
Pesquisa inédita da MIT SMR revela que mulheres estão em busca de exercer uma liderança mais autêntica. No entanto, muitas percebem que ainda reproduzem o modelo de liderança baseado na perpetuação histórica do arquétipo masculino
Em 1959, uma jovem americana chamada Rena Kanokogi, disfarçada de homem, venceu um campeonato de judô nos EUA. O disfarce só foi necessário porque ela não podia competir assumindo sua verdadeira identidade. Mas essa não é uma história isolada. Assim como Kanokogi, muitas outras mulheres ao longo da história se passaram por homens para poder trabalhar, ir à guerra, praticar esportes, escrever e até mesmo criar seus próprios filhos.
O que todas essas histórias têm em comum é que essas mulheres precisaram se vestir e se comportar como eles para fazer o que queriam ou precisavam fazer. De lá para cá, reformulamos o disfarce. Hoje, podemos usar nossas próprias roupas e assumir nossas identidades. No entanto, “a sensação de inadequação da mulher ao espaço de trabalho é permanente, e não tem a ver com a roupa e sim com um mundo que não foi feito para ser ocupado por mulheres, mas que ocupamos por insistência e teimosia”, afirma Mayra Cotta, autora de Mulher, roupa, trabalho, em entrevista para O Globo.
Era uma dessas mesas onde mulheres servem temas como casa, filhos, relacionamentos, trabalho e o desafio de equilibrar tudo isso. Entre queixas e suavidades, aquela que pouco se expressava ou falava de si finalmente deu voz ao que parecia aprisionado há tempos. “As pessoas me acham grosseira, e com razão, foi o que transmiti. Mas não quero mais isso, estou exausta, essa não sou eu.” Ela se referia ao que um dia julgou necessário adotar como estratégia para obter respeito e não dar margens para abusos.
Aos 16 anos, ela foi forçada a deixar a casa da família após engravidar e ser rejeitada pelo pai. Com uma modesta ajuda financeira dada pela mãe, partiu na esperança de encontrar trabalho em uma nova vida.
O primeiro emprego foi como doméstica, o que também lhe garantiu um lugar para morar, criar a filha e, mais à frente, cursar a graduação de administração de empresas com o apoio da patroa. Com o salário do novo trabalho, um estágio em uma indústria local, alugou um pequeno apartamento e iniciou uma nova trajetória profissional.
À medida que começou a se desenvolver no ambiente corporativo, julgou que o melhor para a carreira seria ocultar sua maior vulnerabilidade — ser mãe solteira sem rede de apoio — e se blindar emocionalmente do olhar alheio. Sua vida pessoal tornou-se um segredo estratégico, mesmo que isso significasse afastar-se de sua própria humanidade.
Ao conquistar a função de coordenadora financeira, adotou a sisudez como estratégia de sobrevivência. O semblante sempre sério e a fala firme pareciam intransigentemente necessários para manter os orçamentos controlados, garantir a pontualidade da equipe e consolidar o respeito do chefe.
Com o tempo, a armadura começou a pesar. E a rigidez e a inflexibilidade, a drenar sua energia e limitar a construção de parcerias valiosas e conexões com a equipe.
Isso não estava claro para ela até o momento em que se sentou à mesa com outras mulheres, que também compartilhavam experiências e atitudes semelhantes. Em meio às discussões e reflexões, deu-se conta do custo de replicar um modelo de gestão baseado do arquétipo masculino, que não a representava e ainda minava sua autenticidade. Compreendeu também que, a essa altura, suas conquistas e carreira consolidadas bastavam para justificar seu valor.
Coincidentemente (ou não), um estudo sobre competências de liderança, realizado por Jack Zenger e Joseph Folkman, da consultoria Zenger Folkman, revelou que a autoconfiança em líderes mulheres tende a aumentar após os 36 anos. E foi exatamente o que aconteceu com aquela mulher à mesa.
Os arquétipos femininos e masculinos, profundamente enraizados em nossa psique coletiva, trazem características e comportamentos distintos que moldam também as abordagens de liderança.
O arquétipo masculino historicamente é associado a cadeiras decisórias e estratégicas em organizações e à assertividade e foco em resultados. Reflete um modelo de liderança orientado pelo comando e controle.
Por sua vez, o arquétipo feminino é associado à empatia, colaboração, intuição e a capacidade de nutrir relações. Esses traços, embora igualmente poderosos, muitas vezes são setorizados no ambiente corporativo, com mulheres frequentemente direcionadas a funções de cuidado, enquanto homens ocupam papéis focados em resultados.
E se, a integração dos arquétipos masculino e feminino for a solução para equipes mais criativas, engajadas e produtivas?
O verdadeiro impacto pode estar no meio do caminho, no equilíbrio dessas forças complementares
Essa foi a pergunta que motivou aquela líder a mudar sua estratégia de liderança. Queria entender quais seriam os resultados de ser ela mesma, de criar seu próprio jeito de liderar. Pediu ao time que a alertasse quando soasse ríspida, iniciou terapia para lidar com as expectativas externas e matriculou-se em um curso de comunicação não violenta.
Ela escolheu não mais sustentar comportamentos que a afastasse de sua essência. Essa decisão encontra respaldo em estudos como o de Anita Woolley, da Carnegie Mellon University, que demonstram que equipes lideradas por mulheres são mais inteligentes e focadas em resultados, graças a uma liderança empática e colaborativa.
Uma pesquisa inédita da MIT SMR Brasil, que analisou quatro bilhões de interações online em torno do tema liderança feminina e realizou 14 entrevistas em profundidade com mulheres — entre líderes empresariais e especialistas no tema —, revelou que o modelo de liderança que predomina no meio corporativo ainda reflete a reprodução histórica do arquétipo masculino. Essa perpetuação frequentemente distancia as líderes de seus diferenciais autênticos.
Amanda Muriel, diretora do Grupo Boticário, apontou que liderar com base em comando e controle — aprendizados herdados de homens — a desconectou de sua própria autenticidade de gestão.
Vivemos tempos de mudança paradigmática. Com mais mulheres em posições estratégicas, surgem evidências do impacto positivo da liderança feminina, como a melhoria dos resultados financeiros. De acordo com um relatório da McKinsey, organizações com maior representatividade feminina em cargos C-level têm 25% mais chances de registrar lucros acima da média.
Construir confiança e obter reconhecimento são essenciais para reformular a forma como as mulheres são vistas nas empresas. Confira dez estratégias que elas — e eles também — podem adotar para impulsionar essa transformação:
Estamos desbravando um novo território. Nesse processo, é natural que tenhamos que abrir estradas e pavimentar caminhos para um futuro no qual liderar e existir como mulher seja símbolo de boa gestão, estratégia e resultado. Outras mulheres antes de nós criaram as oportunidades para que possamos ter hoje os direitos e a navegabilidade que um dia não tiveram.
É caminhando que se faz o caminho. A capacidade das mulheres já está mais do que comprovada, mas cabe a nós reconhecê-la, internalizá-la e nos apropriar desse modelo feminino de gestão, que não só é bem-sucedido como pode ser o plot twist que as empresas tanto precisam. Ele gera resultados, é estratégico e, acima de tudo, traz consigo habilidades que podem ressignificar o mundo do trabalho.
Resultados diferentes exigem abordagens diferentes. E a liderança feminina pode ser a chave para abrir novos horizontes e transformar o mundo corporativo.