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O dilema do compartilhamento de dados e suas armadilhas

Logins via redes sociais disponibilizados por grandes plataformas online podem ajudar websites a aumentar o número de usuários no curto prazo, porém, gerar custos futuros

Jan Krämer, Daniel Schnurr e Michael Wohlfarth
O dilema do compartilhamento de dados e suas armadilhas
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O gerenciamento de senhas e credenciais de usuários de conteúdo e serviços digitais vêm se tornando cada vez mais desafiadores para empresas que hospedam websites. Para atender a essa demanda, grandes plataformas online permitem a autenticação de usuários por um login compartilhado, como “cadastre-se com o Facebook”.

No entanto, esse formato é mais do que uma simples solução com o objetivo de trazer comodidade ao usuário. A iniciativa permite que as plataformas acompanhem suas atividades em inúmeros sites e apps, enquanto os provedores de conteúdo e serviços que os adotam obtenham dados demográficos e de comportamento que os ajudam a melhorar a experiência do usuário.

Se esse modelo traz benefícios a todos os envolvidos? Às vezes. Porém, em muitos casos, esses provedores caem em uma armadilha: eles podem tirar proveito no curto prazo, mas também sofrer impactos econômicos negativos no longo prazo.

Limitações do compartilhamento de dados como estratégia lucrativa

Recentemente, analisamos a dinâmica da concorrência ao criar um modelo formal de teoria dos jogos, baseado na premissa que os sites que adotam esses logins enfrentam dois tipos de competidores.

Por um lado, os provedores que oferecem o mesmo tipo de assunto (como esportes, por exemplo), competem pela audiência. Geralmente, é esse o motivo de adotarem logins compartilhados e fazem isso para trazer uma experiência mais personalizada a partir das informações que têm de seus usuários.

De outro, a plataforma que emite os logins e os demais provedores concorrem pela publicidade. Por exemplo, uma empresa de roupas esportivas pode intensificar seus anúncios em um site de notícias esportivas ou numa rede social, dependendo de onde encontrar mais pessoas interessadas.

Neste caso, o compartilhamento de informações sobre a audiência obtidas pelo login provavelmente trará mais retorno para a plataforma do que para os sites de temas específicos. Por que? O motivo está no maior detalhamento dos dados obtidos, que ajuda essa plataforma a dirigir sua publicidade.

Enquanto um provedor de um assunto específico pode exibir anúncios dirigidos aos seus frequentadores por causa de seu tema, a plataforma de login tem público mais variado, aproveitando mais o direcionamento dado pelas informações colhidas, com a propaganda certa para o usuário correto.

Nossas descobertas apontam na direção de um desafio estratégico no ecossistema digital de hoje. Enquanto outros estudos observaram práticas excludentes por parte das plataformas de maior porte, nossa pesquisa mostra que provedores de conteúdo e serviços correm o risco de ficar dependentes e serem explorados ao participarem de acordos sobre compartilhamento de informações (data-sharing) com essas mesmas plataformas – de fato, junto com as permissões de uso de seus cadastros para entrada em outros sites e apps, as plataformas oferecem outros serviços para terceiros que tenham dificuldades de dividir os dados obtidos.

Por exemplo, a Amazon oferece um serviço chamado Fulfillment by Amazon (FBA), que permite a outros participantes do marketplace o envio de seus produtos primeiro aos depósitos da Amazon, e, a partir daí, a entrega é feita pela gigante norte-americana. Um estímulo aos vendedores fora da Amazon para usar o FBA é que seus produtos passam a ser elegíveis a participar do programa Prime, em que produtos têm maior visibilidade e podem ser enviados com mais rapidez, dando a esses terceiros uma vantagem competitiva em relação a outros marketplaces.

A Amazon, por sua vez, ganha informação valiosa sobre os negócios desses terceiros, como detalhes sobre produtores e consumidores, mesmo aqueles do marketplace Amazon. Com isso, esses vendedores correm um novo risco: que seus produtos mais populares sejam, em breve, vendidos diretamente pela Amazon, e os dados de seus clientes se tornem parte do mesmo sistema.

Outro exemplo é o projeto Accelerated Mobile Pages (AMP), da Google – que deixou de ser exigido pela empresa desde maio de 2021. O padrão AMP garantia aos websites que o adotassem um carregamento mais rápido de suas páginas e posicionamento de destaque nos resultados de busca, uma considerável vantagem em relação aos concorrentes.

Para usar o AMP, os sites deviam incorporar um script dos servidores da Google, que dá a estes acesso aos dados de conexão. Desta forma, a companhia limita o acesso do provedor ao uso dos dados, pois o público que clicar em um link AMP não chega ao website original. Isso bloqueia os esforços publicitários e torna mais difícil executar as análises sobre o conteúdo AMP. Com tais limitações, a capacidade de um website competir no mercado de propaganda pode ser reduzida pela adoção de AMP, o que foi entendido como uma medida anticompetição.

Quando é mais provável que ocorra um dilema em torno do compartilhamento de dados?

Pequenas organizações e startups são as principais candidatas a escolher relacionamentos próximos com grandes plataformas. Comparado a provedores estabelecidos de conteúdo e serviços, elas passam por uma maior pressão de acertar o alvo em suas mensagens publicitárias, incrementar a experiência do seu público e seu market share.

Nossa análise sugere que logins compartilhados são mais atraentes – e mais prejudiciais – para os sites que os usam quando os dados coletados da plataforma online permitem a um site de tema específico ganhar uma maior vantagem na concorrência por audiência. Neste caso, o provedor tem um forte estímulo unilateral para adotar o login compartilhado, mesmo que isso acarrete em uma desvantagem competitiva no mercado publicitário. Ao final, o proveito que conseguem na competição por usuários tem vida curta, já que a concorrência segue o mesmo caminho.

Mesmo sem uma feroz competição por usuários, o dilema entre adotar ou não o data-sharing ainda pode acontecer devido à grande competição por propaganda. Os dados do público que os sites recolhem prometem um melhor direcionamento publicitário em relação aos que não dispõem deles. Mas, novamente, essa vantagem se esvai à medida que outros fazem o mesmo movimento.

Como mitigar o risco da concorrência

Uma ironia desse dilema sobre data-sharing é que a pressão dos concorrentes faz com que as organizações sejam forçadas a fazer escolhas estratégicas que, de fato, acabam minando sua competitividade no longo prazo. Então, é aconselhável que gestores ponderem os efeitos futuros de seus acordos de compartilhamento de dados – como a exploração e a dependência –, contra os efeitos imediatos. A seguir, quatro estratégias que podem ajudá-los no processo decisório:

1. Monitorar continuamente os ganhos X perdas e permanecer ágil: para evitar uma dependência excessiva dos serviços (em geral, gratuitos) oferecidos pelas plataformas, provedores de conteúdo e serviços devem reavaliar constantemente suas decisões e estar preparados para alterar seu curso sem perder presença no mercado. As empresas podem também buscar meios de minimizar o que oferecem em troca de informações. Por exemplo, websites podem disfarçar sua URL para diminuir a quantidade de informação que as plataformas podem inferir.

2. Usar acordos de data-sharing para aumentar sua diferenciação em relação à concorrência: o compartilhamento de dados pode se revelar lucrativo no longo prazo para empresas que conseguirem explorar novas fontes de informação, de forma a se destacar dos concorrentes. Por exemplo, um streaming de música pode usar os dados de seus usuários para desenvolver algoritmos melhorados de recomendação de faixas ou playlists personalizadas. Se essas empresas aumentarem suas habilidades de análise ou disponibilizarem novos modelos de negócios que as diferenciam dos rivais a partir das mesmas fontes de dados, o login compartilhado com as plataformas poderá continuar a render dividendos.

3. Construir alianças com a concorrência: em vez de reforçar o poder das gigantescas plataformas online, provedores que fizerem uso desses logins podem se reunir e criar sua própria solução de entrada em seus sites. Já existem sistemas de registro abertos, como o OpenID, mas sem sucesso. Contudo, a tecnologia blockchain pode trazer a oportunidade de retomar esse conceito de estrutura descentralizada de login, há vários projetos inovadores nessa seara.

4. Procurar parceiros de compartilhamento em mercados complementares: empresas da chamada velha economia, com relações solidamente estabelecidas com seus consumidores e que não concorrem diretamente com serviços online sustentados por publicidade podem ser parceiros interessantes para acordos de data-sharing. Movimentações neste território, como uma aliança entre empresas alemãs e novos modelos comerciais de empresas tradicionais, podem trazer esse tipo de oportunidade.

As empresas precisam navegar com cuidado nessas estratégias para serem bem-sucedidas. Além de considerar os efeitos da concorrência, devem atentar para a proteção de dados e questões de privacidade antes de adotarem um sistema de cadastramento gerido por um terceiro ou compartilhar os dados de seu público externamente. Não é incomum ouvirmos sobre ataques de hackers a plataformas como o Facebook, que afetam milhões de usuários e, com eles, milhares de websites em que a audiência se conecta pela rede social. Claramente, esse tipo de brecha e o descuido com dados pelos parceiros podem rapidamente corroer a confiança nos próprios serviços prestados.

O Fórum: Data Science é uma coprodução de MIT Sloan Review Brasil e SAS.

Jan Krämer, Daniel Schnurr e Michael Wohlfarth
Jan Krämer (@kraemer) é professor catedrático na School of Business Economics and Information Systems na Universidade de Passau, Alemanha. Daniel Schnurr (@daniel_schnurr) lidera o grupo de pesquisas data policies na Universidade de Passau. Michael Wohlfart é gerente de data opportunity and privacy na Unitymedia, em Colônia, na Alemanha.

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