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Muito barulho por (quase) nada

A meta de redução de emissões dos EUA poderia – e deveria – ser mais ambiciosa; como está, os americanos vão emitir, per capita, quase o mesmo que os chineses em 2019

Carlos de Mathias Martins
30 de julho de 2024
Muito barulho por (quase) nada
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O governo Trump deixou um legado tão pronunciado de negacionismo científico que, especificamente no tópico da emergência climática, formadores de opinião ao redor do globo passam pano avidamente para qualquer iniciativa da administração Biden-Harris. O compromisso anunciado por Joe Biden no recente Biden Summit é obviamente alentador. Basta mencionar que em novembro do ano passado, o Lúcifer alaranjado ex-presidente americano retirara os EUA do Acordo de Paris. Já o governo Biden, logo no início do mandato, promete que até 2030 o país norte-americano irá reduzir emissões absolutas de gases de efeito estufa (GEEs) em pelo menos 50% ante ao pico registrado em 2005. E não é uma Black Friday do clima, na qual a meta de emissões primeiro dobra para depois cair pela metade: o governo americano também assumiu o compromisso arrojado de zerar as emissões líquidas de GEEs (gases de efeito estufa) do país em 2050.

Entretanto é legítimo questionar se os EUA não deveriam ser ainda mais ambiciosos. Por exemplo, ao invés de estabelecer metas de redução de emissão em termos absolutos, a potência norte americana poderia assumir compromisso de descarbonização per capita. Explico: segundo a Our World in Data, publicação digital capitaneada pela Oxford University, durante o ano de 2019 cada americano emitiu aproximadamente 16 toneladas de CO2. A China emitiu 7 toneladas de CO2 per capita e a Índia, aproximadamente 2 toneladas de CO2 per capita. A matemática é impiedosa: o compromisso americano de reduzir emissões de GEEs pela metade em 2030 levaria a contabilização per capita do país para níveis próximos aos observados pela China em 2019.

O caso da Alemanha também é emblemático. O compromisso assumido pela chanceler Ângela Merkel de reduzir até 2030 as emissões de GEEs do país em 55% ante os níveis de 1990 foi considerado pouco ambicioso pela suprema corte alemã. No começo de maio, o tribunal germânico equivalente ao nosso STF (mas sem a lagosta e o vinho, diriam os cínicos) decidiu aumentar a meta de redução de emissões do país para 65% em 2030 ante aos níveis de 1990. Caso a Alemanha consiga atingir tal meta, as emissões do país atingirão em 2030 aproximadamente 4 toneladas de CO2 per capita. Mesma ordem de grandeza das emissões per capita da França em 2019, país que, além de não queimar carvão, produz e consome majoritariamente energia nuclear.

# De quem é a responsabilidade, pela ordem

Ainda falta uma definição para o conceito de injustiça climática, mas não é difícil materializá-la: basta comparar as emissões per capita da Índia com a mesma métrica das nações desenvolvidas para captá-la. Como os compromissos de redução de emissões de GEEs impõem custos aos países e respectivas sociedades, é obrigatório assumirmos, no contexto dos esforços globais de descarbonização, o conceito de responsabilidade compartilhada mas diferenciada entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento.

Essa visão não tem nada a ver com a defesa do subdesenvolvimento propalada pelo típico idiota latino-americano. Até o economista Milton Friedman, por exemplo, argumentava veementemente que empresas deveriam pagar pela remediação dos danos causados pelas suas atividades poluidoras. Acredito que o mesmo argumento deva prevalecer em se tratando de países. Nesse sentido, a ciência é inequívoca. A concentração de GEEs na atmosfera é responsabilidade, pela ordem, dos EUA, dos 27 países da União Europeia mais o Reino Unido, da China, da Rússia e do Japão. Segundo o Our World in Data, esse grupo de países respondem por aproximadamente 70% das emissões de GEEs acumuladas na atmosfera desde 1751.

Enfim, o anúncio retumbante de metas de descarbonização pelos governos dos países desenvolvidos a mim me parece com aquelas histórias cheias de som e fúria que no final das contas não significam mudança significativa do status quo climático.

# Momento até-tu-brutus de um presidente

Nosso País emite aproximadamente 8 toneladas de CO2 per capita, e quase metade desse montante é oriundo do desmatamento de biomas como o cerrado e a Amazônia. Durante o Biden Summit, num dos episódios mais constrangedores da diplomacia nacional, o presidente brasileiro traiu fragorosamente sua crença negacionista e defendeu a preservação da Amazônia enquanto Joe Biden tirava uma soneca. Essa desfeita do mandatário americano com um presidente brasileiro não foi a primeira. O próprio Joe Biden participou do governo responsável pela espionagem da Petrobras – ou Petrossauro, como a petroleira brasileira era chamada pelo ex-ministro do planejamento do Brasil, o economista Roberto Campos. Mas eu divago.

Voltando ao tema da preservação da Amazônia e parodiando um caso narrado por Roberto Campos, faço o paralelo da situação de penúria financeira e ambiental em que vivemos e a peça de teatro Romeu e Julieta. Na tragédia escrita por William Shakespeare, a qual muito provavelmente nosso presidente nunca leu, Julieta, do ramo nobre dos Capuleto, cai nos braços de Romeu Montecchio logo no primeiro encontro entre os dois. E o Brasil na pindaíba segue se fazendo de difícil para receber o dinheiro do fundo Amazônia.

Carlos de Mathias Martins
Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

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