ANCORAGEM 11 min de leitura

Atrasos no projeto? Há dois (bons) modos de evitá-los

Muitas organizações fazem estimativas de tempo para realização de projetos ou etapas sem nenhuma precisão. Para ter um cronograma mais realista, trabalhar a partir de exemplos de projetos anteriores pode melhorar a conclusão no prazo

Matej Lorko, Maroš Servátka e Le Zhang
Matej Lorko, Maroš Servátka e Le Zhang
Atrasos no projeto? Há dois (bons) modos de evitá-los
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Por que tantos gestores subestimam o tempo necessário para concluir um projeto importante? São muitos mesmo. Quase metade dos projetos de negócio atrasam e até um terço não é concluído, de acordo com um relatório de 2021 do Project Management Institute (PMI), e isso não pode ser atribuído apenas a acidentes de percurso. 

Previram que o Aeroporto de Berlim-Brandemburgo, na Alemanha, levaria cinco anos para ser construído. Sabe quanto tempo a construção demorou?  Quatorze anos. E seu custo aumentou de um orçamento de 2,83 bilhões de euros em 2009 para mais de 6 bilhões de euros – o custo final em outubro de 2020, em sua inauguração. 

Quando o projeto de expansão da usina nuclear VC Summer na Carolina do Sul, Estados Unidos, foi abandonado, em 2017, dois executivos envolvidos no que ficou conhecido como o escândalo “Nukegate” se declararam culpados de fraude. De onde vieram as fraudes? Elas aconteceram para ocultar os atrasos. Isso porque projetos atrasados estouram orçamentos, reduzem qualidade e incomodam clientes. 

Os projetos não falham por má execução ou mudanças no escopo no meio do caminho? Sim. Mas um culpado bastante frequente é o estabelecimento de um prazo irreal que condena ao resultado ruim antes mesmo de o trabalho começar. 

Os planejadores geralmente montam cronogramas muito apertados para os projetos – em parte, devido à incerteza e à ambiguidade em torno de todo o escopo do trabalho necessário, mas muito devido às expectativas e ao entusiasmo dos patrocinadores.

A empolgação com um novo projeto pode inflar o otimismo, o que tende a levar até mesmo os executivos mais experientes a subestimar o tempo necessário para a execução. É algo inconsciente. O CEO estima um prazo otimista para a conclusão do projeto. Os membros da equipe responsáveis por ele consideram plausível esse prazo. Esses membros têm sua capacidade de discernimento afetada e, ao fazer as próprias estimativas, levam-se pelo otimismo. 

Esse fenômeno já foi estudado pela ciência: chama-se “viés de ancoragem”, e a economia comportamental o descreve como uma distorção cognitiva que nos faz dar mais peso à primeira informação recebida sobre um determinado tópico.

Como as âncoras pioram as estimativas

Cronogramas fora da realidade podem ser causados por uma variedade de âncoras não intencionais, a saber:

  • suposições iniciais (“Talvez possamos fazer isso em dois meses”),
  • sugestões (“Você pode concluir a tarefa em três semanas?”), 
  • expectativas do cliente (“Estamos planejando lançar o produto logo após o ano novo”) e 
  • prazos desejados (“O CEO pediu que o projeto fosse concluído até o final do próximo mês”).

Nossa pesquisa confirmou que as âncoras influenciam as estimativas do cronograma e, mais ainda, que seu efeito persiste ao longo do tempo. 

Em um experimento controlado, pedimos a 93 participantes que completassem uma tarefa, repetida três vezes, depois de dar uma estimativa antecipada de quanto tempo levaria. Dois grupos de participantes foram expostos a âncoras antes de fazer suas estimativas: Perguntamos a eles: “Você levará menos ou mais do que X (valor de âncora que arbitramos) para concluir a tarefa?” 

 Os participantes de um grupo receberam um valor âncora de três minutos.

 Os integrantes do segundo grupo ficaram com um valor de 20 minutos. 

 Um terceiro grupo, o de controle, não foi exposto a nenhuma âncora antes de fazer sua estimativa.

Em comparação com o grupo de controle, em média, as pessoas que foram expostas à âncora alta estimaram repetidamente que levariam mais tempo para concluir a tarefa, enquanto a âncora baixa levou a projeções de tempo mais curtas. 

A cada rodada de execução da tarefa, os grupos não eram informados do tempo utilizado, e o viés persistiu em várias rodadas de estimativa e execução. É importante ressaltar que a duração média real da tarefa não diferiu entre os grupos.

Também encontramos evidências de autoancoragem dentro do grupo de controle: os participantes desse grupo que subestimaram a duração da tarefa na primeira rodada continuaram subestimando-a nas rodadas seguintes, e aqueles que a superestimaram também continuaram a fazê-lo, embora o tempo que os dois subgrupos realmente levaram para executar a tarefa fosse o mesmo.

Assim, se você quiser construir um cronograma de projetos sem esses desvios causados pela ancoragem, é crucial isolar os planejadores de suposições ou sugestões que não sejam baseados em informações realistas.

“Âncoras úteis”: como usar âncoras para melhorar as estimativas

Dado o poder das âncoras para influenciar as estimativas, será que os gestores de projeto não podem usá-las estrategicamente para evitar prazos excessivamente otimistas e induzir criação de cronogramas mais precisos? 

Esse foi o questionamento que direcionou nosso trabalho. Os gestores de projeto geralmente esperam obter precisão no cronograma com dados; eles coletam descrições excessivamente detalhadas das entregas do projeto. 

Embora uma quantidade maior de informações resulte de fato em cronogramas mais realistas, os ganhos são muitas vezes marginais e os planos permanecem muito otimistas. 

Os planejadores de projetos se concentram intuitivamente nas especificações disponíveis, geralmente não percebendo que mesmo as descrições mais abrangentes são necessariamente incompletas. Além disso, detalhes excessivos podem levar a mais confusão.

Resolvemos, então, comparar o efeito de uma descrição detalhada do projeto com o de uma “âncora útil” nas estimativas para o cronograma. (Chamamos de “âncora útil” a duração média de projetos anteriores semelhantes, algo que poderia ser tratado como referência ou visão externa.)

Para tanto, realizamos um segundo experimento, que envolveu 139 novos participantes, dividindo-os em três grupos a exemplo do primeiro experimento – um com descrição detalhada, um com âncora útil  e um de controle.

Descobrimos que ambas as intervenções – o detalhamento e a âncora útil – reduzem a irrealismo otimista dos prazos de execução dos projetos: o desempenho real médio dos grupos 1 e 2 foi mais próximo das médias projetadas do que o tempo do grupo de controle que não recebeu nenhuma assistência. 

No entanto, as estimativas produzidas sob a descrição detalhada tiveram uma grande variação. Embora a média do grupo tenha sido relativamente precisa, individualmente os participantes tenderam a fornecer estimativas muito maiores ou muito menores que a real. 

Em contraste, as estimativas produzidas com a âncora útil foram precisas não apenas em média, mas muitas vezes também no nível individual.

Em outras palavras, nosso experimento mostrou que ancorar os planejadores em informações de referência – a âncora útil – pode aumentar a precisão do cronograma e a conclusão do projeto no prazo. Esta é uma abordagem mais simples e eficaz do que dar aos planejadores o máximo possível de informações sobre um projeto.

Pontualidade nem sempre significa sucesso – e incentivos importam

Julgar o sucesso dos planejadores de projetos apenas com base em sua capacidade de respeitar o prazo e dentro do orçamento pode ter impactos negativos no desempenho da empresa que não foram planejados. 

Por quê?

No estágio de planejamento, esses gestores podem inflar suas estimativas de tempo e orçamentos para níveis que acreditam ainda ser aceitáveis para os stakeholders e para se protegerem de falhas.

 Mais tarde, eles podem retardar deliberadamente a execução para corresponder ao prazo acordado. 

Embora o projeto finalizado seja entregue no prazo, a ineficiência de ter sido entregue mais tarde do que seria possível permanece oculta. Além do desperdício de tempo e recursos, a ineficiência oculta frequentemente impede que as organizações se envolvam em outras iniciativas e resulta em perda de receita.

Fizemos uma terceira pesquisa sobre isso, e ficou claro que os incentivos também desempenham um papel importante na estimativa e entrega do projeto. Testamos se o foco exclusivo na pontualidade induziria estimativas infladas e execução mais lenta. 

Nesse terceiro experimento, 198 novos participantes divididos em três grupos realizaram uma tarefa de pesquisa simples, com diferentes incentivos. 

  • O primeiro grupo foi incentivado apenas a concluí-la o mais rápido possível. 
  • O segundo grupo foi incentivado apenas a fazer as estimativas mais precisas. Ele apresentou projeções significativamente mais altas e, em seguida, diminuiu seu ritmo de trabalho para corresponder a elas – como era a nossa hipótese. 
  • Os participantes do terceiro grupo, por sua vez, souberam que seriam recompensados por sua velocidade na execução e pela precisão nas estimativas. De fato, completaram a tarefa muito mais rapidamente do que os do segundo grupo e muitas vezes fizeram estimativas precisas. 

Essas descobertas demonstram que os donos de projetos devem estabelecer incentivos com cuidado, pois podem sair pela culatra e retardar a sua execução.

Com base em nossa pesquisa, recomendamos que os proprietários de projetos tomem estas medidas para melhorar a precisão dos cronogramas estimados:

  • Cuide para eliminar âncoras externas de baixa qualidade, como as esperanças e expectativas do CEO, durante o processo de estimativa.
  • Avalie cuidadosamente as experiências anteriores e ancore as estimativas nos dados históricos do projeto como complemento aos detalhes. Uma medida tão simples quanto a duração média de projetos semelhantes concluídos geralmente aumenta a precisão das estimativas dos planejadores.
  • Evite colocar uma forte ênfase em evitar estouros de prazo. Concentrar-se exclusivamente na entrega pontual pode sair pela culatra porque as pessoas podem inflar estrategicamente as estimativas e diminuir seu ritmo de trabalho para acompanhá-las. Para mitigar a ineficiência oculta, as organizações devem alinhar os objetivos dos proprietários do projeto com os dos planejadores. Por exemplo, enfatizar ou recompensar a velocidade de desempenho além da precisão da estimativa pode levar a cronogramas com tempo justo, mas confiáveis, e conclusão mais rápida do projeto, sem comprometer a qualidade das entregas.

Atrasos, prazos perdidos e orçamentos ultrapassados são alguns dos problemas mais comuns que os projetos enfrentam. Se os planejadores e gerentes de projeto estiverem mais conscientes do forte efeito que as âncoras têm ao estimar cronogramas e orçamentos, eles podem evitar serem desviados por âncoras inconsistentes e usar âncoras úteis para definir expectativas mais realistas.

Matej Lorko, Maroš Servátka e Le Zhang
Matej Lorko, Maroš Servátka e Le Zhang
Matej Lorko é pesquisador da University of Economics de Bratislava e da Prague University of Economics and Business (República Tcheca). Maroš Servátka é professor de economia e vice-diretor de MBA na Macquarie Business School (Austrália) e diretor-fundador do MQBS Vernon L. Smith Experimental Economics Laboratory. Le Zhang é professor de economia no MQBS e diretor-associado do Vernon L. Smith Experimental Economics Laboratory.

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