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Responsible tech: a busca por um futuro que valha a pena ser vivido

O conceito tem como base a análise constante de impactos negativos e a mitigação de riscos apresentados pela tecnologia, que, nos próximos anos, terá o potencial cada vez mais ligado à habilidade de usá-la para imaginar e criar destinos melhores

Grazi Mendes
30 de julho de 2024
Responsible tech: a busca por um futuro que valha a pena ser vivido
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Quando pensamos em futuro e tecnologia, podemos dividir o mundo em dois grandes grupos. O primeiro é formado pelo dos otimistas. Eles costumam colocar seu foco no potencial da tecnologia para resolver grandes desafios da humanidade. Teremos mais tempo para expressar nossa criatividade. Viveremos mais e melhor. Seremos mais fortes e inteligentes. Esse é o lado brilhante do universo digital.

Do outro lado, temos as pessoas mais pessimistas. Elas, por sua vez, acreditam que essas mesmas tecnologias criarão problemas exponencialmente maiores do que suas soluções. Fim dos empregos. Colapso econômico. Vício digital. Esse é o lado sombrio, que até se parece com a deep web.

Mas, não existe um lugar no meio? Há sim. E é nesse ponto intermediário que acredito estar localizada a nossa capacidade de pensar em futuros que se conectem a demandas reais do planeta e da sociedade.

No cenário atual, é difícil identificar o saldo final do espírito de move fast and break things que orientou o mercado de tecnologia nas últimas décadas. Entretanto, ao observar o estado calamitoso de nossa saúde mental, a propagação dos discursos de ódio, o aumento da precarização da força de trabalho e os movimentos de desinformação que se consolidaram ao redor de ambientes digitais, a sensação que fica é que quebramos mais coisas do que deveríamos. E fizemos tudo isso rápido demais, sem nenhuma ou quase nenhuma reflexão.

Em uma palestra apresentada no Web Summit Rio, Rebecca Parsons, CTO da Thoughtworks, falou sobre a importância da consolidação dos movimentos de responsible tech. O conceito, que vem sendo defendido por um número crescente de pensadores, cientistas e lideranças corporativas, tem como base a análise constante de impactos negativos (mesmo os involuntários) e a mitigação de riscos apresentados por novas tecnologias. Entre utopia e a distopia, talvez seja o pragmatismo que nos leve aos melhores caminhos possíveis.

A sensação é de estarmos num carro em alta velocidade, numa estrada que não conhecemos as curvas e nem temos ideia exata de onde vai dar. Por isso, não é despropositado o pedido de frear para recalcular a rota. Propostas de desaceleração de experimentos de inteligência artificial, como o artigo assinado por Yuval Harari, Tristan Harris e Aza Raskin, do Center for Humane Technology, no The New York Times, mostram que a discussão não é sobre intervencionismo ou restrição de liberdade de expressão: mas sobre a necessidade de atrelar movimentos de inovação a critérios mínimos de governança e responsabilidade social e ambiental.

É como se reconhecêssemos que nos faltam instrumentos de bordo essenciais para que a viagem não termine em tragédia anunciada. A ausência de senso de propósito e orientação, com uma evolução tecnológica acelerada, tende a alimentar sistemas de concentração de dinheiro, ego e poder. E eu acredito que podemos guiar bem melhor do que isso.

Todavia, estou cada vez mais convencida que a mudança de rumo virá menos do Vale do Silício e mais de regiões hoje consideradas à margem da economia e da sociedade. Gente que conhece as periferias dos mapas e os apocalípticos cenários futuros, no presente. Quem conhece a dor na pele sabe melhor como evitá-la.

Negócios criados em bases de favelas e periferias, por exemplo, costumam ser consideravelmente mais comprometidos com geração de prosperidade e transformação econômica — e não apenas com a criação de uma nova plataforma que irá transformar a atual geração de bilionários na próxima geração trilionários.

A força desse movimento pode ser constatada em projetos aparentemente simples, mas que estão profundamente conectados com as necessidades de suas comunidades. Recentemente, estive no Vale do Dendê, um dos principais hubs de inovação do País. Tive a oportunidade de conhecer o projeto da La Frida Bike, uma startup baiana que criou o 4theBLK capacete para ciclistas e motociclistas da população negra (a estrutura acomoda melhor os cabelos e penteados de suas usuárias). Ao lançar essa ideia em um País no qual um terço das pessoas são mulheres negras, a La Frida apresentou uma resposta escalável para um problema concreto e conseguiu captar recursos para financiar sua estratégia de expansão. Parece óbvio, certo? Não para os investidores brasileiros — o aporte veio do exterior.

Exemplos como o da La Frida mostram que para chegarmos a um futuro mais plural, inovador e inclusivo precisamos de mais capacetes e novas mentalidades, que desconstruam arquétipos de empreendedorismo e inovação. Entretanto, para equalizar oportunidades e desenvolver tecnologias genuinamente pautadas pela diversidade, será necessário mais do que criatividade e resiliência de agentes de transformação individuais. Precisaremos promover uma mudança sistêmica nas cadeias de negócio da chamada nova economia, começando pelo direcionamento dos investimentos e pela mitigação de vieses dos algoritmos que formam as bases de produtos e serviços digitais. Um bom carro e uma pessoa eximia no volante podem não ser suficientes para vencer uma estrada escura e esburacada.

Nessa economia de plataformas, quem são as pessoas que as criam? Para quem elas estão criando? E, principalmente, quem são as pessoas que estão excluídas desse processo? Precisamos de mais pessoas engenheiras ou de mais médicas, psicólogas e antropólogas no desenvolvimento de novos sistemas de inteligência artificial generativa? A linha do tempo do racismo algorítmico, criada por Tarcízio Silva, um dos principais pesquisadores sobre transparência, responsabilidade e antirracismo na inteligência artificial, traz uma importante contribuição para esse debate.

Em meio a essas perguntas, talvez o nosso principal desafio seja superar a crise de imaginação e a ausência de utopias que estamos vivendo. Nos próximos anos, o potencial da tecnologia estará cada vez mais ligado à nossa habilidade de usá-la para imaginar e criar destinos melhores. Um fio de esperança que começa a ser puxado pela nossa coragem de reconstruir os caminhos no presente e escolher um futuro que valha a pena ser buscado e vivido.”

Grazi Mendes
Grazi Mendes está como head of diversity, equity & inclusion na ThoughtWorks Brasil, consultoria global de tecnologia, é professora em programas de desenvolvimento de lideranças e cofundadora da Ponte, hub de diversidade e inclusão. Acumula cerca de 20 anos de experiência em gestão estratégica, branding, design estratégico, liderança e cultura, com atuação em empresas nacionais e multinacionais de segmentos diversos.

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