O plano de marketing que trouxe as empresas até aqui não as levará adiante
A quantidade de relatórios, opiniões de especialistas e pesquisas que todos nós recebemos nos últimos meses com previsões sobre o comportamento de consumo no pós pandemia foi, e ainda é, acachapante. Para consumo pessoal, debrucei sobre alguns deles e extraí cinco insights que me parecem inegociáveis para o planejamento de marketing em 2021. E resolvi compartilhar com vocês.
Mas antes, vale mencionar um dado de consumo curioso de pesquisa feita pela McKinsey, mencionada no artigo “A global view of financial life during Covid-19”, datado de 25 de junho de 2020. A pesquisa aponta que no Brasil 58% dos entrevistados que são decisores das compras em no domicílio acreditam que a economia brasileira estará pior nos próximos meses. Enquanto apenas 20% dos mesmos entrevistados imaginam que a sua condição financeira estará pior. Ou seja, para eles, o país estará pior, mas seu poder de compra não.Esse dado pode até corroborar a expectativa da crise em V comentada por muitos economistas, já que indica um retorno no consumo mais cedo do que se imagina. No entanto, se a teoria dos entrevistados for apenas um erro de percepção sobre as condições de sua própria situação econômica e a do país, deveremos experimentar o crescimento da demanda no curto prazo e da inadimplência no médio. “Only time will tell”.
Especulações econômicas à parte, vamos aos nossos insights.
A revisão obrigatória da jornada de decisão de compra do seu usuário
Recebi uma mensagem por WhatsApp da minha mãe, que está com 80 anos, mostrando uma foto tirada por ela mesma da tela de seu computador que exibia sua primeira reunião virtual do Rotary Club feita pelo Zoom. Depois de eu ter tido uma certa dissonância cognitiva em ver a destreza tecnológico-digital de uma octogenária, me senti obrigado a perguntar quem a tinha ajudado. E a resposta veio até que com uma certa naturalidade: “eu mesma”.
Em 2021, comportamentos como este deixarão de ser surpreendentes. Quando somente há seis meses confinávamos o uso da rede aos demográficos mais jovens e óbvios, como os das gerações Z e dos (early) millennials, tínhamos a certeza de estarmos acertando. O confinamento e o distanciamento social, apesar de terem trazido o apocalipse para os negócios, trouxeram, finalmente, a massificação da rede e a ampliação de um universo demográfico de consumidores, antes digitalmente inábil ou analfabeto.
O mundo digital não traz apenas uma ampliação de horizontes no ‘lifestyle’ das pessoas, mas traz principalmente novos pontos de contato para elas se relacionarem com suas marcas preferidas, gerando uma espécie de aumento de intimidade entre as partes.
Quanto mais eu conheço a marca que uso, mais chances eu tenho de construir uma boa ou má reputação dela; quanto mais ela me conhece, mais chances ela tem em acertar minhas preferências, assim, como um verdadeiro amigo que está sempre atento a ter uma boa relação. Isso é o que Paula Engler, CEO da Box1824, chamou no evento “Frontiers Unlocked 2”, da MIT Sloan Review Brasil, de consumo da verdade. “A geração que está entre a faixa de 18 a 24 anos é a da ‘true generation’ que não admite narrativas falsas das marcas e exige transparência total”.
Resultado disso é o aumento da complexidade nas relações entre marcas e usuários, assunto que acaba inaugurando mais uma tarefa estratégica nas mentes dos gerentes e diretores de marketing e de negócios a partir de agora. Não bastasse o radar do marqueteiro estar sempre ligado à competitividade exponencial do mercado, agora ele tem também que acompanhar a tortuosa e nova jornada de consumo e de relação com suas marcas.
“People and planet first”.
Há quem duvide que as questões éticas tomaram conta da sociedade? E quando falo em ética, penso em seu significado mais abstrato e subjetivo que vai além da simples etiqueta ‘moral’ para se conviver em sociedade. Com o crescimento exponencial das mídias sociais e de uma sociedade mais informada e consciente, estamos presenciando uma atividade empresarial menos passiva em relação às questões sócio ambientais pela enorme, mas legítima, pressão social.
Como você trata seus funcionários? Usa mão de obra infantil? E as questões de diversidade? São algumas das dezenas de questões que compõe o novo cenário para seleção e escolha de uma marca. A importância do Propósito Empresarial em 2021 na criação de uma ‘oferta de valor’ maior que transcenda o próprio negócio, produto ou serviço será ainda maior. A pandemia acelerou a demanda da sociedade por marcas mais conscientes e que as ajudem para além dos braços do poder público.
Pesquisa feita pela consultoria CapGemini, realizada em maio de 2020, com 7 mil consumidores de sete países (infelizmente o Brasil não está presente, no entanto, a Índia representa uma amostra de país em desenvolvimento) aponta que 3 a cada 4 consumidores mudarão sua intenção de compra para marcas que ativamente colaboraram com a sociedade durante a pandemia. E isso se intensifica ainda mais entre consumidores de 25 a 34 anos, já que 83% destes priorizarão marcas mais conscientes.
Há mais de 20 anos David Aaker e Philip Kotler já trouxeram o conceito de propósito empresarial e a necessidade de humanização das corporações/marcas, para além da produção. Mais recentemente, Simon Sinek tornou o conceito humanizado dos negócios mais pop e didático com seu “golden circle” (do livro “Start With Why”, de 2009).
E não é só a sociedade que está se mobilizando nesse sentido. Os investidores da bolsa e os maiores fundos do mundo já se posicionam claramente em colocar recursos em empresas mais conscientes. Elas não têm mais interesse em olhar para negócios que não tenham processos ou propósitos definidos. É o caso da BlackRock, maior gestora de investimentos do mundo que possui US 6,5 trilhões em investimentos. E no Brasil a situação é exatamente a mesma. Na visão de Christiano Clemente, chefe de investimentos e advisory do Santander Private Banking, afirma que “seja meio ambiente, questões sociais e outras externalidades, cada vez mais os investidores discutem mais sobre isso”.
Uma coisa é certa: marcas que não mostrarem “valor” para além de suas entregas tangíveis sobreviverão e passarão por 2021 com margens e volumes cada vez menores.
O CRM como conhecemos não é assim ‘tão’ mais suficiente para uma boa retenção de clientes.
Quando há mais de duas décadas o (ainda) site de livros Amazon.com trouxe a máxima do “pessoas que leram o livro X também leram o livro Y”, ninguém imaginava que essa era apenas a ponta do iceberg da ciência de dados em favor dos insights para o consumo. E em favor dos consumidores.
Muito tempo se passou e as novas tecnologias trouxeram oportunidades infinitas de possíveis conversas entre as marcas e seus usuários. No entanto, assim como na vida real, uma conversa mais próxima e relevante só acontece entre as partes se elas se conhecerem bem. As plataformas de CRM que existem hoje talvez não sejam suficientes para esse diálogo. Já são um bom começo, mas carecem de uma visão mais holística do comportamento do usuário, já que dizem respeito mais aos seus hábitos de compra do que propriamente seu comportamento como indivíduo.
O aparecimento de modelos adaptativos de dados mais complexos já está disponível para isso. A coleta de dados durante a pandemia, não só com o incremento das vendas online, mas também com o uso massivo das mídias sociais, tornou a leitura de dados mais eficaz e se tornou uma prerrogativa fundamental para o diálogo ‘one to one’ tão desejado pelas companhias com seus usuários.
Para 2021, a customização – ou melhor, a personalização das ofertas e conversas de pós-venda a partir de dados de compra e comportamentais – podem se tornar “ponto de diferenciação” fundamental para retenção de um cliente. A tecnologia de dados disponível hoje chegou a tal ponto que os departamentos de marketing já podem ter a chance de usar “real-time data” de um jeito muito mais assertivo.
O problema (atual) dos dados em tempo real é que eles pressupõem uma combinação de aprendizados e ações, a partir da somatória dentre todos os dados que a empresa tem e que ficam espalhados em diferentes departamentos. Um artigo da McKinsey de 22 de março de 2017 (“The heartbeat of modern marketing: Data activation and personalization”) mostra bem como deve ser o fluxo da plataforma de dados dos usuários de uma empresa para ‘aprendizado & ação’ contínuos sobre eles.
Enquanto não temos nem tempo, nem recursos para unificação dos dados da empresa para uma efetiva conversa com os usuários no pós venda, um cruzamento de dados atuais do bom e velho CRM da empresa, com os comportamentos digitais desses mesmos usuários no Facebook e Twitter podem gerar uma combinação “insightful” sobre seus hábitos e atitudes e dar boas pistas para gerar melhores ofertas e de bons diálogos com seu público alvo. Assim, os 3 Rs do CRM – relacionamento, reconhecimento e recompensa – passam a ser mais robustos.
Dois conceitos se entrelaçam: “trust economy”- só compro de quem é transparente e ético e “employee branding” – só trabalho onde possa alinhar meus valores.
A multinacional de relações públicas Edelman publica desde 2015 pesquisa que avalia o nível de confiança nas quatro instituições mais importantes da comunidade global: o governo, a mídia, as ONGs e os negócios. A pesquisa, chamada “Trust Barometer”, aponta que o Brasil ainda mantém um excelente status de confiança na iniciativa privada em contraposição à derrocada vertiginosa nas outras instituições.
A mais recente edição da pesquisa, publicada em janeiro desse ano, indica um crescimento de seis pontos percentuais no índice de confiança da sociedade brasileira junto as empresas em relação ao de 2019, sendo julgadas como confiáveis por 64% dos brasileiros. A franca maioria dos países desenvolvidos pesquisados tem índices muito menores ou até abaixo da média mundial. O mundo (e o Brasil não é exceção) vem entrando na era da economia da confiança ou em inglês, na “trust economy”.
O nível de credibilidade nas corporações e de suas marcas cresce a cada ano e fica cada vez mais difícil o departamento marketing não contemplar o público interno da companhia como um disseminador legítimo de seus valores em suas estratégias para 2021. Ao longo dos anos, venho notando um aumento vertiginoso da importância desse segmento na cadeia de valor dos negócios, configurando, muitas vezes, uma correlação quase perfeita com o sucesso ou na derrocada das vendas e da imagem da companhia. Ainda mais, após o período da pandemia que obrigou as marcas a tomarem atitudes ‘non profit’ junto à comunidade e seus funcionários.
Uma coisa é certa. Colaborador bem atendido é sinônimo de alta produtividade, boa imagem e lucro acima da média. Daí vem o surgimento de uma nova disciplina para os profissionais de marketing e de RH que precisam trabalhar em conjunto: é o Employee Branding, em que os valores de ambos – empresa e funcionário – precisam estar alinhados para ganhos de produtividade e felicidade no emprego. Pelo menos é isso que diz o primeiro estudo de Empresas Humanizadas no Brasil, uma versão brasileira da “Firms of Endearment”, feita nos Estados Unidos pelo capítulo americano do Capitalismo Consciente.
Feita e divulgada em 2019 pelo pesquisador Pedro Paro, para seu mestrado na USP de São Carlos, a pesquisa aponta para um resultado surpreendente: no período de 4 a 16 anos, elas chegam a alcançar mais que o dobro de rentabilidade do que a média das 500 maiores empresas do país. Não só, as empresas com valores claros e de impacto para comunidade, ou seja, mais humanas tem a satisfação dos clientes 240% superior à média.
A pesquisa das “empresas humanizadas” ainda mostra que a resposta de satisfação de clientes e colaboradores independe do seu tamanho. Foram estudadas empresas de 50 a mais de 10 mil funcionários e 22 delas ganharam menção, seja a Fazenda da Toca Orgânicos e a Mercos Software, que tem entre 50 e 199 funcionários até Unilever, Natura e J&J que tem entre 5 mil e 10 mil colaboradores.
Marcas com pensamento global já foram bastante valorizadas. Chegou a vez das marcas com pensamento da vizinhança…
Uma série de eventos contemporâneos consecutivos nos últimos anos acabaram se somando ao confinamento mundial obrigatório para desembocar numa realidade inevitável para sociedade e para as marcas: a valorização da vizinhança.
A mobilidade urbana restrita pela pandemia somada ao histórico desejo de menos trânsito nas grandes cidades, menos emissão de poluentes e mais qualidade de vida, praticamente empurraram a comunidade a fazer suas compras pela vizinhança. E quando digo vizinhança, estou me referindo literalmente à uma “walking distance” de suas residências, locais a se vai a pé.
Valorizar comportamentos mais próximas e familiares, celebrar os valores locais e entrar no tecido social da comunidade são características que foram enormemente aceleradas pela Covid-19. Mas, aí você pergunta: como uma marca multinacional ou até as grandes marcas nacionais podem atuar desta maneira?
Em 2018, numa visita técnica ao varejo americano, especificamente em NY, fui visitar uma loja da rede de varejo Athleta, do Grupo Gap, umas das maiores redes varejistas dos Estados Unidos que reúne marcas como Gap, Gap Kids, Old Navy, Banana Republic e Hill City. Athleta é uma marca de lifestyle para as mulheres contemporâneas. Criam e produzem um segmento de roupas que vem sendo chamado de “athleisure” em inglês, um neologismo que designa uma mistura entre roupas de treino com street fashion.
Muito embora as lojas da Athleta tenham uma mesma comunicação visual e uma mesma programação de lançamentos de produtos e campanhas, cada loja celebra sua vizinhança de maneira diferente. Antes do horário comercial, as lojas abrem suas portas para a comunidade para prática da ioga. As lojas são especialmente preparadas para se tornem estúdios de ioga em horários alternativos.
Cada loja abre uma agenda “local” com eventos específicos para as mulheres locais, seja de esportes, seja de assuntos para e sobre a comunidade. Uma lista bastante extensa de pequenas empresas está disponível no mural de cada loja para incentivo aos negócios locais familiares e aos serviços dos arredores para a comunidade como terapias, produtos feitos à mão e educação em geral.
Os analistas de mercado, especialmente os especialistas do varejo norte-americano, destacam uma performance excepcional da rede Athleta de lojas e que está sendo responsável por manter o Grupo Gap ainda numa posição de destaque, já que as famosas lojas Gap e Gap Kids amargam perdas há muitos anos.
Arrisco dizer que de todas as atitudes do marketing para 2021, essa é a que demanda mais atenção, já que pensar localmente, em detrimento das diretrizes de marketing globais ou nacionais de uma marca, exige uma profunda mudança de mindset em contraposição à um pensamento mercadológico mais tático.
Como a MIT Sloan Review Brasil sabe bem, já que tem dedicado boa parte de seus eventos para o tema, chamar o mundo de VUCA (sigla em inglês para volátil, incerto, complexo e ambíguo) é usar o adjetivo mais acertado para nossos tempos.
O marketing para esse momento da história contemporânea é orgânico e adaptativo. Mas também agile. A boa notícia é que tudo está para ser mudado. Uma enorme oportunidade para todos. Mas a má notícia é que a ansiedade nunca acompanha o passo do tempo.”