Conheça as implicações jurídicas do comércio eletrônico e as novas dinâmicas das relações de consumo em um ambiente digital
O crescimento exponencial do comércio eletrônico nos últimos anos desencadeou uma disrupção significativa no comportamento do consumidor, transformando a forma como as empresas interagem com seus clientes. Nesse contexto, a instantaneidade e a personalização ganharam destaque, tornando-se premissas fundamentais na experiência do cliente.
Além disso, hoje o consumidor busca uma relação mais próxima com as marcas, desejando ser reconhecido individualmente, independentemente do ponto de contato pelo qual se comunica com as companhias. Nessa jornada, a tecnologia tem papel fundamental. Um levantamento da Zendesk, por exemplo, aponta que 63% dos consumidores esperam que as marcas utilizem inteligência artificial para personalizar suas experiências.
Por outro lado, para atender a essa expectativa, as organizações têm acelerado o uso de ferramentas inteligentes para aprimorar a interação, como tecnologias que favorecem a coleta de dados em tempo real, chatbots alimentados por inteligência artificial e integração de soluções omnichannel.
Nessa jornada, como a regulação acompanhou a transformação da relação entre empresas e clientes? Esse foi um dos pontos abordados durante o Fórum ao Vivo: “Direitos Digitais dos Consumidores: Transparência, Consentimento e Acesso”, uma coprodução MIT Sloan Management Review Brasil e Pinheiro Neto Advogados, que contou com a participação de Larissa Galimberti, sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados e especialista em proteção de dados; e Pedro Barata, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados e especialista em relações de consumo.
Desde o Marco Civil da Internet (Lei 12.965, de 2014), criado para estabelecer o direito ao exercício da cidadania nos meios digitais, além da diversidade e da liberdade de expressão na internet, muita coisa mudou. Por isso, de acordo com os especialistas, até hoje existe muita polêmica sobre os direitos digitais dos consumidores no Brasil. “Tanto que os órgãos de defesa do consumidor têm muita dificuldade de lidar com a regra de responsabilização”, afirma Barata. Ou seja, no e-commerce, quem deve responder por algo não condizente com o anunciado: o vendedor ou a plataforma de marketplace? Essa é uma questão que ainda não tem resposta.
Outro ponto que merece atenção envolve a transparência de dados. “Podemos dividir esse assunto em duas vertentes: a questão da transparência das regras da relação comercial de determinado consumidor com o site que é regulado por meio de termos de uso; e a transparência de como se usa os dados pessoais. E esses pontos se tornaram muito importantes também na relação de consumo”, argumenta Galimberti.
Ainda de acordo com a especialista, com a evolução das tecnologias, percebeu-se que os dados traziam informações relevantes, seja para manter o consumidor engajado, seja para conseguir ofertar melhores produtos e serviços. “Dessa forma, principalmente nos artigos 6 e 9 da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que abordam como a empresa tem de dar essa informação de transparência, as companhias precisam deixar bastante claras as finalidades do uso dos dados por meio da política de privacidade”, exemplifica a advogada.
Por isso, de acordo com Barata, é importante que as empresas adotem uma comunicação transparente e concisa a respeito do tratamento dos dados dos usuários. “O ideal seria ter um resumo dos contratos com os principais pontos, destacando, por exemplo, as cláusulas que limitam os direitos do consumidor e as que impõem suas obrigações”, comenta. Além disso, ele conta que existe uma proposta para a criação de um sistema de sinalização gráfica que chame a atenção do usuário sobre o uso consciente de dados. “Seria algo parecido com as informações nutricionais dos rótulos de alimentos. O usuário entra no site e já na página principal aparecem ícones que apontam que naquela hospedagem são usados cookies, que alguns dados são compartilhados, que coletam dados de geolocalização, entre outros pontos importantes”, comenta.
O que esperar para os próximos anos envolvendo os direitos digitais dos consumidores brasileiros? Para Barata, um grande desafio é como lidar com a inteligência artificial. “O uso da IA aumentou de uma forma exponencial. E aí, especificamente para compras pela internet, existe a questão da internacionalização do acesso. Hoje é muito fácil acessar um marketplace de fora do Brasil, e isso traz uma série de desafios”, afirma. Isso porque, se o usuário comprar produtos num site internacional que não são aprovados no Brasil, por exemplo, é muito provável que esse objeto não vá funcionar ou que vá ter um funcionamento intermitente. “A questão é como educar o consumidor para evitar esse tipo de problema?”, questiona o especialista.
Em relação à proteção de dados, Galimberti destaca a importância da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) no cenário brasileiro, órgão responsável por fiscalizar e promover a educação em relação à proteção de dados pessoais. Segundo a advogada, esse marco regulatório encontra-se em constante evolução e a iminente publicação de um guia sobre a figura do encarregado de proteção de dados, responsável por garantir a conformidade do tratamento de dados pessoais nas empresas, demonstra esse dinamismo. “Esse profissional verificará se está tudo de acordo e isso é bem interessante porque as transformações ocorrem e vão moldando a regulamentação. Afinal de contas, os direitos digitais dos consumidores nunca terão fim. Sempre estarão se moldando”, conclui.