A falsa dicotomia entre saúde e economia, e os impactos da pandemia em toda uma geração jovem, são alguns dos pontos analisados no artigo que encerra essa série
“O equilíbrio emocional das pessoas tem sido fortemente abalado por diversas causas: isolamento social, incertezas do futuro, pressão para alcançar resultados, as dificuldades do trabalho remoto, entre outros pontos.
Muito cedo, talvez por pesquisar com regularidade o benefício das abordagens paradoxais quando enfrentando tensões no processo decisório, assumi que não existe trade-off entre saúde e economia. A saúde das pessoas e a economia seguem na mesma direção, e a economia só retomará plenamente quando nos sentirmos seguros para trabalhar, consumir e, mais importante, viver.
Para quem tem ainda dúvidas, basta analisar a questão das demissões coletivas, uma estratégia comum por parte das empresas enfrentando uma crise econômica. A perda do emprego aumenta o risco de morte prematura em 63%, afeta negativamente a saúde física e mental e quase duplica a taxa de suicídio. Por outro lado, manter a atividade econômica sem se preocupar com a saúde das pessoas aumenta o risco de acelerar a pandemia.
No entanto, é possível reter funcionários mesmo em tempos econômicos difíceis? Claro, porque as dispensas são, em parte, uma escolha, uma consequência de como os líderes conduzem seus negócios. Assim, o movimento “Não Demita”, suportado por mais de 4.000 empresas que aderiram à iniciativa de não demitir seus funcionários até 31 de maio 2020, reforçou a interdependência entre economia e saúde.
Dito isso, existe um crescente sentimento que a vida com covid-19 e as medidas de saúde que a acompanham perdurarão, infelizmente, por mais tempo do que previsto, mergulhando o mundo em um estado de emergência permanente, pelo menos ao longo de 2021.
Haverá vacinas, mas também novas variantes, e novas preocupações, ficando mais evidente que talvez tenhamos negligenciado um importante elemento na equação saúde e economia: o bem-estar das pessoas.
A Constituição da OMS define saúde da seguinte forma: “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não é apenas ausência de doença ou enfermidade”. O corolário importante dessa definição é que as três dimensões da saúde têm que ser combinadas para promover o bem-estar das pessoas.
Um exemplo ilustrativo desse possível “ponto cego” nas políticas adotadas pela maioria dos governos são os efeitos deletérios da covid-19 e da quarentena sobre a saúde mental dos nossos filhos e mais geralmente sobre os estudantes, principalmente quanto aos níveis de depressão, ansiedade e estresse.
O público estudantil tem uma participação limitada na economia, por isso são raramente o alvo dos subsídios econômicos criados pelos governos para lidar com a mesma. Pessoas com menos de 18 anos têm baixo risco de contrair a covid-19, e quando infelizmente acontece, eles geralmente desenvolvem formas leves da doença. No entanto, eles enfrentam os mesmos confinamentos e restrições quanto os demais.
A combinação dos três elementos explica, em grande parte, o aumento preocupante nas expressões de desconforto, nos transtornos psicológicos, angústias, e tentativas de suicídio observadas nos últimos meses no público que tem menos de 18 anos.
Conhecendo a propensão do mundo laboral para desencadear problemas de saúde mental, me questiono qual será o impacto na força de trabalho futura de uma geração inteira que iniciará sua trajetória profissional num estado latente de burnout.
Mais amplamente, uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz analisou o impacto da pandemia e do isolamento social na saúde mental de trabalhadores essenciais, revelando que sintomas de ansiedade e depressão afetam 47,3% desses trabalhadores durante a pandemia, no Brasil. A maioria sofre de ansiedade e depressão ao mesmo tempo. Além disso, 44,3% têm abusado de bebidas alcoólicas; 42,9% sofreram mudanças nos hábitos de sono.
Assim, um novo imperativo de boa governança pública talvez seja o de garantir que, quando a recuperação econômica se tornar possível porque fomos vacinados atempadamente – a dita combinação saúde e economia –, não existam depressões e mal-estar em massa, impedindo que todo ser humano possa, individual e coletivamente, pensar, sentir, interagir com os outros, ganhar a vida e desfrutar de sua existência.
Por fim, reduzir a insegurança econômica e o estresse, dar apoio às pessoas, avaliar e acompanhar o bem-estar dos trabalhadores, reconhecer as responsabilidades familiares dos funcionários – ajudando-os a conquistar um melhor “life balance” –, e examinar a possibilidade de trabalhar de novas maneiras, favorecendo atividades que agregam maior valor são estratégias de bom senso. Isso não serve apenas durante a pandemia, mas o tempo todo.
Nesse sentido, a atual crise pandêmica pouco revela sobre o que os bons líderes e as boas empresas deveriam fazer sempre. Isso apenas torna essas práticas de gestão mais importantes e urgentes.
Leia a primeira, a segunda e a terceira coluna da série Revisitando o burnout à luz da covid-19. Confira ainda o melhor conteúdo sobre saúde mental assinando gratuitamente nossas newsletters e ouvindo nossos podcasts na sua plataforma de streaming favorita.“”