É preciso entender as duas primeiras, protagonizadas por um pé de laranja e um casal de porcos, e por uma máquina a vapor, para conseguir aproveitar a terceira, atual – a do smartphone
Ao longo dos últimos 15.000 anos, muita coisa aconteceu. Embora a história contada tenha sempre sua dose de imperfeição, até porque foi sempre contada por vencedores, sabemos muito sobre nosso passado.
Já peço desculpas de antemão aos historiadores que estejam lendo este artigo pelos arredondamentos e visão mais ampla sobre os fatos que são aqui citados. O objetivo de trazer alguns momentos históricos neste texto é apenas para nos posicionar sobre os fatos mais relevantes para o real tema do artigo. O fato histórico maior, aqui, é mais relevante do que detalhes que o envolvem.
Existem vários fenômenos históricos que marcaram suas épocas. Uns que foram esquecidos, outros que serão lembrados por muito tempo, em função da sua relevância naquele momento histórico, e outros que serão lembrados para sempre porque representaram uma virada de página na história da humanidade. Estes últimos são raros, mas quando acontecem, mudam tudo.
Na história recente da humanidade temos três grandes viradas de página. A primeira, por volta de 12.000 A.C., foi a chamada “revolução agrícola”. Até então éramos nômades, caçadores-coletores. Vivíamos por aí, como os animais da savana africana, cassando, colhendo frutas e dormindo cada dia em um lugar diferente. O conceito de posse era outro. A maioria das religiões era politeísta. Não éramos evangelizadores. Respeitávamos muito os animais, até porque éramos caçadores e caça ao mesmo tempo.
“Um belo dia” descobrimos que poderíamos plantar e colher, poderíamos cercar um casal de porcos e ter carne sempre. Daí surgem a agricultura e a pecuária, duas “inovações humanas” que mudaram o mundo por completo. A partir de então, começamos a nos fixar na terra e delimitar fronteiras. “Daqui até ali é meu”, disse alguém para a sua comunidade. Como não existia cartório de registro de imóveis e nem escritura pública nesta época, a terra era disputada pelo melhor índice de meritocracia daquele momento – a força.
Todos nós sabemos o que virou o mundo. Guerras, guerras e mais guerras. Cada um querendo empurrar a sua cerquinha mais pra lá. Esse “novo” mundo , onde deixamos de nômades e passamos a ser gregários, produziu o maior derramamento de sangue que já se ouviu falar. Todos nós sabemos um pouco o que fez o Império Romano, Gengis Khan, os vikings, entre outros. O mapa do mundo passou mais de 14 séculos não terminando o ano como começou. Houve momentos em que as guerras matavam 20% da população mundial todos os anos. Tudo isso porque algo se transformou no recurso estratégico de poder – a terra. De 12.000 A.C. até aproximadamente 1.800 D.C, ou seja, durante 13.800 anos, vivemos na chamada “sociedade agrícola”, fruto do surgimento da agricultura e da pecuária.
Por volta de 1.800, uma segunda virada de página chegava. Com o surgimento da máquina a vapor logo descobriu-se que o poder estava mudando de mãos – da terra para o capital. Com mais dinheiro, compro mais máquina. Com mais máquina, produzo mais. Com mais produção, ganho mais dinheiro… Pronto, era dada a largada para a “sociedade industrial”, onde o capital virou protagonista, o capitalismo se impulsionou e a geração de riqueza passou a dominar a agenda da humanidade. Nessa época não vivíamos mais do que 30 anos e a renda per capita era de menos de US$ 400 por ano. Em outras palavras e sem nenhum juízo de valor, não havia desigualdade social alguma – éramos todos pobres e vivíamos pouco.
Essa, chamada de 1a revolução industrial, promoveu uma nova agenda para a humanidade. Produção de riqueza, investimentos em ciência e novas descobertas. O homem queria viver mais e melhor. Em aproximadamente 200 anos (entre 1.800 e 2.000), pouco tempo quando comparamos com os 13.800 anos da sociedade agrícola, dobramos a expectativa de vida e multiplicamos a renda per capita. No ano 2000, virada para este novo século, já tínhamos vacinas, cirurgias complexas, transplantes de órgãos, aviões supersônicos prédios de 100 andares, pontes, túneis por baixo do mar, já tínhamos ido à Lua e já tínhamos o computador e a internet. Muita coisa, não? Repito, se compararmos esses 200 anos (entre 1800 e 2000) com os 13.800 anteriores da chamada sociedade agrícola, o desenvolvimento foi brutal.
Por outro lado, essa agenda de desenvolvimento pautada pela geração de riqueza deixou suas contas para serem pagas. Mas é indiscutível o que o capitalismo, a geração de riqueza e os investimentos em ciência produziram. A expectativa de vida mais do que dobrou e a renda nem se fala. Obviamente isso não aconteceu com todos e muitos ficaram para trás, mas é inegável o que os conhecimentos técnicos produziram nesses 200 anos.
Bom, a terceira virada de página tem ano, mês e dia: 29 de junho de 2007, quando o falecido Steve Jobs, um dos fundadores da Apple, que não produzia telefones celulares, subiu ao palco e apresentou ao mundo o primeiro smarthphone – o Iphone 3. Com uma plataforma de desenvolvimento de aplicativos aberta e uma tecnologia amigável e fácil de usar, conquistou o mundo e destronou os dois líderes incontestáveis da época – Motorola e Nokia. A Apple, seguida depois pela Samsung e outras empresas, colocou na palma da nossa mão uma infinidade de soluções. Pesquisa recente mostrou que temos, em média, 80 aplicativos no nosso celular e usamos com frequência 40. Foi a tecnologia que mais rapidamente se disseminou mundialmente. Com a melhoria dos serviços de rede, 3G e wi-fi, as pessoas se conectaram com o mundo e passaram a ter um poder como nunca antes na história.
Esse poder produziu e segue produzindo uma mudança muito grande na forma como nós nos relacionamos com pessoas, marcas, empresas, políticos e, principalmente, com a educação. Conectados, podemos falar ao mundo, elogiar pessoas e empresas, destruir a reputação de pessoas e empresas, nos locomover, comprar, pagar contas, jogar, compartilhar informação, estudar… É mais fácil discutir o que não podemos fazer com um smartphone na mão, concorda? Obviamente, como todas as grandes invenções, a conectividade é usada para o bem e para o mal. Mas sempre foi assim. Como sempre digo, a mesma faca que passa manteiga no pão pode matar uma pessoa, a mesma energia nuclear que leva progresso a uma comunidade, produziu Hiroshima e Nagasaki. A culpa não é nem da faca e nem da energia nuclear, e sim das mãos que as usaram para cada fim.
Pois bem, de 2007 para cá, vivemos nesta nova era. É um momento histórico único e talvez nem todos nós tenhamos clareza sobre a sua dimensão. Acredito muito que daqui a 2.000 anos as pessoas estarão conversando sobre nós. “Como deverá ter vivido aquela galera das três primeiras décadas do século 21”? Não tenho a menor dúvida disso. O momento histórico atual é, em relevância, equivalente à revolução agrícola e à revolução industrial e representa a maior transformação da história da humanidade.
Para alguns, um pavor total. Para outros, como eu e o time com que trabalho, um momento maravilhoso, cheio de novos desafios e oportunidades. Para quem não gosta de tédio, a melhor festa que poderia existir.
(Este texto foi adaptado do livro Educação 4.0, de Marcelo Veras e Luis Rasquilha, que acaba de ser lançado pela Unitá Editora)