais). Pense em climas corporativos em que os níveis abaixo agem como “bons filhos” e procuram satisfazer seus superiores – com o objetivo de evitar rejeição e punição.
Mas essas “crianças” podem ter acessos de raiva quando não conseguem o que querem, expressando sua insatisfação com os pedidos da alta administração e irritando os líderes ao agirem como quiserem.
Por exemplo, uma empresa farmacêutica notoriamente hierárquica implantou de cima para baixo mandatos fortes e regras culturais, o que incitou a raiva entre as camadas subordinadas. Ninguém confrontou ou desafiou os líderes explicitamente, mas surgiram conversas paralelas destinadas a obstruir a aplicação dessas regras, e até mesmo alguma sabotagem.
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Por outro lado, a responsabilidade e o respeito mútuos geram relacionamentos maduros nas organizações. Entre adultos de verdade, essa é uma maneira mais equilibrada de interagir.
Em tais relacionamentos, ambos os lados consideram de maneira crítica e racional seus erros ou deficiências e evitam ficar na defensiva quando criticados. É claro que o conflito também ocorre nesses contextos, mas fica no nível da tarefa ou da função – não se estende ao relacionamento.
Diferentemente de casamentos ou relações de amizade, nas empresas existem relações hierárquicas explícitas e apropriadas: o líder tem maior carga de responsabilidade e prestação de contas, e muitas vezes responde pelo desempenho e bem-estar dos membros da equipe.
Ao reconhecer a existência saudável da hierarquia, as pessoas se veem, em todas as camadas, como adultos com autonomia e pontos de vista valiosos.
Para saber se a sua organização caiu na dinâmica pais-filhos, analise estes indicadores:
Revelar medos e inseguranças às crianças é algo que os pais não fazem. Nessa situação, os líderes raramente revelam seus próprios fracassos e lições conquistadas com esforço. É uma cultura em que os erros são varridos para debaixo do tapete.
Por exemplo, na empresa de produtos químicos mencionada anteriormente, os gestores de alto escalão eram tão reservados sobre quaisquer iniciativas fracassadas que acreditavam que as pessoas em níveis abaixo desconheciam seus erros.
Só que os gestores intermediários sabiam (e fofocavam com entusiasmo sobre aqueles do topo). Como as pessoas acreditavam que a empresa era um lugar onde falhas não eram toleradas, uma cultura de esconder erros tornou-se presente e, claro, insidiosa.
Aqui, não estou me referindo à confiança ligada à integridade, que é a crença nas boas intenções das pessoas, mas àquela baseada na competência. Isso significa que os escalões superiores veem os inferiores como pessoas que precisam ser instruídas. Essa atitude pode ser paternalista/maternalista e até ofensiva.
Por exemplo, um banco com o qual trabalhei queria que as camadas inferiores de gestão usassem formas mais digitais de trabalhar. Para tanto, a alta administração implantou programas de treinamento muito abaixo da capacidade técnica e analítica de sua força de trabalho – tão simplistas, na verdade, que as pessoas se sentiram insultadas.
A gota d’água foi o lançamento de um manual de segurança cibernética que parecia ser destinado a crianças de cinco anos. A equipe não apenas o ignorou, mas ficou mais cínica e desmotivada.
Se quem está em níveis inferiores não é visto como uma pessoa competente, tampouco parece estar pronta para novas responsabilidades. Portanto, o poder permanece no topo – e as pessoas abaixo não têm as chances apropriadas e necessárias de desenvolvimento.
Certa vez, ao trabalhar com uma empresa de energia, fiz uma série de sugestões para o desenvolvimento da liderança. Todas as respostas foram: “Eles ainda não estão prontos para isso”.
Essa mentalidade criou poucas oportunidades para os gestores de primeira linha aprenderem sobre o negócio e desenvolver as habilidades essenciais para liderança.
Como não poderia deixar de ser, essa organização teve problemas significativos de sucessão e precisou recrutar talentos de fora, o que desencorajou ainda mais os aspirantes a postos de chefia.
A dinâmica pais-filhos pode se manifestar nos níveis hierárquicos inferiores, como a tendência a inovar pouco ou o temor de ultrapassar limites.
Em uma organização, quando perguntei aos gestores intermediários o porquê de não experimentarem vários métodos ou tecnologias, a resposta mais comum foi: “A administração não nos sugeriu isso” ou “não fazemos isso aqui”.
Quando propus que algumas dessas ideias fossem levadas aos níveis superiores, recebi um olhar perplexo, como se tivesse sugerido que eles dissessem a um pai ou a uma mãe como administrar a própria casa.
Quando a administração assume um papel parental – especialmente o de pai ou mãe disciplinador/a –, o resultado é que muitas vezes as pessoas sentem pouca segurança psicológica para compartilhar erros, tanto os mais comuns como aqueles de maior peso.
Desenvolve-se uma cultura em que é comum esconder os erros. “Este é um lugar onde todos os grandes problemas começaram pequenos, e só tomamos conhecimento deles depois que cresceram”, resumiu uma executiva.
A cultura pais-filhos muitas vezes anda de mãos dadas com o que chamo carinhosamente de cultura “e”. Em outras palavras, a alta administração diz: “temos que fazer X, Y, Z e…”
Ou seja, os líderes empilham iniciativa sobre iniciativa, sem mostrar abertura para deixar de lado qualquer uma delas ou de comunicar prioridades estratégicas.
Essa aversão à priorização geralmente vem do medo de decepcionar alguém. Os líderes não querem ter que dizer a seu “filho” que seu projeto simplesmente não é tão importante quanto antes e a iniciativa de outro “filho” agora é prioritária.
Uma empresa financeira exemplificou esse sintoma. Na conferência anual de alta administração, o CEO listou 14 prioridades estratégicas para o ano seguinte. Todas elas foram descritas como “extremamente importantes” para o futuro da empresa.
Vi a plateia revirar os olhos diante dessa declaração e murmurar que todos teriam mais um ano de excesso de demanda e exaustão.
Se algumas das opções acima soam familiares e você acha que sua organização está presa em uma dinâmica pai-filho, aqui estão três maneiras de mudar para uma maneira mais saudável de interação:
Com franqueza, observe até que ponto você confia (ou não) nos níveis abaixo do seu para assumir responsabilidades maiores. Se você sente que falta confiança, a ideia não é atribuir imediatamente novas funções, e sim dar responsabilidades crescentes ao longo do tempo.
De acordo com o efeito Dunning-Kruger, as pessoas se sentem mais confiantes em seus julgamentos quando são novatas ou extremamente especializadas.
A melhor condição de aprendizado vem com níveis moderados de experiência: neles, as pessoas sabem o que não sabem, ou seja, percebem com mais clareza as suas próprias lacunas. Talvez o melhor momento para aumentar a responsabilidade seja quando elas estão nesse ponto.
Líderes devem revelar suas próprias vulnerabilidades, percepções e erros. Isso aumentará a segurança psicológica e convencerá os níveis abaixo de que a mudança na cultura é realmente desejada.
As pessoas em posições inferiores também devem ser honestas consigo mesmas sobre a falta de confiança que podem sentir em relação ao topo.
Se houver uma tradição de punição por regras quebradas (e não me refiro a punições materiais, como rebaixamentos ou bônus reduzidos, mas punições sociais sutis, como ser ignorado ou censurado durante as reuniões), os gestores de nível médio provavelmente verão as possíveis tentativas dos líderes de compartilhar o poder com um certo ceticismo e medo.
Se esse for o caso, os líderes devem começar a revelar suas próprias vulnerabilidades, percepções e erros. Isso aumentará a segurança psicológica e convencerá os níveis abaixo de que a mudança na cultura é realmente desejada.
As perguntas são simples e, ao mesmo tempo, eficazes. Elas passam uma mensagem que diz: “”Eu vejo você como um membro competente e valioso da equipe e quero ouvir seu ponto de vista”. Em outras palavras, aja como um adulto pedindo conselhos a outro adulto.
Uma vez que uma pergunta tenha sido feita, se você não mostrar que está ouvindo com atenção e respeito, o questionamento terá sido em vão. Pratique a chamada “escuta ostensiva”, ou seja, quando alguém fala, você acena com a cabeça, faz anotações e comentários ou tira dúvidas.
Assim como nas conversas entre adultos, não é preciso aceitar todas as sugestões ou ideias que outro adulto nos dá. Mas devemos ter uma curiosidade sincera sobre o ponto de vista deles e respeitá-lo o suficiente para ouvi-lo.
No nível cultural, duas coisas devem ser verdadeiras para que a transição de uma dinâmica pais-filhos para uma adulto-adulto seja bem-sucedida.
Primeiro, deve haver consciência da dinâmica vigente. Segundo, é preciso haver uma sincera insatisfação com a cultura. Se a organização (especialmente a alta liderança) se sentir confortável em continuar no modo pais-filhos, os líderes provavelmente não se esforçarão.
Voltando à empresa de produtos químicos do início deste artigo, quando fui aos principais gestores com as observações coletadas, eles ficaram, no início, surpresos e negaram tal dinâmica. Mas escutaram e mostraram curiosidade sobre como seria a mudança.
Se a organização (especialmente a alta liderança) se sentir confortável em continuar no modo pais-filhos, os líderes provavelmente não se esforçarão.
Tornaram-se mais abertos sobre as próprias situações em que não foram bem-sucedidos, e pediram feedback dos escalões mais baixos sobre como tentar novamente.
Em seguida, esses gestores criaram métodos para compartilhar gradualmente o poder com mais pessoas, dando-lhes uma estrutura clara para operar e fornecendo feedback contínuo, enquanto abriam espaço para eles decidirem como avançar nesse movimento.
No geral, a alta gestão ficou impressionada com os resultados, e os funcionários valorizaram as oportunidades que tiveram de demonstrar experiência e tomar iniciativa. Um dos gestores disse: “Acho que superestimei o quanto sabia e subestimei o que os outros sabiam”.
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A empresa não está ainda no ponto desejado em termos de cultura corporativa de relação entre adultos: a alta administração às vezes se pega voltando aos velhos padrões de proteger e dar ordens a serem cumpridas.
Mas, coletivamente, a organização está se movendo na direção certa. Além disso, houve uma mudança notável na forma como as pessoas nos diferentes níveis de gestão se referem umas às outras e confiam umas nas outras para ouvir suas preocupações e fazer contribuições.