O lucro aumenta com o compromisso. Mas qual é seu nível de compromisso além do lucro? É uma escada a ir subindo, degrau por degrau – dificilmente alguém se torna uma organização teal de uma vez
Cinquenta anos atrás, Milton Friedman, ganhador do Prêmio Nobel em ciências econômicas, cunhou esta frase em uma entrevista para a revista Time nos Estados Unidos: “O único propósito de uma empresa é gerar lucro para os acionistas”.
A maximização do lucro em detrimento a qualquer outra forma de resultado era justificada na época como uma forma de recompensar o risco que o investidor incorria.
Alguns pensadores, críticos, consultores e ambientalistas dizem que esse conceito está ultrapassado, ou ainda errado. Será? Se fizermos uma análise crítica, podemos dizer que se as organizações não dessem mais lucro, assumindo que a nova realidade determina que o lucro não é mais relevante e por esse motivo as empresas estariam isentas de gerar lucro, o que aconteceria?
– Não teríamos mais investimentos, pois é do lucro que saem recursos financeiros para investir, inovar e crescer.
– Não teríamos mais filantropia, pois é o excedente de riqueza, lucro, que permite que organizações realizem contribuições financeiras filantrópicas.
– Não teríamos como financiar os governos, pois é a partir dos impostos que os governos sobrevivem e financial os serviços que prestam. Sem lucro não seria possível pagar impostos.
Alguns podem dizer que esses recursos já deveriam estar garantidos dentro do orçamento de uma organização, para o lucro não precisar existir. Mas quanto seriam as porcentagens de cada um desses quesitos? Quanto destinamos para filantropia, para investimentos, para impostos? Uma empresa já não poderia mais definir suas políticas? Isso estaria estabelecido em lei?
Outra forma mais simples de abordar a proposta de Milton Friedman de 50 anos atrás é reconhecer que ela está incompleta e aceitar que o lucro continua fazendo parte dos tipos de resultados que uma organização pode gerar. Gerar lucro não é o único propósito de uma organização, mas, se a organização não gerar lucro, ela é irresponsável social. Por quê? Porque coloca em risco a vida de seus funcionários e suas famílias que tiram seu sustento do trabalho para esta organização.
O que estamos vivendo é a evolução do nível de consciência das pessoas em geral – e dos líderes em particular. Essa evolução se apresenta de forma discreta e não necessariamente contínua.
De uma maneira bastante simplista e não acadêmica, podemos dizer que isso começou no século 20 com a ideia de sustentabilidade e muitas empresas criaram departamentos para cuidar do tema.
Com esses departamentos se formando surgiu o movimento da responsabilidade social empresarial (RSE), dando mais ênfase no que as organizações impactavam em seu ecossistema, mas ainda acontecia que estragamos um lado e tentávamos compensar com uma contribuição do outro lado.
Depois surgiu a ideia de entender e comparar essas iniciativas entre as diversas empresas, aí surgiu a contabilidade GRI, de Global Reporting Initiative, com a intenção de padronizar esse trabalho de sustentabilidade e permitir que o mercado pudesse comparar empresas.
Mais recentemente, temos mais um movimento ESG, Environment, Social e Corporate Governance que cria uma mova forma de elevar a forma de operar uma organização, mas bastante alinhada com a ideia mais antiga do tripé da sustentabilidade.
Cada uma dessas ideias, autorreguladas, ou voluntárias, traz um novo nível de consciência para o mundo dos negócios. Quanto empresários, executivos, empresas aderem a isso depende do seu nível de consciência. Existem organizações de todos os níveis de consciência e ainda há aquelas que não começaram a galgar esses passos.
Podemos até dizer que a certificação do Sistema B é o próximo nível de compromisso além do lucro.
Todos esses movimentos são fundamentais. Precisamos de cada um desses degraus de diferentes níveis de consciência para ajudar as diferentes organizações em suas jornadas de transformação e atualização.
Às vezes até, nenhum degrau é necessário, mas isso é muito raro. No século passado, em 1994, a empresa Interface, por meio de seu CEO e fundador Ray Anderson, reconheceu o que estava causando ao mundo e decidiu que se tornaria neutra em carbono em 2020. Eles alcançaram esse desafio um ano antes. Hoje trabalham para ser uma empresa que regenera o ecossistema, e eles nunca tinham ouvido falar de ESG ou Sistema B!
Todos esses movimentos são, de certo modo, tão incompletos quanto a frase cinquentenária de Milton Friedman. O que vem depois disso? Certamente vem a transformação do sistema. Vem o capitalismo consciente com seus fundamentos de propósito evolutivo, interdependência, cultura responsável, liderança servidora e geração de valor em múltiplas dimensões. O CAPITALISMO CONSCIENTE como a forma natural de fazer negócios, já que ninguém empreende, ou melhor, quase ninguém empreende meramente para ganhar dinheiro. A grande maioria das pessoas empreendem para melhorar alguma coisa. Melhorar um produto, um serviço, suas vidas, a vida de suas famílias, e até os mais altruístas, para melhorar a vida de todo mundo.
Por que as empresas se tornam capitalistas selvagens? Só porque ocorre um desequilíbrio de forças, muitas vezes gerado pela pressão do investidos, ou do ego da liderança, ou até mesmo pela ganância de novos membros da organização. Você já parou para refletir o que tira a sua organização da rota da consciência? Você já parou para pensar quanto valor social, emocional, ambiental, tecnológico, de conhecimento, e outro tipo sua organização cria, além do valor financeiro? Muito!
Podemos dizer que os fundamentos de um capitalismo mais consciente são as ferramentas para alcançar o que Frederic Laloux chama de teal organizations. Empresas com autogestão, com propósito evolutivo. Seu livro Reinventando Organizações é um best seller e muitos tentam embarcar nessa jornada.
Mas sejamos realistas: sem a infraestrutura anterior será bastante difícil.
Aintenção compartilhada por Milton Friedman está incompleta. A maximização do lucro não é o melhor caminho, mas não podemos deixar de dar lucro.
Uma prova? Um estudo feito pela Deloitte e Compustas demonstra que desde a década de 1960 até os dias de hoje, o retorno sobre os ativos dos investimentos de empresas que operam na bolsa de valores caiu de 4,7% para 1,3%.
Outra prova? A otimização de geração de valor para todos envolvidos, reconhecendo a interdependência do sistema, demonstra que o resultado financeiro pode ser de até 7 vezes superior à média de mercado no longo prazo, segundo dados do livro Capitalismo Consciente – Guia Pratico.
O capitalismo consciente completa Milton Friedman.”