7 min de leitura

O G do ESG: inversão da sigla é diferencial para perpetuar negócio

O social e ambiental constituem a face mais visível das políticas ESG. Entretanto, é cada vez mais evidente a vantagem de começar a agir pela governança. Entenda por quê

Paulo César Teixeira
15 de julho de 2024
O G do ESG: inversão da sigla é diferencial para perpetuar negócio
Este conteúdo pertence à editoria Finanças e ESG Ver mais conteúdos
Link copiado para a área de transferência!

Quando o CEO da BlackRock, Larry Fink, anunciou em janeiro de 2020 “uma mudança estrutural nas finanças”, as empresas perceberam que estavam prestes a atravessar uma linha sem retorno. “Risco climático é risco de investimento”, escreveu Fink. “As mudanças climáticas são, invariavelmente, a maior preocupação dos nossos clientes em todo o mundo”.

Em outras palavras, Fink – com a autoridade de dirigir a maior gestora de fundos do mundo, com US$ 7,8 trilhões em ativos – estava dizendo que as estratégias relacionadas ao ESG (ecossistema Ambiental, Social e de Governança) haviam se tornado critério essencial para os investimentos. E que as companhias que não compreendessem o novo paradigma enfrentariam “crescente ceticismo por parte dos mercados”, além de “custo de capital mais elevado”.

Ao final de 2020, havia mais de US$ 30 trilhões de ativos ESG em nível global, conforme projeções da Bloomberg. Até 2025, o montante deve chegar a US$ 50 trilhões, quantia equivalente a um terço dos ativos totais de investimentos. “Anos atrás, as pessoas ainda duvidavam de ESG. Agora, ele é real e impacta em todo e qualquer mercado”, disse Patricia Torres, diretora global de soluções de finanças sustentáveis da Bloomberg.

No Brasil, os fundos ESG captaram R$ 2,5 bilhões no ano passado. Não por acaso, a B3 cogita incluir a agenda ESG nas regras de admissão de companhias no segmento Novo Mercado (o de maior nível de exigência em termos de governança), ao passo que entidades como CVM, Bacen e Anbima estão incorporando o tema às novas regulamentações do mercado financeiro.

Jornada de implementação do ESG

Com o assunto posto sobre a mesa, a questão passou a ser como agir para incorporar as diretrizes ESG à estratégia do negócio. A ideia é que as empresas possam, de forma coerente, integrada e transparente, executar as ações pertinentes a cada uma das letrinhas do acrônimo.

Em geral, o E e o S constituem a parte mais visível das políticas ESG, até mesmo em função dos impactos das mudanças climáticas e da desigualdade social na vida do planeta. Entretanto, tornam-se cada vez mais evidentes as vantagens de inverter a ordem e começar a agir pelo G, de governança. “Pode fazer toda a diferença, já que governança é cultura, propósito, valores. Em última instância, é o que assegura a perpetuidade do negócio”, afirma Hugo Bethlem, chief purpose officer (CPO) da Bravo GRC e presidente do Instituto Capitalismo Consciente Brasil.

Ele usa uma analogia para descrever a jornada de implementação das estratégias ESG: é como uma pista de automobilismo sujeita a intempéries, que fica escorregadia após ser castigada pela chuva. Neste caso, “a cultura e os valores representam os guardrails – se forem firmes e fortes, o carro vai dar uma amassadinha e voltar para a pista depois de bater. Se não, vai rolar morro abaixo”, compara Bethlem.

Modelo de gestão e plano de ação

Para os gestores, há uma infinidade de perguntas que cobram respostas, e não há muito tempo para encontrá-las. Em suma, é preciso definir as políticas ESG que devem ser adotadas e estabelecer quais áreas e pessoas deverão estar envolvidas, além de identificar quem são e onde estão os stakeholders e como será a relação com eles.

“É preciso dar resposta ao mercado e, se você estiver estruturado, vai dar uma resposta melhor. No limite, se não der resposta, provavelmente, estará fora do jogo, porque as novas gerações não irão mais comprar seus produtos ou serviços”, diz Claudinei Elias, CEO e fundador da Bravo GRC. Ele lembra que vivemos uma era multigeracional, da qual a “genuinidade” é um dos principais atributos.

Conforme detalha Elias, um dos primeiros passos é mapear as materialidades que compõem o portfólio de riscos da organização. “O que aconselhamos é que a empresa tenha clareza a respeito dos riscos ambientais e sociais aos quais está exposta e, a partir disso, construa um modelo de gestão para executar um plano de ação com o objetivo de mitigá-los e, se for o caso, amplificar os impactos positivos já alcançados.”

Algumas companhias decidiram alojar o controle da política ESG em áreas como relação com investidores ou responsabilidade social corporativa. Esta é uma alternativa, mas a empresa pode se beneficiar ainda mais com as áreas de governança. “Se eu trago a temática ESG para dentro de governança, riscos e compliance, consigo articular melhor todos os processos que precisam ser desencadeados, é um processo transversal que cabe bem nessa área”, ressalta o CEO da Bravo GRC.

Bethlem e Elias participaram de um webinar promovido pela MIT Sloan Review Brasil, em parceria com a Bravo GRC, sobre o papel da governança na implementação da estratégia ESG. No evento, outro tema abordado foi a importância da tecnologia como vetor estratégico na implantação das diretrizes ESG. “Em um mundo com uma transformação tecnológica gigante, não tem como dissociar a tecnologia de uma visão de longo prazo, à qual ela precisa estar conectada”, destaca Elias.

Essa necessidade se justifica mais ainda diante da evolução para uma economia circular, a qual envolve engenharia reversa, tratamento de resíduos, energia limpa e renovável, entre tantos itens associados ao uso massivo da tecnologia, assinala Elias: “Mudar para a economia circular é um caminho sem volta, que exige inovação e muita criatividade”.

Não adianta pintar a parede de verde

Paralelamente, é também a governança que evita o greenwashing (termo usado para caracterizar ações de sustentabilidade sem consistência, adotadas apenas para melhorar a imagem da companhia perante o público e o mercado).

“Se a empresa é verdadeira e transparente, não tolerará ações e investimentos de fachada no E e no S, até mesmo porque essa atitude vai afetar a integridade da marca, principal ativo intangível da companhia”, atesta o CPO da Bravo GRC.

Exemplos práticos? Doar cestas básicas em meio à pandemia é uma atitude louvável, mas é preciso levar em conta também se o salário que recebe o colaborador é suficiente para sustentar, de forma digna, a família e os entes queridos. “Olhar o lado externo é relevante, mas tem que olhar para dentro de casa também”, diz Bethlem.

Outro tema crítico é o da diversidade: “Não adianta emitir declarações de princípios, se você não tem pessoas diversas em todos os níveis da organização, inclusive nos níveis de tomada de decisão, especialmente no conselho”, acrescenta Elias.

Se é verdadeira a sentença de Peter Drucker – “Apenas 3 coisas acontecem naturalmente em uma organização: fricção, confusão e baixa performance. Todo o resto precisa de liderança” –, não se deve esperar que, espontaneamente, as pessoas arregacem as mangas para construir um novo capitalismo. É necessário que as lideranças empresariais organizem, mobilizem e engajem as pessoas para produzir resultados alinhados aos propósitos ESG.

“O que eram as igrejas e os estados no passado, hoje são as empresas. A sociedade civil precisa assumir sua responsabilidade”, conclui o CEO da Bravo GRC.

O Fórum: Governança 4.0 é uma coprodução de MIT Sloan Review Brasil e Bravo GRC.

Paulo César Teixeira
Colaborador de MIT Sloan Review Brasil

Deixe um comentário

Você atualizou a sua lista de conteúdos favoritos. Ver conteúdos
aqui