LIDERANÇA 7 min de leitura

O paradoxo das conexões modernas

Apesar da conexão tecnológica, estamos cada vez mais distantes do que realmente nos une: relações autênticas, essenciais na vida, na liderança e nas organizações

Daniel Martin Ely
O paradoxo das conexões modernas
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Nunca estivemos tão conectados, graças às tecnologias e redes sociais, podendo nos aproximar de quem queremos, no momento que desejamos. Paradoxalmente, porém, estamos cada vez mais distantes do que realmente nos conecta como seres humanos: as relações autênticas. Esse contraste se manifesta em todos os aspectos de nossas vidas — em casa, com familiares, amigos e, inevitavelmente, em nossas organizações e na prática da liderança.

Conexões quando não realizadas com autenticidade e presença geram apenas uma suposta ou falsa proximidade entre os envolvidos. Um estudo realizado em 2022 pela Harvard Business School teve como objetivo investigar o impacto das conexões autênticas no ambiente de trabalho. A pesquisa destacou que líderes que promovem essas conexões dentro de suas equipes não apenas aumentam o engajamento, mas também melhoram significativamente o bem-estar e a satisfação no trabalho. Os resultados mostraram ainda que ambientes de trabalho que valorizam a autenticidade promovem um aumento de 30% na produtividade e uma redução de 40% no turnover, destacando a relevância das relações genuínas no ambiente organizacional.

Como Brené Brown, uma renomada pesquisadora de liderança, afirma: “A autenticidade é a prática diária de deixar de lado quem pensamos que devemos ser e abraçar quem somos.” Isso reforça a importância de líderes serem genuínos para inspirar suas equipes.

Nos últimos anos, comecei a buscar respostas para compreender os motivos pelos quais é tão difícil criar relações e conexões verdadeiras e produtivas no meio organizacional e fora dele.

O desafio do tempo de tela

Faça um exercício rápido e verifique qual é a sua exposição diária ou semanal, em horas, aos diferentes aplicativos do seu smartphone. Este recurso está disponível em todos os celulares e é fácil de você acessar. Provavelmente, você se surpreenderá com a sua própria evolução nas últimas semanas ou meses. Todas essas horas deixaram de ser investidas em conversas no seu dia a dia. Os membros de nossas equipes nunca estiveram tão necessitados dessas paradas. O mesmo se aplica a amigos e familiares. Enfim, nunca estivemos tão conectados e próximos às telas e tão distantes no mundo real.

Para os líderes, essa realidade apresenta um desafio ainda maior: é nas interações presenciais que se constroem os elos de confiança e credibilidade com suas equipes, pares e superiores. Esses momentos permitem vulnerabilidade, possibilitando expressar sentimentos, pensamentos e até medos. É essencial buscar maneiras de ampliar o tempo de conexão genuína, cara a cara, em vez de depender apenas das telas.

O que você, como torcedor, espera do técnico do seu time de coração? Um técnico que comanda o time do camarote ou aquele que está junto aos jogadores e à comissão técnica, participando dos treinos, dos bastidores e à beira do campo nos jogos? Na liderança, o “tempo de tela” jamais pode superar o “tempo de vestiário”.

Simon Sinek, autor de Start with Why, reforça essa ideia ao afirmar: “A confiança é construída em momentos de vulnerabilidade.” Isso evidencia a importância das interações presenciais para fortalecer vínculos e consolidar a confiança.

Para além do pré-julgamento

Somado a isso, é fundamental não limitar nossas interações aos nossos vieses cognitivos e pré-julgamentos. Um bom exemplo é comparar a leitura de uma manchete com a leitura atenta de um texto ou artigo completo. Quantas vezes nos limitamos aos títulos, formando uma opinião imediata sobre uma pessoa ou situação? Essa abordagem nos leva a decisões quase automáticas, sem considerar a complexidade envolvida.

No contexto da liderança, exige-se muito mais do que “ler o artigo completo”. É necessário compreender todo o contexto, incluindo as entrelinhas. Isso demanda tempo e atenção de qualidade: observar atentamente os “jogadores” durante os treinos, os jogos, no vestiário e em campo.

Ficar apenas na “manchete” nos afasta da verdadeira essência das pessoas. Para reverter isso, precisamos incentivar conversas mais profundas e empáticas. Por que não começar perguntando à sua equipe sobre suas histórias de vida? Essa troca certamente oferecerá um contexto mais rico e permitirá uma interpretação mais precisa dos comportamentos e atitudes de cada indivíduo.

Construção de relações verdadeiras

A autenticidade nasce de conexões genuínas. Ao longo da minha carreira, os resultados mais sustentáveis sempre vieram dessas relações. Elas funcionam como um “colchão de reputação”, que sustenta e orienta nossas interações, mesmo em momentos de turbulência e incerteza. Por quê? Porque, em conexões verdadeiras, conhecemos os valores, crenças e motivações das pessoas ao nosso redor — e elas, por sua vez, conhecem e compreendem os princípios que guiam nossas ações.

Relações autênticas resistem a qualquer tempestade, oferecendo segurança e clareza sobre o que esperar do outro. Por outro lado, se você se limitar a “manchetes” sobre as pessoas, nunca terá a confiança necessária para prever e compreender o que realmente virá do outro lado.

Mas como criar relações profundas e duradouras? Uma das estratégias mais eficazes, além das já mencionadas, é encarar as conversas difíceis de frente. Essas interações desafiadoras têm o poder de abrir novas possibilidades e alinhar expectativas de formas que muitas vezes permanecem inexploradas.

Ao longo da minha trajetória, foram essas conversas que permitiram o estabelecimento de novos padrões de comportamento e, sobretudo, o alinhamento claro de expectativas entre as partes. Há uma máxima na administração que afirma: tudo o que é combinado pode ser cobrado. No entanto, tentar cobrar expectativas não alinhadas é injusto e improdutivo. É fundamental transformar suposições em acordos explícitos para construir relações baseadas em confiança e clareza.

Ao priorizar a profundidade sobre a superficialidade, não apenas fortalecemos nossas organizações, mas também enriquecemos nossas vidas pessoais, construindo um legado de relações verdadeiras e duradouras. A verdadeira liderança se revela na capacidade de tocar o coração das pessoas, reconhecendo suas emoções e expectativas e criando um espaço onde todos possam crescer.

Daniel Martin Ely
Daniel Martin Ely é vice-presidente executivo da Randoncorp, COO da Rands, conselheiro do CNEX (Centro de Excelência Humana e Organizacional) e do Instituto Hélice de Inovação e presidente do conselho do Instituto UniTEA do Autismo. Mestre em estratégias organizacionais e especialista no desenvolvimento de lideranças, é também autor da obra O Líder em Transformação (2024).

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