Antes de apostar as fichas em qualquer solução, tomadores de decisão precisam olhar para o que já dá certo na indústria manufatureira
“O cliente pode ter o carro da cor que quiser, contanto que seja preto”. A frase de Henry Ford é frequentemente usada como alegoria da era da produção em massa, quando o foco estava no produto – e não no cliente. Um século depois, a indústria tem a personalização conforme as necessidades do cliente como lema. Se fosse atualizada, a frase de Ford terminaria antes da vírgula: “O cliente pode ter o carro da cor que quiser.”
Na prática, estabelecer uma abordagem centrada no cliente envolve a coleta e o uso de dados. Em primeiro lugar, para ter uma visão completa do usuário. Em seguida, para criar modelos de negócio, oferecer serviços agregados e estreitar os relacionamentos. O desafio da indústria é assumir os preceitos de uma cultura data-driven para manter a relevância em mercados cada vez mais competitivos.
As empresas sabem disso. Segundo a pesquisa Global de Qualidade de Dados da Experian, 91% delas estão conscientes da importância dos dados para construir novas estratégias de negócios no mundo digital. Mas o grande volume de informações, a demanda por velocidade na atualização e entrega, e a variedade de fontes e tecnologias dificultam os insights e a tomada de decisões baseada em dados.
Nesse cenário, como, afinal, a indústria pode utilizar a inteligência de dados para fortalecer pontos de contato, melhorar a experiência digital e satisfazer os usuários? Com tantas tecnologias e soluções disponíveis, a resposta está no mercado. Ou seja, antes de apostar suas fichas em qualquer instrumento, os executivos precisam olhar para o que já dá resultados na indústria manufatureira.
Quando se fala em aprimorar a experiência do consumidor, o primeiro passo é buscar uma “visão única do cliente” (do inglês Single Customer View, ou SCV). Em resumo, trata-se de coletar a maior quantidade de dados possíveis – incluindo atividades de navegação, interações de venda e firmográficos, por exemplo – para ter uma compreensão em 360º graus dos problemas e necessidades do cliente.
Para se ter uma ideia, segundo a pesquisa “Feitos sob encomenda: a ascensão da personalização em massa”, realizada pela Deloitte, a estratégia de SCV pode entregar até 8 vezes mais retorno sobre investimentos em marketing, além de incrementar as vendas em 10% ou mais.
A visão 360º só acontece quando os membros da equipe estão preparados para compreender as demandas do cliente em qualquer ponto da sua jornada. Por sua vez, alcançar esse estágio de capacitação nos escritórios, na fábrica e no trabalho de campo depende de treinamento para o uso de dados, assim como ferramentas digitais focadas nos colaboradores, como um workspace digital completo, com integração com analytics e foco na experiência do cliente.
Com dados em mãos e uma equipe preparada, é hora de partir para a servitização, o que significa agregar novos serviços aos produtos oferecidos pela indústria. O objetivo, com isso, é aprofundar o relacionamento e criar novos fluxos de receita para os negócios. Embora a combinação entre o real e o virtual seja um fator a ser considerado, a pandemia de covid-19 mostrou como soluções digitais são estratégicas para se diferenciar, aumentar a receita e fidelizar o cliente.
Por isso, no processo de servitização, as plataformas de experiência digital saem na frente. Um estudo recente da Liferay, com 93 indústrias globais de manufatura, identificou quais dessas soluções são as mais usadas e quais seus benefícios.
Em primeiro lugar, está o portal de clientes. Sua vantagem é atuar em duas pontas: o portal estabelece conexões personalizadas e fluidas ao mesmo tempo que entrega dados para a indústria impulsionar uma inovação baseada nas necessidades do cliente, o que aumenta a diferenciação frente aos concorrentes e impulsiona as chances de sucesso.
Essa foi a aposta da Airbus Helicopters. O novo portal do cliente da companhia otimizou o acesso às informações e serviços ao longo da jornada de mais de 24 mil usuários. Os operadores de helicópteros são informados, por exemplo, sobre a saúde e o uso dos equipamentos com relatórios gerados a partir de sensores integrados às aeronaves. Também foram citadas na pesquisa da Liferay as plataformas de colaboração, os portais de distribuidores e portais públicos das empresas.
Anualmente, a pesquisa Top Strategic Technology Trends, da Gartner, aponta 12 tecnologias estratégicas para entregar crescimento, digitalização e eficiência nos negócios. Em 2022, o data mesh (malha de dados) apareceu na primeira posição. Segundo o estudo, essa arquitetura de gestão de dados reduz os esforços de gerenciamento em 70%.
Em oposição à lógica de silos de informação, que limita o potencial gerador de insights, o Data Mesh, conforme a Gartner, “fornece uma integração flexível e resiliente de dados entre plataformas e usuários de negócios, disponibilizando dados em todos os lugares necessários.” Além disso, a malha de dados pode se valer de análises para aprender e recomendar ativamente onde os dados devem ser usados, fornecendo insights práticos através de modelos preditivos.
Nesse caso, as áreas de negócio ganham autonomia em relação às equipes de tecnologia da informação (TI). Os dados são, portanto, compartilhados com mais agilidade e precisão para todo o ecossistema, o que é especialmente importante na indústria manufatureira, que trabalha com parceiros, distribuidores e funcionários espalhados por diversos locais.
Ao adotar um paradigma de gestão de dados eficiente na coleta, estruturação e distribuição, para ter uma visão única do cliente e, assim, oferecer experiências digitais transformadoras, a indústria manufatureira de ponta está, de uma vez por todas, criando diferenciais para cada consumidor. Tudo isso levando em conta a segurança, em um momento de implementação de leis de privacidade, como a LGPD.
No fim das contas, para contemplar verdadeiramente o viés de personalização e servitização digital em voga atualmente, a frase de Ford talvez merecesse um adendo: “O cliente pode ter o carro da cor que quiser – mas nós oferecemos muito mais”.”