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Liderança digital 1: A única forma de sobreviver

A transformação digital se tornou uma obrigação para as empresas industriais.O problema é que ela é realmente muito complicada

Vijay Govindarajan e Jeffrey R. Immelt
29 de julho de 2024
Liderança digital 1: A única forma de sobreviver
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É difícil liderar qualquer tipo de transformação empresarial e não fica mais fácil com o tempo. Porém iniciar e sustentar uma transformação digital em uma empresa industrial é algo mais complicado de gerenciar do que qualquer outra iniciativa de mudança, seja gestão da qualidade total, 6-Sigma ou manufatura lean. Nós sabemos do que estamos falando: vivemos todas nas últimas três décadas. 

A “digitalização”, no sentido do transformar-se digitalmente, é algo obrigatório para sobreviver hoje em dia. Entretanto, enquanto ondas de tecnologia (automação, manufatura aditiva, IA) assolam o mundo corporativo, redefinindo a natureza do trabalho e da produtividade, não existem estratégias e há poucas boas práticas para a transformação digital dos fabricantes. Até recentemente, um grupo limitado de empresas industriais prestava realmente atenção às tecnologias digitais. Há apenas nove anos, por exemplo, a General Electric não as acompanhava de perto, não pensava em como incorporá-las às máquinas que fabricava e, acima de tudo, não percebia que podia ganhar dinheiro com tudo isso. A digitalização estava muito distante da realidade industrial da GE.

Embora a maioria dos fabricantes já esteja começando a flertar com tecnologias digitais, ninguém conseguiu realizar uma transformação digital de sucesso até agora. Os CEOs ainda precisam entender a arte 

(e a ciência) por trás disso. Eles são forçados a elaborar suas estratégias instantaneamente, o que vem resultando em tensão e trauma. Alguns líderes empresariais foram muito criticados por dar início às transformações digitais prematuramente; outros, por atrasá-las; e houve os que tenhm sido demitidos por não acompanhar o ritmo.

Entre nós, Jeffrey liderou várias transformações entre 2001 e 2017, incluindo uma digital, na GE, corporação global bastante conhecida. O outro, Vijay, estuda inovações e mudanças em grandes empresas, incluindo a GE, há décadas. Nós dois estamos convencidos de que executar uma transformação digital é o desafio mais complexo e também o mais crítico que qualquer fabricante enfrenta atualmente. Foi por isso que nos unimos para escrever este artigo, que explica por que a transformação digital é tão desa­fiadora para os fabricantes e compartilha lições importantes que aprendemos com nossas experiências.

É provável que a GE tenha sido a primeira fabricante a compreender que as tecnologias digitais poderiam causar disrupção em seus negócios. Mas isso só aconteceu depois que uma equipe de prospecção da GE que buscava megatendências descobriu acidentalmente, por meio de pesquisas online, que empresas como a IBM e startups de alta tecnologia estavam reunindo dados de clientes seus para desenvolver serviços inovadores baseados em dados em setores como aviação e energia.

Apesar do conhecimento dessa ameaça existencial, a GE ainda enfrentou batalhas difíceis para iniciar e manter sua transformação. Confira.

A OPORTUNIDADE E A AMEAÇA

Muitos CEOs ainda não entendem que fazer uma transformação digital não é a mesma coisa que digitalizar uma empresa existente. Não se trata de criar sites, aplicativos móveis, campanhas em redes sociais e canais de vendas online. Não se trata de infundir tecnologia da informação (TI) na organização – o que poderá aumentar sua eficiência, mas não alterará de fato a estratégia. Transformação digital implica reimaginar produtos e serviços como ativos com habilitação digital; gerar um novo valor com a interconexão de ativos físicos e digitais por meio de dados; e criar ecossistemas para possibilitar tudo isso. Ela resulta em uma mudança fundamental na empresa e nas atividades organizacionais, nos processos, nas competências e nos modelos de negócio, possibilitando maior produtividade.

A maioria dos líderes empresariais com os quais conversamos sente o tamanho da ameaça que a mudança representa para os fabricantes, mas não a entende bem, nem enxerga a oportunidade que ela oferece. Fabricantes como GE, Siemens e Honeywell International já dependem fortemente dos serviços de pós-venda em metade de suas receitas e nos lucros. Em 2010, por exemplo, contratos de serviços representaram cerca de 75% dos pedidos da GE, no valor de mais de US$ 225 bilhões, totalizando o equivalente a mais de 18 meses de receita. Também contribuíram para cerca de 80% dos ganhos industriais.

Integrando sensores e instrumentação em máquinas e processos, as empresas já podem coletar e estudar dados dos usuários de forma contínua. A análise desses fluxos de dados permite que descubram maneiras de aumentar o desempenho e a confiabilidade das máquinas em tempo real, assim como a eficiência dos sistemas que as conectam, o que proporciona a oportunidade de aumentar continuamente a produtividade dos clientes. Isso é capaz de alterar o que uma empresa industrial vende – resultados, em vez de produtos. Companhias como a GE podem, por exemplo, vender energia por hora em vez de motores.

Apesar do enorme potencial de crescimento, os fabricantes de máquinas não foram os primeiros a acordar para o potencial de unir ferro e dados. Como descobriu o time de prospecção da GE, outras empresas saltaram à frente para criar o mercado. Isso inclui gigantes da tecnologia, como IBM, Philips, Toshiba e HP; nativas digitais, como Amazon, Alphabet, Apple e Microsoft; e startups apoiadas por capital de risco, tais como Uptake, Opower, Tendril Networks, Onzo, Aclara Technologies e Flutura. Essas empresas estão ajudando negócios como companhias aéreas comerciais, utilities de energia e produtores de petróleo e gás a estudar dados de desempenho em tempo real para tirar o máximo proveito de suas máquinas. É um negócio lucrativo: as empresas ganham uma parte da receita adicional ou das economias dos clientes depois de produzirem resultados. Em 2016, um estudo do Fórum Econômico Mundial estimou que essa oportunidade de negócios poderia totalizar até US$ 6,8 trilhões nos próximos dez anos.

Isso está tentando os fabricantes a lançar iniciativas digitais parciais, aumentar o uso de TI, terceirizar sempre que possível e adquirir talentos digitais sem se preparar para o sucesso. No entanto, como vimos na década passada, as empresas que não se comprometem totalmente com a transformação digital são superadas por rivais capazes de oferecer novos serviços baseados em dados – o que tem o potencial de acabar com os relacionamentos duradouros que têm com os clientes. Dado que o valor de reposição dos ativos da GE era de US$ 2 trilhões em 2010, quando vieram as notícias da ameaça digital, qualquer empresa que capturasse uma parte desse valor se tornaria uma rival formidável.

O risco de ignorar a ameaça da concorrência é imenso: se uma empresa digital conseguir produzir máquinas industriais que tenham um desempenho melhor do que as dos fabricantes tradicionais, será o fim destes. Além de perder em muitas das fontes lucrativas de receita de serviço em pouco tempo, também precisaram se contentar em ser produtores de commodities. Por isso, a transformação digital não é simplesmente uma opção. É o oxigênio que manterá os fabricantes digitais vivos e atuantes na era digital.

A PERGUNTA é:

Quais são os obstáculos que os fabricantes precisam superar para escaparem da inércia e se tornarem indústrias digitais?

eis os achados:

  • Precisam impedir que as competências essenciais se tornem fatores rígidos que travem a mudança.
  • Devem descobrir como integrar funcionários de perfil digital e tradicional para formar um novo conjunto de capacidades.
  • Precisam adotar conceitos como agilidade, simplicidade, responsividade e velocidade.

AS TRÊS FORÇAS DA INÉRCIA

Até mesmo as empresas que já acordaram para a ameaça e a oportunidade digitais acham a transformação extremamente complicada. Nossa pesquisa e nossas experiências sugerem que as barreiras são estruturais e comportamentais; elas estão incorporadas nos sistemas e integradas nas mentalidades. Assim, os fabricantes precisam superar três grandes obstáculos para escaparem da inércia e se tornarem indústrias digitais:

Desempenho. Toda empresa desenvolve capacidades e modelos de negócio com o objetivo de auferir receitas. Essas competências se tornam essenciais para seu desempenho e as concorrentes têm dificuldade para imitá-las. Com o tempo, porém, tais competências podem tornar-se fatores rígidos que impedem a mudança. Os líderes empresariais mantêm os modelos de negócio existentes porque funcionam, sem perceber o perigo de novos modelos disruptivos. Os modelos antigos provavelmente estão apresentando o máximo desempenho nesse momento e o incentivo para mudar é pequeno.

As métricas tradicionais de desempenho, como crescimento das vendas e margens de lucro líquido, agravam o problema, pois se concentram no desempenho em curto prazo e impedem investimentos em projetos de inovação e transformação, incertos e de longa gestação. Convencer divisões empresariais lucrativas a apoiar investimentos em uma transformação digital que poderá dar frutos em longo prazo (em vez de financiar seus projetos de inovação que gerarão lucros mais rapidamente) pode não ser fácil. Isso é muito verdadeiro quando a estrutura de recompensas atual da empresa favorece o retorno sobre o investimento em curto prazo em detrimento de apostas em longo prazo.

Talento. Até recentemente, a maioria dos fabricantes tratava a tecnologia digital como uma função administrativa para apoiar os negócios existentes e optava por terceirizar seu desenvolvimento. As habilidades para realizar uma transformação digital não eram cultivadas, portanto. Além disso, os fabricantes geralmente têm dificuldade de atrair os talentos digitais disputados. Vamos encarar os fatos: ao contrário de Alphabet e Apple, empresas como GE e Ford Motor ainda não são consideradas empregadoras preferenciais pelos programadores.

Outra complicação é que os fabricantes precisam integrar os talentos digitais que conseguem contratar com os engenheiros mecânicos, químicos, civis e industriais tradicionais, a fim de formar um novo conjunto de capacidades. Isso é mais fácil na teoria do que na prática, pois os novos engenheiros aprendem, pensam e funcionam de modo bem diferente do da velha geração.

Cultura. Muitas vezes, ela é um obstáculo enorme. Historicamente, os fabricantes prosperam graças a um longo ciclo de desenvolvimento de produto, eficiência 6-Sigma e um longo ciclo de vendas. Eles tendem a investir grandes quantias de dinheiro para criar, fabricar e vender produtos, geralmente com base em tecnologias próprias.

Já as empresas de software trabalham com ciclos curtos de desenvolvimento de produto, são flexíveis e têm ciclos de vendas rápidos. Elas gostam de desenvolver softwares em parceria com outras empresas e ganham dinheiro oferecendo software como serviço, além de vender produtos. Os produtos delas têm vida útil mais curta do que os produtos dos fabricantes; o custo da falha é menor. Por exemplo, enquanto a GE libera várias versões de seus produtos de software todos os anos, os designs das máquinas mudam apenas uma vez a cada três ou quatro anos.

Os fabricantes acreditam em melhoria contínua; as empresas digitais, em inovação constante. Para se tornarem mais digitais, as organizações industriais precisam adotar conceitos como agilidade, simplicidade, responsividade e velocidade. Trata-se de uma tarefa complicada para empresas consolidadas, acostumadas a fornecer produtos com custo-benefício em intervalos previsíveis.

O estabelecimento de uma função digital em uma empresa de manufatura também acentua a rivalidade interna, criando uma mentalidade de “nós contra eles” entre o antigo e o novo. No princípio, as equipes de TI da GE sentiam-se muito ameaçadas pelos engenheiros de software e sistemas da GE Digital, que recebiam salários acima da média como incentivo para ingressar em uma empresa de manufatura. Pior ainda: os programadores recém-contratados menosprezavam o pessoal de TI e diziam isso a quem quisesse ouvir. Amavam a missão da GE, mas não gostavam da burocracia. Pediam demissão se não gostassem da maneira de planejar e executar os projetos. Uma transformação digital afeta a cultura de uma empresa de maneiras ainda inimagináveis.

COMO AS EMPRESAS PROCRASTINAM

Dar início a uma transformação digital pode ser um processo longo e trabalhoso. Mas, como os executivos geralmente se fazem uma série de perguntas a esse respeito, acabam andando em círculos e travam o processo antes mesmo de começar. Aqui vamos direto ao assunto. 

Devemos terceirizar a criação de capacidades digitais ou fazer uma parceria para isso? Não. Terceirizar o desenvolvimento de tecnologias digitais ou se associar a um parceiro digital pode parecer uma opção de baixo risco e com baixo investimento, mas, na realidade, é capaz de provocar um curto-circuito no processo de transformação digital. Há muitos casos em que a compra de recursos faz sentido – por exemplo, armazenamento ou computação em nuvem. No entanto, seria bom que os fabricantes investissem no desenvolvimento das tecnologias digitais que vão diferenciá-los no mercado, especialmente porque já possuem as máquinas e os clientes.

Antes de pensar em parcerias, as empresas devem decidir o que querem ter; caso contrário, acabarão escolhendo os parceiros errados. Pior ainda: fazer parcerias desde o princípio ou simplesmente investir em negócios digitais nunca alterará as capacidades essenciais, as tecnologias e os modelos de negócio da companhia de maneira suficiente para causar uma transformação (nem mesmo lançar as bases para uma). Apenas acrescentará uma fina camada digital sobre produtos, processos e modelos de negócio existentes. 

Algumas tecnologias de próxima geração podem parecer muito distantes, mas as empresas industriais precisam perceber que ter proficiência nelas será essencial a sua sobrevivência. Além disso, os fabricantes terão de compartilhar um conhecimento precioso com seus parceiros digitais, perdendo a única moeda de troca. É difícil negociar parcerias quando você não tem muito para contribuir. Basta perguntar à Microsoft sobre a compra da Nokia.

Acreditamos que as empresas têm um desempenho melhor quando desenvolvem capacidades digitais internamente. Isso melhora permanentemente suas capacidades essenciais, além de ajudar a reformular a cultura da empresa, uma vez que os funcionários industriais trabalham junto com os profissionais digitais para desenvolver serviços baseados em software. Se o fabricante decidisse formar uma parceria no futuro, poderia fazê-lo em pé de igualdade – não em uma posição de fraqueza. A GE se recusou, por exemplo, a participar de alianças ou formar parcerias nos primeiros cinco anos de sua transformação digital. Em vez disso, contratou um CEO digital de fora da empresa, criou uma divisão central de software em San Ramon, na Califórnia (EUA) e contratou mais de 2 mil engenheiros de software. Foi um empreendimento gigantesco. 

Conforme adquiria experiência, a GE começou lentamente a colaborar, aí sim, com empresas digitais como Microsoft, Amazon, Splunk, Accenture, Tata Consultancy Services, Tech Mahindra e AT&T. Também aprendeu a trabalhar com startups em aplicativos de software, adquirindo empresas importantes, como a Meridium, para desenvolver seus recursos. Essa postura foi fundamental para criar e possuir as camadas digitais em torno de seus produtos. Em dezembro de 2018, quando a GE transformou a GE Digital em uma subsidiária independente, como planejara desde o início, havia acumulado um conhecimento considerável, que reforçou seu poder de troca e sua confiança. A separação da GE Digital somente depois de crescida vai ajudá-la a levantar recursos com avaliações maiores e a se transformar em uma gigante na Internet das Coisas industrial, mas sem perder o vínculo com os negócios da GE.

Não devemos usar os profissionais de TI que já temos em vez de contratar novos? E não devemos colocar a iniciativa digital sob o comando do CIO em vez de nomear um CDO (diretor digital)? Não e não. As funções de TI nas empresas de manufatura não contam com tecnólogos digitais. Os engenheiros de TI compram hardware, terceirizam o desenvolvimento de software e são excelentes em gerenciar projetos e personalizar softwares desenvolvidos por fornecedores a fim de aumentar a eficiência operacional. A reimaginação de produtos e serviços com softwares próprios para clientes requer capacidades muito diferentes. 

A TI é um processo; o software é um produto. 

A GE aprendeu a diferença do jeito difícil. Em 2006, a GE Healthcare na época, dirigida por Immelt adquiriu a IDX Systems – uma das cinco maiores empresas de software de assistência médica dos Estados Unidos –, mas não conseguiu tirar proveito do negócio de US$ 1,2 bilhão. Era preciso reescrever o software dos quatro produtos principais da IDX. Um profissional da GE assumiu o controle… Resultado: quando a poeira baixou, muitos profissionais da IDX tinham ido embora.

Como a maior parte dos fabricantes ignorou a primeira onda digital, sua única opção é contratar profissionais de fora no momento de dar início às suas transformações digitais. Ao fazer isso, muitas vezes, tentam combinar as funções de CIO e CDO para economizar. Os títulos são semelhantes, há pontos em comum, mas é quase impossível que uma pessoa se dedique a ambas as funções. O CIO tem foco interno; precisa se concentrar em aumentar a produtividade dentro da empresa. O CDO foca mercados externos e deve se preocupar com a produtividade do cliente. Manter as duas funções separadas é fundamental para o sucesso. Combinadas, há ineficácia.

Ao contrário dos profissionais de TI, os profissionais digitais podem integrar seu conhecimento no contexto dos negócios de um cliente, ajudando-o a perceber o valor comercial das tecnologias digitais. Por exemplo, uma das equipes digitais da GE descobriu que cada parque eólico tem um perfil exclusivo de geração de energia, com base no local, na paisagem e nos ventos predominantes. Percebendo a importância desse insight, trabalhou com engenheiros de turbinas para desenvolver turbinas sob medida. A produção de energia de cada turbina aumentou em 20% ao ano e foram gerados US$ 100 milhões em receitas adicionais ao longo da vida útil delas. Profis­sionais de TI não gastariam tempo nisso.

Não seria melhor se cada um dos nossos segmentos desenvolvesse capacidades digitais específicas para as necessidades de seus clientes, em vez de criarmos uma unidade digital central para atender a todos? Não. De fato, a sabedoria convencional sugere que, em uma empresa multidivisional, as capacidades digitais sejam distribuídas entre os segmentos. Há um pouco de lógica nessa ideia, claro. O raciocínio é que a descentralização permitirá que cada segmento sinta que é “proprietário” de sua estratégia digital, seus clientes e os custos.

Na prática, porém, três fatores determinam que a função digital precisa ser uma unidade central para que possa ser verdadeiramente transformadora. Em primeiro lugar, os negócios industriais antigos e dominantes nunca permitirão que a função digital incipiente cresça além de certo ponto. A unidade digital identificará maneiras de causar disrupção em um negócio existente só quando estiver fora dele. Além disso, se a iniciativa digital não for centralizada, cada segmento trabalhará em seu próprio ritmo, haverá pouco compartilhamento de boas práticas – e as unidades digitais perderão força. 

A GE Digital foi concebida como um segmento independente, no distante Vale do Silício, desde o princípio. Dirigida por um CDO que se reportava diretamente ao CEO, ela começou com um investimento de US$ 200 milhões para incorporar sensores e instrumentação em máquinas da GE, capturar e estudar dados de clientes e desenvolver aplicativos de software para todos os segmentos da corporação.

Em segundo lugar, uma indústria digital poderá adquirir economia de escopo apenas se criar uma função digital que abranja todos os segmentos. Com o passar do tempo, a GE Digital desenvolveu a primeira plataforma operacional para a Internet das Coisas industrial – a GE Predix, que se tornou o pilar de sua estratégia. A plataforma estabeleceu um conjunto de padrões tecnológicos para a IoT industrial e pôde ser colocada em todas as máquinas feitas pela GE, assim como em máquinas vendidas por rivais. A criação de uma plataforma é relevante em termos comerciais. As empresas digitais que desenvolvem as primeiras plataformas – Amazon, Google, Facebook, YouTube, eBay – geralmente ganham todo o dinheiro.

Por fim, para atrair os melhores talentos digitais, uma empresa industrial precisa criar um centro de excelência global com suas próprias capacidades de RH. Quando a GE Digital começou, a função central de RH cuidava do recrutamento, o que não deu muito certo. Provavelmente 90% das pessoas com as quais a GE e seus recrutadores entraram em contato no Vale do Silício não sabiam que a empresa queria desenvolver produtos de software complexos e não tinham interesse em participar. A GE conseguiu atrair talentos digitais apenas depois de criar uma função de RH dedicada para a GE Digital em San Ramon.

Reunir todos os talentos digitais também permitirá que aprendam uns com os outros e se inspirem mutuamente para que possam criar ótimos softwares. A percepção também faz diferença. Um grande centro digital de ponta, visível para o mercado, atrairá parceiros para criar um ecossistema, atrairá clientes e melhorará as avaliações. É improvável que pequenas unidades digitais localizadas no interior de empresas industriais causem o mesmo impacto.

Não é melhor sermos seletivos do que irmos com tudo? Ainda não se chegou a uma conclusão sobre isso. Se acordarem cedo o suficiente para a ameaça digital, algumas empresas poderão ser capazes de criar alguns pilotos digitais em um segmento ou linha de produtos, aprender com seus sucessos e fracassos e, lentamente, levar a transformação digital para todos os segmentos. No entanto, acordar tarde para a ameaça digital geralmente dificulta o seguimento de uma abordagem em fases.

A GE precisou ir com tudo, porque enfrentava uma grave ameaça de suas rivais digitais. Ela iniciou a transformação em todos os segmentos da empresa ao mesmo tempo, para enfatizar que a transformação digital era uma prioridade estratégica para a companhia inteira. Essa mensagem não seria passada se a transformação tivesse começado timidamente em um ou dois segmentos. 

LIÇÕES SOBRE EXECUÇÃO

Desenvolver uma estratégia para aproveitar as tecnologias digitais e transformar uma empresa industrial é um início. Os maiores desafios estão na execução dessa estratégia. Os CEOs precisam repensar praticamente tudo sobre a forma de trabalhar das empresas e criar novos modelos de negócio, desenvolver estruturas organizacionais inovadoras e liderar de maneira muito diferente. Não há solução “instantânea” para tal, mas três ideias são críticas ao sucesso:

1 Modelos de negócio comem a tecnologia no café da manhã. Uma transformação digital consiste em modificar os modelos de negócio, o que é mais difícil do que abandonar tecnologias herdadas. O modelo de negócio tradicional das empresas industriais era vender hardware, distribuir software gratuitamente e prestar serviços corretivos. Já os novos modelos de negócio da indústria digital implicam vender soluções personalizadas, que melhoram o desempenho e são habilitadas por software, acompanhadas pelo hardware; produzir resultados; e compartilhar os lucros adicionais dos clientes.

Os fabricantes têm uma vantagem em relação a suas rivais digitais: eles entendem melhor as máquinas, o que os ajuda a produzir os resultados que os clientes desejam. O truque é estar preparado para alterar ou abrir mão de um modelo de negócio existente caso isso tenha o potencial de gerar e capturar valor novo.

Como gerar. Há várias maneiras de gerá-lo com a IoT industrial e todas elas devem ser implantadas ao mesmo tempo. Analisando todos os dados a respeito de como os clientes usam, mantêm e consertam suas máquinas, os fabricantes conseguem construir produtos com melhor desempenho, que duram mais e necessitam de menos reparos. Produtos superiores aumentam as vendas, inclusive em mercados estáveis, o que gerará mais dados com o passar do tempo. Assim, os líderes de mercado poderão causar efeitos de rede nas vendas de hardware.

Além disso, o desenvolvimento de um conjunto de aplicativos de software pode transformar dados em insights, e os insights, em melhores resultados para os clientes. Com uma análise de dados preditiva, as empresas podem migrar para um serviço baseado em condições, reduzindo o tempo de inatividade não programado. Uma companhia aérea pode ter certeza, por exemplo, de que todos os seus motores sempre estarão disponíveis e receberão reparos somente de acordo com um cronograma predeterminado, o que aumentará a confiabilidade e o uso das aeronaves.

Como capturar. Os fabricantes podem capturar de duas maneiras o valor criado por meio de uma transformação digital. Em primeiro lugar, podem escolher o caminho do software como serviço e vender assinaturas e licenças para os produtos de software que desenvolvem, com o objetivo de analisar os dados de suas máquinas e aprimorar o desempenho delas. Vale abordar clientes, não clientes e até mesmo empresas em setores em que não atuam, ampliando seus ecossistemas. O aumento de 1% na eficiência do motor de uma aeronave por meio de software pode resultar em US$ 2 bilhões de economia anual, apenas como ponto de partida. Ele oferece um ímpeto para reformular o sistema inteiro para maior eficiência. Além disso, a análise de dados agregados da frota da companhia aérea aumentará significativamente os lucros.

Em segundo lugar, as empresas da indústria digital podem oferecer “sucesso como serviço” por meio de resultados garantidos para o cliente – segurança, velocidade, eficiência em combustível, ausência de erros dos operadores, fim do tempo de inatividade não programado. Em vez de vender locomotivas, os fabricantes podem vender velocidade; em vez de turbinas de energia, energia por hora; em vez de motores a jato, tempos de voo.

Todavia, a maioria dos fabricantes não sabe como fazer tudo isso – ainda. Eles precisarão treinar novamente a equipe de vendas existente para vender resultados baseados em dados e softwares, assim como criar uma equipe de vendas de produtos digitais para oferecer um portfólio de assinaturas e outros modos de monetizar negócios. Se fizerem isso, vão se assemelhar mais a empresas de serviços de TI como Salesforce.com, SAP, Adobe Creative Cloud, Amazon Web Services e Slack Technologies, que trocaram a venda de software pela venda de serviços e sucesso.

Porém esteja avisado. Uma estratégia de indústria digital canibalizará as vendas tradicionais de várias maneiras. Os dados e os insights ajudam a aumentar a produtividade das máquinas, o que diminuirá as vendas de hardware. Eles podem aumentar a confiabilidade das máquinas, o que talvez reduza as receitas de serviços no futuro. As licenças e assinaturas de software podem permitir que os próprios clientes façam reparos em suas máquinas. Clientes existentes podem rescindir ou renegociar seus contratos de prestação de serviços; clientes potenciais talvez optem por não celebrar contratos de prestação de serviços com os fabricantes.

Por todos esses motivos, muitas empresas tradicionais certamente se oporão à transformação digital. A GE utilizou diversas abordagens para antecipar e combater tal resistência. As ações iniciais foram pensadas para proteger as receitas dos serviços de pós-vendas de seus segmentos, que tinham um grande valor. A empresa coletou dados para mostrar que a IoT industrial ampliaria substancialmente o mercado. A GE também demonstrou que a transformação digital poderia causar efeitos de rede nas vendas de hardware. O segmento de aviação, por exemplo, usou análises baseadas em dados em tempo real para reduzir simultaneamente os custos de manutenção dos clientes e aumentar a disponibilidade dos motores. E conseguiu fortalecer sua posição no mercado em decorrência disso.

Por fim, a GE criou vários mecanismos industriais (sobre os quais falaremos em breve) que lidavam com as preocupações dos segmentos, enquanto o CEO enfatizava constantemente que o custo da canibalização era menor do que o custo da inação – no caso, a extinção.

2 As operações digitais devem ser distintas, porém vinculadas. Escolher a estrutura certa para uma transformação digital pode ser complicado. Além de criar uma operação digital independente, como mencionamos antes, os CEOs precisam encontrar maneiras de vinculá-la a cada divisão industrial, que entenda melhor como as máquinas funcionam. A GE Digital era uma unidade distinta, mas estava fortemente ligada a GE Power e a GE Healthcare, por exemplo. Além de possuírem os dados de que o centro digital precisava, esses segmentos de manufatura também tinham seu poder de marca, detinham os clientes e gerenciavam contratos de prestação de serviços. As empresas de manufatura só conseguem gerar valor integrando conhecimento industrial e ativos com software. No entanto, esta é a parte mais difícil de fazer. Os segmentos de manufatura precisam colaborar com o centro digital para tirar o máximo de proveito dele, mas trabalhar lado a lado com os funcionários digitais é a última coisa que a maioria dos gestores industriais deseja. 

Mais cedo ou mais tarde, os segmentos físicos começam a pensar sobre como o segmento digital afetará suas relações de longa data com os clientes. Quem conversará com o cliente: a função de negócios ou a digital? Quem decidirá os preços? Quem receberá o crédito por uma venda? Quem é responsável pelo cliente, afinal?

Os CEOs precisam, portanto, encontrar maneiras de fazer com que o vínculo entre suas verticais de negócios e a função digital horizontal valha a pena – para ambos os lados. A GE nomeou um diretor digital do segmento para cada unidade. Um CDO-B é subordinado ao CEO de seu segmento e ao CDO da empresa, trabalhando com ambos para realizar a transformação digital dos produtos e modelos de negócio. O CDO-B ajuda a criar suporte para a função digital dentro dos segmentos, envolvendo-os no processo de transformação. E os CDO-Bs precisam estar presentes no centro digital, reunidos com os profissionais de desenvolvimento de software, facilitando a coordenação das atividades – a localização ajuda os CDO-Bs a fornecer feedback para o centro digital sobre que aplicativos de software são valorizados pelos clientes, levar soluções de software ao mercado e a exercer uma função mediadora na hora de lidar com conflitos entre os segmentos e o centro digital. 

Descobrimos que os clientes B2B gostam de trabalhar com CDO-Bs. O motivo é que os CDO-Bs entendem o suficiente sobre os setores em que eles estão e também sobre as tecnologias mais recentes para aumentar a produtividade e gerar resultados. 

Isso acaba conquistando a aceitação relutante dos segmentos industriais da corporação, especialmente dos funcionários em campo. Quando percebem que “seus” clientes estão propensos a se tornar mais fiéis e assinarem contratos mais lucrativos por causa dos CDO-Bs, os segmentos começam a apoiar a transformação digital. 

No entanto, contratar um CDO-B não é a solução para todos os problemas. Cada empresa precisa construir seus próprios mecanismos para ajudar os segmentos industriais a aderir à transformação digital.

Há muita discussão, hoje em dia, sobre se estimar os lucros e perdas é uma maneira inteligente de responsabilizar o centro digital – ou se essa prática causará sua ruína. Uma forma de fazer isso funcionar é compartilhar o crédito, contando as receitas digitais duas vezes internamente – uma vez para os segmentos, que são as pessoas jurídicas na qual as receitas são registradas, e mais uma vez para o centro digital, no qual podem ser mostradas como exemplo. Já que ambos os grupos são beneficiados quando as receitas sobem, não haverá disputas a respeito de qual deles fez negócio.

É bom saber que o atrito é inevitável quando a função digital se liga à nave-mãe, especialmente conforme o tamanho e a influência do digital crescem. Portanto, os CEOs precisam encontrar maneiras de fazer com que o vínculo entre os segmentos verticais e a função digital horizontal valha a pena – para todos.

A GE estabeleceu apenas metas trimestrais de faturamento (ou receita) para a GE Digital, mas não metas de lucro, pois acreditava que as metas de lucro impediriam as pessoas de correr riscos e inibiriam os investimentos no desenvolvimento de produtos digitais. Por exemplo, a receita resultante da Predix da GE Digital subiu para US$ 1,2 bilhão em 2018, com um aumento de 49% em relação ao ano anterior. Cerca de 60% dessa receita veio de clientes já presentes no portfólio da GE e 40% teve origem em não clientes.

3 CEOs não podem ter medo de liderar. Têm de estar dispostos a contestar os padrões, a ignorância e o status quo. É necessário coragem. Como uma transformação digital muda tudo, os CEOs precisam assumir a causa pessoalmente. Devem estar comprometidos a aprender mais sobre o digital para que possam liderar de forma eficaz. Isso é fundamental para evitar a incerteza e a paralisia.

Apenas CEOs têm o poder de resolver os conflitos entre os segmentos industriais antigos e o novo segmento digital. (Existirão conflitos, não porque as pessoas são ruins, mas porque se importam com o trabalho que fazem.) É por isso que o diretor da GE Digital era subordinado ao CEO, assim como o eram os diretores dos segmentos industriais da GE.

Os líderes sabem que precisam criar o futuro com investimentos em inovação, globalização, maior produtividade na manufatura e desenvolvimento de talentos – enquanto, ao mesmo tempo, concentram-se na excelência operacional para melhorar as receitas e os lucros. Devem estar preparados para reações a seus investimentos em iniciativas de geração de valor, para gerenciar os trade-offs e para definir o próprio tempo de mandato, especialmente porque retornos sobre os investimentos em longo prazo só ficam evidentes bem mais tarde.

É difícil liderar uma mudança quando o motivo de mudar não é evidente ou quando não se sabe aonde a organização vai parar. Para começar, os CEOs precisam reagir rápido a sinais de fraqueza, mas, com o tempo, devem criar uma visão abrangente para a transformação digital. Instalada a urgência – com o digital visto como uma ameaça existencial –, é necessário demonstrar como ele também pode ser uma grande oportunidade. Acima de tudo, os CEOs não podem se acovardar. 

REFERÊNCIAS:

Muitos insights e dados deste artigo vêm da experiência direta dos autores no trabalho com a GE ao longo de muitos anos. 

• “Digital Transformation of Industries: Digital Enterprise,” white paper, Fórum Econômico Mundial e Accenture, Nova York, Jan 2016; e W. Ruh, palestra na conferência “Minds + Machines 2016”, Nov 2016. (O número de US$ 6,8 trilhões se baseia no paper do Fórum Econômico Mundial, mas foi extrapolado para representar o valor que tem relação com os negócios da GE.)

• V. Govindarajan, The Three-Box Solution: A Strategy for Leading Innovation (Boston, Massachusetts: Harvard Business Review Press, 2016).

Vijay Govindarajan e Jeffrey R. Immelt
Vijay Govindarajan é professor da Tuck School of Business, do Dartmouth College. Foi professor-residente e o principal consultor em inovação da GE.Jeffrey R. Immelt foi CEO da GE por 16 anos; hoje preside a Athenahealth e é sócio da VC New Enterprise Associates.

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