Centro de formação executiva focado em liderança, inovação e curadoria de conteúdos para líderes e gestores do futuro.

Conheça mais

O portal brasileiro da faculdade de gestão do MIT, trazendo conteúdo de qualidade e cinfiável sobre o tema.

Você está aqui

Acesso a estudos exclusivos e materiais de ensino produzidos pela faculdade de negócios de Harvard.

O portal referência em negócios na China, endossado pela universidade de negócios Cheung Kong.

O CNEX faz parte do ecossistema Atitus. Conhecimento, tecnologia e inovação. Conectadas com o mesmo propósito: o seu futuro.
JORNADA FEMININA 13 min de leitura

Suba na carreira, mas carregue o mundo nas costas

Como as desigualdades e a sobrecarga invisível das mulheres na dupla jornada afetam o desempenho delas no mercado de trabalho

Tamy Freitas
27 de fevereiro de 2025
Suba na carreira, mas carregue o mundo nas costas
Link copiado para a área de transferência!

Dia desses, um executivo de alto escalão de uma grande empresa me disse: “O problema de contratar mulheres é que o foco delas não é só o trabalho. Elas têm outras prioridades e menos disponibilidade para viagens.” 

Na mesma semana, ao palestrar para um grupo de mulheres, perguntei: “O que te impede de dar o seu máximo potencial no trabalho hoje?”. Entre as respostas, duas me chamaram a atenção: família e maternidade.

Essa contradição me inquietou. O que elas dizem que as impede de alcançar seu potencial no trabalho é o mesmo motivo pelo qual aquele executivo as descarta.

Tive muita vontade de responder para ele, mas não podia. Queria perguntar: Será que foram as mulheres que escolheram ter sozinhas essas prioridades? Precisam ser só delas ou poderiam ser compartilhadas em casa? Será que não estão dispostas a encontrar alternativas para poder viajar? O senhor chegou a fazer tais perguntas para elas? 

Para as minhas alunas, eu pude lançar a dúvida: o que realmente as impede de mostrar seu pleno potencial no trabalho? São a maternidade e a família que impõem a sobrecarga, ou são as próprias estruturas sociais e corporativas? Não seria a maternidade e a família fatores que, em vez de limitar, poderiam amplificar a realização e a felicidade?

Inconformada, me questionei por que naturalizamos a imposição do meio para que as mulheres tenham essas prioridades? Quanto estamos tensionando essas estruturas pré-estabelecidas? Estamos dispostos a rever essa lógica? A sociedade está aberta para nos ver de outra forma? 

Parece-me que as escolhas sobre nós não nos envolvem. Ou fomos nós, mulheres, que criamos a licença-maternidade e decidimos pelo nosso afastamento de 120 dias e de apenas cinco dias para os pais?

Sobrecarga

Uma pesquisa realizada pelo Sebrae em 2023 revelou que as mulheres, em média, ocupam 3,1 horas diárias com cuidados familiares e 2,9 horas com afazeres domésticos, enquanto os homens dedicam 1,6 e 1,5 horas, respectivamente.

A desigualdade de gênero também fica evidente na sobrecarga da jornada dupla: 76% das mulheres se sentem mais sobrecarregadas e 61% já tiveram que deixar de fazer algo para si ou para a empresa para cuidar dos filhos, de idosos ou parentes. Entre os homens, os índices são de 55% e 48%, respectivamente.

Em dezembro de 2024, Sandra Regina Monteiro foi feita refém por 40 minutos na Avenida Paulista, em São Paulo. Passado o susto, em uma entrevista, a repórter indagou: “O que passou por sua cabeça enquanto era mantida refém?” A resposta: “Eu, com tanta coisa para fazer, parada aqui”. Sua vida e sua saúde mental não pareciam ser prioridades naquele momento, mesmo com uma faca no pescoço.

Em relação à saúde mental, nós, mulheres, estamos no topo desfavorável dessa estatística. Uma pesquisa do SUS mostrou que os atendimentos por burnout são majoritariamente femininos. A carga excessiva de trabalho, a dupla jornada e a pressão para equilibrar vida pessoal e profissional contribuem para o aumento dos casos.

Em entrevista para o Movimento Mulheres 360, a psicóloga Adriana Ramalho, especialista em saúde ocupacional, explica que “as mulheres enfrentam uma pressão extra para desempenhar múltiplos papéis, resultando frequentemente no esgotamento físico e emocional intenso”.

Ela ressalta a necessidade de políticas públicas e empresariais que promovam um ambiente de trabalho mais saudável e equilibrado.

Outra entrevistada, Luísa Jötten, mestre em psicologia pela USP, diz que “as mulheres sofrem mais com burnout porque são elas que suportam grandes responsabilidades. Elas são ensinadas a não reclamar, não pedir ajuda e a sempre oferecer auxílio”.

Essa construção cultural reforça a ideia de que os cuidados familiares e domésticos são uma questão exclusiva do gênero feminino, destaca a juíza do Trabalho Bárbara Ferrito, do Tribunal Regional do Trabalho.

Dito tudo isso, não me parece que seja necessariamente uma escolha das mulheres certas prioridades que assumem fora trabalho. Especialmente quando não podem contar com a retaguarda e o apoio para desenvolver seu potencial nos negócios da mesma forma que os homens — razão pela qual o executivo com o qual me deparei não as vê com o mesmo foco.

Assédio materno

Segundo o Tribunal Superior do Trabalho, a maternidade tem sido apontada em diversas pesquisas como uma variável determinante para a violência e a discriminação contra as mulheres.

O mundo corporativo precisa, de uma vez por todas, compreender e estabelecer estruturas que permitam às mulheres serem mães e executivas sem precisar escolher entre uma coisa e outra — assim como a imensa maioria dos homens não precisa fazer essa escolha.

Em uma publicação no portal do TST, a ministra Maria Helena Mallmann explica que o assédio materno se manifesta por meio de violências psicológicas e práticas discriminatórias contra funcionárias mães, desde a confirmação da gravidez até o retorno da licença-maternidade. Modificações de função, fiscalização excessiva e advertências injustificadas são algumas das formas de assédio enfrentadas.

Já a juíza Bárbara Ferrito destaca que a trabalhadora que sofre assédio ou discriminação em razão da maternidade pode buscar orientação jurídica para reivindicar seus direitos. “Muitas vezes, o simples relato da situação já indica a prática ilegal do empregador. Qualquer diferença de tratamento ou a desconsideração da condição de mãe ou de mulher pode ser indício de discriminação”, afirma.

Ferrito também alerta que esses problemas podem ocorrer antes mesmo da contratação, como em entrevistas de emprego, e diz que perguntas sobre estado civil, número de filhos ou plano de tê-los é uma prática discriminatória, pois sugere que existe uma resposta certa.

Impacto econômico

Como se não bastasse, as mulheres ainda enfrentam desafios relacionados à sua independência financeira. Se houvesse equilíbrio nos ganhos entre os gêneros, essa estabilidade possivelmente resultaria em mais disponibilidade de tempo e estabilidade profissional.

Um artigo publicado em fevereiro deste ano na revista acadêmica European Sociological Review concluiu que mulheres britânicas com filhos sofrem uma redução salarial de médio a longo prazo de aproximadamente 45% em relação ao que teriam ganhado caso não tivessem filhos. A queda nos rendimentos chega a 28% no ano em que a mulher tem seu primeiro filho.

Outro estudo, conduzido pela London School of Economics and Political Science (LSE) em parceria com a Universidade de Princeton, analisou a condição de trabalhadoras em 134 países, comparando aquelas com e sem filhos, e revelou que a chegada do primogênito é um divisor de águas na trajetória profissional feminina: 24% das mulheres deixam o emprego no primeiro ano de vida do bebê, e 15% permanecem afastadas do mercado de trabalho uma década depois.

No Brasil, esse cenário é ainda mais alarmante: 42% das mães deixam suas ocupações ao dar à luz, e 35% seguem fora do mercado dez anos após o parto.

Quem sai, quem fica

Para muitos casais, é preciso decidir quem continuará trabalhando e quem ficará em casa cuidando dos filhos. Essa escolha pode ser motivada por diversos fatores: a impossibilidade de arcar com os custos de uma escola ou creche, alguma necessidade especial da criança ou, ainda, o sentimento de culpa (e julgamentos) da mãe ao delegar os cuidados do bebê com apenas quatro meses de vida. Outros casais simplesmente não contam com uma rede de apoio e estrutura financeira para auxiliar nesses primeiros meses após o nascimento.

Quando há a necessidade de escolher quem deixará o emprego, o maior salário geralmente determina a decisão. Como as mulheres ainda recebem, em média, 20,7% menos que os homens em empresas com mais de 100 funcionários (dados do 2º Relatório de Transparência Salarial, de 2023), são elas que, na maioria das vezes, abrem mão da carreira — mesmo que temporariamente.

Um estudo realizado pelos pesquisadores Cecilia Machado e Valdemar Rodrigues de Pinho Neto, divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), analisou as consequências das políticas de licença-maternidade no mercado de trabalho brasileiro. Os dados indicam que, após 14 meses, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade acaba fora do mercado de trabalho.

Para reingressar ou permanecer no mercado de trabalho, muitas mães recorrem a modelos de trabalho mais flexíveis. Outras optam por reduzir a carga horária, abrir mão de promoções ou até desistir da carreira. Há ainda aquelas que decidem ter menos filhos — ou nenhum. Em comum, acabam abrindo mão de projetos e aspirações.

Empreendedorismo como alternativa

Muitas mulheres enxergam no empreendedorismo uma alternativa para conquistar flexibilidade e conciliar o trabalho com o cuidado da família. No Brasil, 67% das empreendedoras são mães, e a necessidade de cuidar dos filhos foi o principal motivo que levou a maioria delas a abrir um negócio, segundo pesquisa do Sebrae.

No entanto, mesmo ao empreender, elas ainda enfrentam desafios que limitam sua dedicação aos negócios. Em média, as mulheres empreendedoras trabalham de 34 a 35 horas semanais, enquanto os homens empreendedores dedicam de 40 e 43 horas ao trabalho. Tal diferença tende a impactar o crescimento e a expansão dos negócios, tanto os delas quanto os deles.

Para a juíza Bárbara Ferrito, “apesar de o parto ser monopólio da mulher, todas as obrigações decorrentes dele podem ser compartilhadas entre os homens e as redes de apoio”.

“Os trabalhos de cuidado não são exclusivos da mulher, mas fazem parte da vida humana e de suas relações e devem ser divididos entre homens e mulheres.”

Bárbara Ferrito, juíza do Trabalho

Ela ainda ressalta que essa transformação social deve ocorrer também nas normas jurídicas e nas instituições. “Essa mudança de perspectiva permite que problemas antes vistos como femininos se tornem questões sociais a serem resolvidas de forma estrutural, e não individualizada para cada mulher”, diz.

Tudo bem ser dona de casa

A decisão de cuidar da casa e da família é legítima, desde que seja uma escolha real, e não uma imposição social.

Recentemente, o movimento Tradwife ganhou espaço nas redes sociais, com influenciadoras incentivando mulheres a abandonarem suas carreiras para se dedicarem exclusivamente às tarefas domésticas.

No entanto, a advogada e especialista em direito penal e violência de gênero Alice Bianchini, em entrevista a O Globo, alerta para os riscos da romantização de ideais retrógrados. “Mulheres devem ter consciência das consequências dessa escolha, que pode resultar em dependência econômica e vulnerabilidade”, afirma.

Nesse aspecto, um ponto a ser observado é o de que a Justiça brasileira tem avançado no reconhecimento do chamado “trabalho invisível”.

De acordo com a legislação, mulheres que não ingressaram ou se afastaram do mercado de trabalho para se dedicar ao lar podem ter direito ao pagamento de pensão por até cinco anos em casos de divórcio, mesmo que a união não tenha gerado filhos.

O papel das empresas

As empresas desempenham um papel crucial nas transformações sociais.

Como o maior recurso de uma organização é o humano, é urgente que se estabeleçam estruturas pensadas para as mulheres que lhes permitam desenvolver uma trajetória profissional com os mesmos direitos e oportunidades que seus pares homens. 

É também essencial adotar abordagens práticas e intencionais, movidas pelo compromisso genuíno de promover a presença feminina no ambiente de trabalho e sua contribuição efetiva para o negócio.

Seguem algumas:

  • Ambientes e horários flexíveis, como trabalho remoto e políticas inclusivas;
  • Equidade salarial;
  • Licença parental equilibrada;
  • Campanhas sobre igualdade e estereótipos de gênero;
  • Canais de escuta (propostas/denúncias);
  • Políticas de promoção transparente;
  • Diretrizes e redesign da cultura organizacional;
  • Mentoria, fóruns de discussão e networking.

A principal recomendação? Querer de fato mudar essa realidade.

Enquanto não houver uma intenção genuína de equilibrar as responsabilidades, as mulheres continuarão a carregar um fardo desproporcional e serão preteridas para funções que exigem maior disponibilidade.

Se queremos um mundo corporativo mais justo e produtivo, chegou a hora de compartilhar essa demanda e criar um ambiente em que todos tenham as mesmas oportunidades de crescimento e realização.

Tamy Freitas
Tamy Freitas é especialista em aprendizagem organizacional e liderança feminina e embaixadora do "Sinapses", programa do CNEX dedicado a despertar a potência da liderança feminina, bem como o apoio mútuo e a coletividade como caminhos para a ascensão das mulheres no mercado de trabalho. Há mais de uma década, atua no campo da educação corporativa, desenhando jornadas de aprendizagem para escolas criativas e algumas das maiores empresas do país.

Este conteúdo está tagueado como:

Deixe um comentário

Você atualizou a sua lista de conteúdos favoritos. Ver conteúdos
aqui