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Quando seu emprego é uma commodity (e você não sabia)

Mesmo que seu trabalho pague bem e seja especializado, é importante você se perguntar se ele é comum e repetitivo o bastante para ser feito por uma máquina – e tomar providências preventivas

Thomas Davenport
29 de julho de 2024
Quando seu emprego é uma commodity (e você não sabia)
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Nós geralmente não pensamos nas tarefas que desempenhamos como commodities. O verbete do dicionário Merriam-Webster para a palavra “commodity” diz: “um produto não especializado produzido em larga escala”. Mas a maioria de nós vê nossos empregos como especializados ou, de alguma forma, diferenciados. Geralmente acreditamos que os desempenhamos de um jeito diferente, e muitas vezes melhor, do que qualquer outra pessoa com o mesmo cargo. Provavelmente afirmaríamos que ninguém faz o mesmo trabalho que nós – ou porque desempenhamos  um conjunto de tarefas (ligeiramente) diferente, ou porque as desempenhamos de um jeito (ligeiramente) diferente.

> Você pode achar que é único, mas as empresas cada vez mais o veem como mais um profissional, entre tantos que podem fazer a mesma coisa – seja sua coisa a habilidade  de escrever código Python, seja gerenciar ativos financeiros

Talvez estejamos certos a respeito disso, mas o mundo da gestão anda mostrando outra coisa. Empregos são cada vez mais vistos como indiferenciados e intercambiáveis entre seres humanos e máquinas, que é a definição exata de commodity. A terceirização – trocar funcionários internos por externos, muitas vezes localizados em outros países – foi um grande passo em direção à comoditização do trabalho para diversas empresas. Muitos processos de recrutamento tendem à comoditização com, por exemplo, leitura automatizada de currículos. Você pode achar que é único, mas as empresas cada vez mais o veem como mais um profissional, entre tantos que podem fazer a mesma coisa – seja sua coisa a habilidade  de escrever código Python, seja gerenciar ativos financeiros.

Agora, assim como existem commodities de alto e baixo valor, há empregos comoditizados de alto e baixo valor. Areia é uma commodity de baixo valor, e trabalhar como atendente em um restaurante de fast-food é um emprego de commodity de baixo valor. Ouro é uma commodity de alto valor, e transações financeiras se tornam cada vez mais um emprego de commodity de alto valor (falaremos mais sobre isso depois). O valor de muitos empregos é conduzido mais pela demanda de mercado do que por seu valor intrínseco.

Uma rápida análise das revistas de negócios com foco nas pessoas que perdem empregos  indica que esses empregos estão sumindo menos por conta da automação e mais porque menos clientes queriam comprar os produtos e serviços com os quais estavam associados. Isso inclui empregos em telecomunicação por fios, lojas de departamentos e gráfica.

Para muitas organizações hoje, o próximo grande condutor da comoditização do trabalho é a automação conduzida por máquinas inteligentes. Minha pesquisa sobre automatição por meio de inteligência artificial (IA) ou tecnologias cognitivas sugere que, se um emprego com tarefas cotidianas pode ser terceirizado, muitas das tarefas geralmente desempenhadas por seu titular podem provavelmente ser automatizadas – mesmo por tecnologias relativamente “bobas” como o processo robótico. Em resultado, muitas empresas de outsourcing globais estão trabalhando desesperadamente para criar suas próprias habilidades de automação a fim de oferecer as máquinas que vão substituir empregos humanos.

Serviços financeiros são uma área propícia para a automação, considerando que muitas atividades são relativamente estruturadas e há relativamente pouca diferenciação de produto (é só dinheiro!). Há empregos de commodity de alto e baixo valor nessa indústria, e alguns dos de baixo valor, como caixas de banco, estão desaparecendo há algum tempo já, só que lentamente.

O que vem ocorrendo mais recentemente é que alguns dos empregos de alto valor do setor financeiro estão comoditizados também. Algoritmos sofisticados começaram a substituir comerciantes financeiros e gestores de fundo hedge, e cerca de um terço dos ativos de fundo hedge são administrados dessa forma, de acordo com o Hedge Fund Research Inc. de Chicago, Illinois. O robô de investimento, uma máquina que recomenda investimentos aos clientes, vem substituindo assessores financeiros humanos no mundo inteiro. Pense nos muitos clientes aplicam suas economias em fundos mútuos, por exemplo; é relativamente fácil determinar um portfólio apropriado para esse grupo, ajustá-lo de acordo com preferências pessoais de alocação de ativos com pouca ou nenhuma intervenção humana. Considerando que a maioria dos mercados financeiros são digitais, as máquinas podem facilmente determinar quais investimentos têm melhor desempenho. Intuição e experiência pessoal em escolher investimentos importam pouco.

O QUE FAZER?

1. DESCOMODITIZAR

A chave para profissionais financeiros e todos os outros cujos empregos pareciam seguros mas já entram na zona da ameaça é tornar suas atividades descomoditizadas, ou menos comoditizadas. A automação é um jogo de grandes números, e não é economicamente eficiente para poucas atividades automatizadas. Enquanto as habilidades dos trabalhadores humanos forem diferenciadas em relação às das máquinas, as máquinas não poderão substituí-las facilmente – e poucas organização estarão tentadas a automatizar esses nichos.

Vamos voltar ao exemplo da gestão de ativos financeiros. Nela, escolher o fundo mútuo certo é uma tarefa commodity, mas aconselhar outros investimentos não é. Se você é uma fundação que precisa investir a doação que receber, e quer colocar parte dela em alternativas como madeira ou petróleo, você precisará do conselho de um especialista. Se você quer investir em locação de apartamentos, você provavelmente precisará de um conselho (humano) sábio também. Nessa indústria, então, gestores de ativo astutos devem concentrar-se em ativos que não são bem compreendidos e comercializados fácil e digitalmente.

O corretor  Rishi Ganti afirmou em um artigo da _Bloomberg Businessweek_ que seu futuro é na gestão dos chamados “ativos esotéricos” que requerem ajuda humana – o que ele define como “alto capital humano” – para serem gerenciados. “São como matéria escura”, diz Ganti, “uma vez que diminuem o que é visível no mercado”.

> No caso do setor de investimentos, por exemplo, o futuro promissor dos empregos descomoditizados tende a estar na gestão dos chamados “ativos esotéricos” e na “psiquiatria financeira”

Outro modo de impedir que seu emprego se torne comoditizado é focar em aspectos mais humanos da tarefa – isto é, aqueles que são mais difíceis de automatizar. No mundo financeiro, para ficar no mesmo exemplo, isso muitas vezes envolve compreender melhor os seres humanos e as decisões financeiras bobas que eles tomam. Um dos meus alunos descreveu isso como “psiquiatria financeira”, mas um nome mais academicamente respeitável é “finanças comportamentais”. Consultores financeiros que entendem finanças comportamentais podem se concentrar não em selecionar investimentos para seus clientes, mas em fazê-los desistir quando estão prontos para “vender tudo” após uma queda no mercado de ações. Ou eles podem abordar o problema complicado de reconciliar as diferentes tolerâncias de risco de maridos e esposas. Combater tais questões emocionais complexas é um trabalho improvável de ser tomado pelas máquinas a curto prazo.

2. CONTRIBUIR COM A COMODITIZAÇÃO

Ironicamente, pessoas que trabalham com finanças e outras indústrias com empregos especializados e bons salários também podem se tornar menos comoditizadas contribuindo com o processo de comoditização. Se elas forem boas em estruturar as decisões tomadas e em entender como estas podem ser representadas nos computadores, terão emprego por um bom tempo ainda. Elas conseguirão monitorar decisões baseadas em máquinas, consertar as coisas quando as máquinas falharem (por falta de dados, por exemplo), e talvez até melhorar a tomada de decisão das máquinas ao longo do tempo.

AVALIAÇÃO

É muito difícil prever quão rapidamente empregos de vários tipos se tornarão commodities, e quão rapidamente seres humanos que os desempenham serão substituídos por máquinas. Empregos são constituídos por uma série de tarefas e apenas algumas costumam ser automatizadas. A automação muitas vezes demora mais tempo do que o esperado porque a inércia organizacional tende a ser alta, porque os empregos são ligeiramente diferentes uns dos outros, e porque as pessoas encontram jeitos de se diferenciarem.

Mas, não importa qual é a sua área de atuação, você deve perguntar a si mesmo se seu emprego é comum e repetitivo o bastante para ser feito por uma máquina. Se  concluir que sim, é hora de você procurar um trabalho menos comoditizado. Ou criar um.

Thomas Davenport
Thomas H. Davenport é professor de tecnologia da informação e gestão do Babson College e membro sênior da MIT Initiative em economia digital, além de um pioneiro na economia dos dados e do analytics.

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