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LIDERANÇA FEMININA 9 min de leitura

“Masculinizei meu jeito de liderar para ser respeitada”

Pesquisa inédita da MIT SMR revela que mulheres estão em busca de exercer uma liderança mais autêntica. No entanto, muitas percebem que ainda reproduzem o modelo de liderança baseado na perpetuação histórica do arquétipo masculino

Tamy Freitas
31 de janeiro de 2025
“Masculinizei meu jeito de liderar para ser respeitada”
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Em 1959, uma jovem americana chamada Rena Kanokogi, disfarçada de homem, venceu um campeonato de judô nos EUA. O disfarce só foi necessário porque ela não podia competir assumindo sua verdadeira identidade. Mas essa não é uma história isolada. Assim como Kanokogi, muitas outras mulheres ao longo da história se passaram por homens para poder trabalhar, ir à guerra, praticar esportes, escrever e até mesmo criar seus próprios filhos.

O que todas essas histórias têm em comum é que essas mulheres precisaram se vestir e se comportar como eles para fazer o que queriam ou precisavam fazer. De lá para cá, reformulamos o disfarce. Hoje, podemos usar nossas próprias roupas e assumir nossas identidades. No entanto, “a sensação de inadequação da mulher ao espaço de trabalho é permanente, e não tem a ver com a roupa e sim com um mundo que não foi feito para ser ocupado por mulheres, mas que ocupamos por insistência e teimosia”, afirma Mayra Cotta, autora de Mulher, roupa, trabalho, em entrevista para O Globo. 

Era uma dessas mesas onde mulheres servem temas como casa, filhos, relacionamentos, trabalho e o desafio de equilibrar tudo isso. Entre queixas e suavidades, aquela que pouco se expressava ou falava de si finalmente deu voz ao que parecia aprisionado há tempos. “As pessoas me acham grosseira, e com razão, foi o que transmiti. Mas não quero mais isso, estou exausta, essa não sou eu.”  Ela se referia ao que um dia julgou necessário adotar como estratégia para obter respeito e não dar margens para abusos.

O peso da jornada

Aos 16 anos, ela foi forçada a deixar a casa da família após engravidar e ser rejeitada pelo pai. Com uma modesta ajuda financeira dada pela mãe, partiu na esperança de encontrar trabalho em uma nova vida.

O primeiro emprego foi como doméstica, o que também lhe garantiu um lugar para morar, criar a filha e, mais à frente, cursar a graduação de administração de empresas com o apoio da patroa. Com o salário do novo trabalho, um estágio em uma indústria local, alugou um pequeno apartamento e iniciou uma nova trajetória profissional.

À medida que começou a se desenvolver no ambiente corporativo, julgou que o melhor para a carreira seria ocultar sua maior vulnerabilidade — ser mãe solteira sem rede de apoio — e se blindar emocionalmente do olhar alheio. Sua vida pessoal tornou-se um segredo estratégico, mesmo que isso significasse afastar-se de sua própria humanidade. 

Ao conquistar a função de coordenadora financeira, adotou a sisudez como estratégia de sobrevivência. O semblante sempre sério e a fala firme pareciam intransigentemente necessários para manter os orçamentos controlados, garantir a pontualidade da equipe e consolidar o respeito do chefe. 

Com o tempo, a armadura começou a pesar. E a rigidez e a inflexibilidade, a drenar sua energia e limitar a construção de parcerias valiosas e conexões com a equipe. 

Isso não estava claro para ela até o momento em que se sentou à mesa com outras mulheres, que também compartilhavam experiências e atitudes semelhantes. Em meio às discussões e reflexões, deu-se conta do custo de replicar um modelo de gestão baseado do arquétipo masculino, que não a representava e ainda minava sua autenticidade. Compreendeu também que, a essa altura, suas conquistas e carreira consolidadas bastavam para justificar seu valor.

Coincidentemente (ou não), um estudo sobre competências de liderança, realizado por Jack Zenger e Joseph Folkman, da consultoria Zenger Folkman, revelou que a autoconfiança em líderes mulheres tende a aumentar após os 36 anos. E foi exatamente o que aconteceu com aquela mulher à mesa. 

O segredo pode estar na complementaridade

Os arquétipos femininos e masculinos, profundamente enraizados em nossa psique coletiva, trazem características e comportamentos distintos que moldam também as abordagens de liderança. 

O arquétipo masculino historicamente é associado a cadeiras decisórias e estratégicas em organizações e à assertividade e foco em resultados. Reflete um modelo de liderança orientado pelo comando e controle.

Por sua vez, o arquétipo feminino é associado à empatia, colaboração, intuição e a capacidade de nutrir relações. Esses traços, embora igualmente poderosos, muitas vezes são setorizados no ambiente corporativo, com mulheres frequentemente direcionadas a funções de cuidado, enquanto homens ocupam papéis focados em resultados. 

E se, a integração dos arquétipos masculino e feminino for a solução para equipes mais criativas, engajadas e produtivas? 

O verdadeiro impacto pode estar no meio do caminho, no equilíbrio dessas forças complementares

Essa foi a pergunta que motivou aquela líder a mudar sua estratégia de liderança. Queria entender quais seriam os resultados de ser ela mesma, de criar seu próprio jeito de liderar. Pediu ao time que a alertasse quando soasse ríspida, iniciou terapia para lidar com as expectativas externas e matriculou-se em um curso de comunicação não violenta. 

Ela escolheu não mais sustentar comportamentos que a afastasse de sua essência. Essa decisão encontra respaldo em estudos como o de Anita Woolley, da Carnegie Mellon University, que demonstram que equipes lideradas por mulheres são mais inteligentes e focadas em resultados, graças a uma liderança empática e colaborativa.

Uma pesquisa inédita da MIT SMR Brasil, que analisou quatro bilhões de interações online em torno do tema liderança feminina e realizou 14 entrevistas em profundidade com mulheres — entre líderes empresariais e especialistas no tema —, revelou que o modelo de liderança que predomina no meio corporativo ainda reflete a reprodução histórica do arquétipo masculino. Essa perpetuação frequentemente distancia as líderes de seus diferenciais autênticos. 

Amanda Muriel, diretora do Grupo Boticário, apontou que liderar com base em comando e controle — aprendizados herdados de homens — a desconectou de sua própria autenticidade de gestão.

Vivemos tempos de mudança paradigmática. Com mais mulheres em posições estratégicas, surgem evidências do impacto positivo da liderança feminina, como a melhoria dos resultados financeiros. De acordo com um relatório da McKinsey, organizações com maior representatividade feminina em cargos C-level têm 25% mais chances de registrar lucros acima da média. 

Práticas para construir uma liderança autêntica

Construir confiança e obter reconhecimento são essenciais para reformular a forma como as mulheres são vistas nas empresas. Confira dez estratégias que elas — e eles também — podem adotar para impulsionar essa transformação:

  1. Apoiar-se em dados e contexto para sustentar sua posição em reuniões e projetos;
  2. Pedir feedbacks ao time e pares sobre a condução de sua gestão;
  3. Compreender que um novo jeito de gerir negócios e pessoas está em construção;
  4. Reconhecer que raiva e intolerância, embora sejam humanos, precisam ser trabalhados e compreendidos;
  5. Reforçar a participação feminina, como estimular outras mulheres convidando-as a opinar;
  6. Fortalecer o coletivo feminino para naturalizar a presença de mulheres também em posições estratégicas;
  7. Interagir com outras mulheres que atravessam desafios semelhantes para criar coletivamente novas estratégias e apoio mútuo;
  8. Reconhecer os feitos das mulheres ao seu redor para estimular a autoconfiança;
  9. Comunicar-se de forma consistente, utilizando sua visão holística;
  10. Fazer retrospectivas para rever se suas interações refletem sua natureza e princípios; e
  11. Analisar o cenário ao redor para adaptar sua postura à demanda de cada situação.

Estamos desbravando um novo território. Nesse processo, é natural que tenhamos que abrir estradas e pavimentar caminhos para um futuro no qual liderar e existir como mulher seja símbolo de boa gestão, estratégia e resultado. Outras mulheres antes de nós criaram as oportunidades para que possamos ter hoje os direitos e a navegabilidade que um dia não tiveram. 

É caminhando que se faz o caminho. A capacidade das mulheres já está mais do que comprovada, mas cabe a nós reconhecê-la, internalizá-la e nos apropriar desse modelo feminino de gestão, que não só é bem-sucedido como pode ser o plot twist que as empresas tanto precisam. Ele gera resultados, é estratégico e, acima de tudo, traz consigo habilidades que podem ressignificar o mundo do trabalho. 

Resultados diferentes exigem abordagens diferentes. E a liderança feminina pode ser a chave para abrir novos horizontes e transformar o mundo corporativo.

Tamy Freitas
Tamy Freitas é especialista em aprendizagem organizacional e liderança feminina e embaixadora do "Sinapses", programa do CNEX dedicado a despertar a potência da liderança feminina, bem como o apoio mútuo e a coletividade como caminhos para a ascensão das mulheres no mercado de trabalho. Há mais de uma década, atua no campo da educação corporativa, desenhando jornadas de aprendizagem para escolas criativas e algumas das maiores empresas do país.

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