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Energia mais barata e limpa ao alcance de todos

Cláudio Ribeiro, CEO da 2W Energia, explica o conceito de open energy e detalha os benefícios da liberdade energética

Doca de Oliveira e Erik Farina
18 de junho de 2024
Energia mais barata e limpa ao alcance de todos
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Liberdade para escolher o próprio fornecedor de energia. Receber ofertas de geradoras com matrizes mais baratas e limpas. Gerar crédito de carbono a partir do consumo de energias renováveis. Iniciativas assim ainda parecem distantes da realidade no Brasil. Mas estão cada vez mais próximas. O avanço na regulamentação do setor de energia, ainda que tímido, e a pulverização das geradoras independentes e traders têm ajudado a quebrar lobbies de grandes distribuidoras. Como consequência, esse movimento coloca o Brasil mais próximo de benchmarks como Portugal, Inglaterra e Estados Unidos.

“A gente fala muito do open banking, que proporciona aos clientes produtos e serviços mais adequados ao seu comportamento bancário. No setor elétrico, o open energy vem ganhando corpo. Ele dá poder aos usuários para escolherem de quem comprar energia, de qual fonte e por qual preço”, explica Cláudio Ribeiro, CEO da 2W Energia, um dos principais players do mercado livre de energia no Brasil.

A evolução ocorre por duas vias. Para o consumidor residencial, a partir do avanço do Projeto de Lei 414/2021 no Congresso – o PL da Portabilidade de Conta de Luz. Para as empresas, puxada pela diversificação na oferta de energia e na conscientização sobre as opções do mercado livre. “Há 100 mil empresas no Brasil que poderiam migrar para o mercado livre e não sabem disso”, alerta Ribeiro.

Atenta às oportunidades no setor, a 2W Energia larga na frente para atender clientes corporativos. A empresa está investindo R$ 2,2 bilhões em duas usinas eólicas no Nordeste, sendo uma no Rio Grande do Norte e outra no Ceará – 100% da geração será para atender aos consumidores do mercado livre. A meta é ampliar uma carteira de clientes que já conta com gigantes como Ambev e Shell, além de centenas de pequenas e médias empresas. “Ao escolher o seu provedor, você negocia. E aí têm um, dois, três provedores querendo te vender energia”, diz Ribeiro, na entrevista concedida à MIT Sloan Management Review Brasil.

Como funciona o mercado livre de energia no Brasil e, principalmente, como ele compete com o tradicional?

O mercado livre no Brasil existe desde 1996, mas inicialmente só permitiu que grandes usuários, que consumissem acima de 3 MW médios, colhessem o benefício. Anos depois, foi estendido a qualquer pequena e média indústria que tenha um consumo contratado de 500 KW – uma conta média de R$ 15 mil a R$ 20 mil. Via de regra, no entanto, o pequeno e médio empresário não sabe que pode contratar energia no ambiente livre. Essa liberdade permite que o consumidor contrate de um gerador no montante que quiser, da fonte que quiser e no preço que quiser. A transmissão e a distribuição, que são esses cabos que você vê na rua, continuam a mesma coisa, sem nenhuma adequação. A única diferença é que quem estiver no mercado livre vai comprar de alguém e avisar a distribuidora para que ela cobre apenas a entrega – não mais o trading da energia. Esse é o conceito de mercado livre.

Por que o modelo é vantajoso?

Ao escolher o seu provedor, você negocia. E aí têm um, dois, três provedores querendo te vender. Em Portugal, são 36 players disputando a preferência do cliente. E como eles fazem isso? Vendem energia, dão Netflix grátis por um ano e banda larga por um preço mais baixo. O Brasil tem 87,5 milhões de consumidores de energia, sendo que no mercado livre são apenas 12 mil. Só que os 12 mil respondem por 36% de toda a energia consumida. Quem está usufruindo dos benefícios do mercado livre são os grandes consumidores.

Quais são os entraves para essa reorganização de mercado?

Lembra do apagão, lá no início dos anos 2000? Aquilo traumatizou o brasileiro, e é usado até hoje quando se fala em segurança de mercado no setor elétrico. É o lobby de alguém que não quer mudar. Muito se diz que, ao liberalizar o mercado, pode-se perder o controle – isso é balela. Nos últimos anos, o consumidor passou a entender como é esse ambiente nos países desenvolvidos e a reivindicar direitos iguais. Ele começou a cobrar o regulador, que é a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), e a gritar nas redes sociais. Por isso, o Congresso está se mexendo e vai ter que aprovar o PL da Portabilidade da Conta de Luz, que permite a qualquer um dos 87 milhões de consumidores a ser livre – tanto residenciais, quanto empresas com valor de potência contratada de 500 KWh médios.

A legislação brasileira ainda freia uma maior liberalização?

O Brasil criou uma coisa chamada geração distribuída. É uma chicana que permite ter pequenas usinas, de até 5 MWs, localizadas na área da distribuidora. Você assina um contrato com essa planta e ela vai gerar energia a você. Isso gera um crédito que será abatido da sua conta na distribuidora. Mas você deveria ter a possibilidade de comprar energia com o melhor custo, independentemente de onde esteja a usina. Diferente de 20 anos atrás, quando houve o apagão, tornamo-nos um país bastante interligado. Se o mercado fosse totalmente liberalizado, você poderia comprar energia de uma grande usina solar na Paraíba ou Alagoas e jogar no grid para chegar em Brasília.

Você mencionou Portugal, mas que outros países estão avançados no mercado livre?

Inglaterra, Austrália e Estados Unidos são alguns que fizeram o processo de liberalização. O consumidor viu benefício real no custo da energia e pode escolher pelo celular o provedor e o tipo de energia que comprará – solar, nuclear, de carvão etc. A liberalização trouxe uma redução real de até 30% na conta de luz.

Pelas regras atuais, no Brasil, quem é o consumidor potencial?

Nos últimos três anos, quem está migrando já não são mais os grandes usuários de energia, mas os consumidores médios e pequenos. Há um contingente de aproximadamente 100 mil empresas com carga para migrar para o mercado livre, que é o target endereçável nosso – e eles nem sabem disso.

Podemos dizer que o movimento de transição começa pelas empresas, com o player privado, e caminha em direção ao consumidor final, o cidadão?

Exato. Hoje, quem pode ser livre são as empresas. O consumidor final, a pessoa física, ainda não. Só vai poder a partir de 2026, com a aprovação do PL da Portabilidade. A grande missão da 2W Energia é falar com esse cliente corporativo. Muitos diretores e executivos não sabem de onde vem a energia usada pela sua empresa. Pode estar vindo da Usina de Santo Antônio ou de uma carvoaria de Criciúma. E eventualmente você poderia ter a opção de não querer consumir energia de carvão, por exemplo.

A busca por energias renováveis e o avanço do conceito ESG são impulsionadores do livre mercado.

Sem dúvida. Nós fechamos contratos com a Ambev para fornecer energia eólica, limpa e renovável, para todas as fábricas deles no Norte e Nordeste. A Ambev agora vai começar a exigir da sua cadeia de supply que os fornecedores passem a consumir energia limpa. E os consumidores, por sua vez, vão começar a dizer no bar que aquela cerveja foi feita com energia 100% limpa.

Ao dialogar com players que ainda não conhecem bem esse mercado, que vantagens e benefícios você mais destaca?

Basicamente, o preço. A segunda coisa é que se trata de uma energia renovável. E a terceira, que o cliente vai ter o certificado de onde está comprando. É um horizonte que leva para onde está o compliance, algo que há 15 anos ninguém dava bola. Hoje, para fornecer a qualquer grande indústria, tem que preencher um questionário, se adequar a regras e normas. Assim vai acontecer com aspectos ambientais também. Falando em tendência, o mercado aberto apresenta uma série de outras oportunidades ao consumidor. Se você quiser, poderá gerar crédito de carbono: eu te coloco no preço de energia e te entrego um lote de crédito de carbono. Hoje no Brasil ainda não existe no mercado regulado, mas vai haver em algum momento. Você vai poder ‘tradar’ esse crédito de carbono, vendê-lo. A grande transformação com o mercado liberalizado é eu correr atrás de ter você como cliente. Para isso, vou precisar ter inovação e produto, quebrar a cabeça para te manter fiel.

De que maneira a descentralização impacta o mercado secundário de energia, de trading?

Hoje se fala muito do open banking. E o que é isso? Nada mais do que o seu behavior financeiro e bancário ser seu – e não do banco. Ele pode ser acessado por qualquer provedor, e você pode ter essa mobilidade. No setor elétrico, vem ganhando corpo o open energy, que é o comportamento do cliente no consumo de energia. Por exemplo, em qual período do ano costuma viajar? Como se dá o consumo ao longo do dia, quais os horários de pico? Isso é importante porque no dia em que o open energy estiver consolidado – e os dados não forem apenas da distribuidora – poderão ser acessados por diversos provedores de energia. Eles vão, eventualmente, oferecer produtos adequados àqueles comportamentos e começar a mandar ofertas com preços cada vez melhores.”

Doca de Oliveira e Erik Farina
Doca de Oliveira é editora de co-branded da MIT Sloan Review Brasil e Erik Farina é colaborador da MIT Sloan Review Brasil

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