Enquanto o Brasil não se movimenta no front petróleo versus meio ambiente e alguns juízes tentam forçar a mudança, a Exxon Mobil muda de modo inteligente – pelo conselho de administração
Em uma das cenas do filme Doutor Fantástico, película das mais geniais da cinegrafia do diretor Stanley Kubrick, o ator britânico Peter Sellers, no papel do presidente dos Estados Unidos, tenta apartar uma briga entre um general do exército americano e o embaixador da finada União Soviética. A peleja em questão ocorre no Salão de Guerra do Pentágono – edifício símbolo do poderio militar dos EUA. Depois de alguma hesitação o presidente americano dispara o argumento final: “cavalheiros, os senhores não podem brigar aqui. Estamos no Salão de Guerra!”. O longa metragem de comédia-negra foi lançado em 1964, no auge da Guerra Fria, e é considerado por muitos (eu incluído) o maior filme de todos os tempos, juntamente com a película italiana O Exército Brancaleone, a trilogia O Poderoso Chefão e toda a franquia cinematográfica de James Bond. Mas eu divago.
No dia 26 de maio passado, os acionistas da empresa Exxon Mobil elegeram para o conselho de administração (CA) da gigante do petróleo três representantes de um fundo de investimento ativista, defensores de uma pauta singular: acelerar o processo de descarbonização da petroleira. Enquanto muitos investidores auto-rotulados ESG (do acrônimo em inglês para ambiental, social e governança) preconizam o mero desinvestimento em empresas da indústria de combustíveis fósseis, o fundo Engine No.1, que emplacou os três conselheiros no CA da Exxon, sustenta que existe um jornada de descarbonização das petroleiras começando pela mudança nos boardrooms – o Salão de Guerra das corporações.
O racional do fundo Engine No.1 que escora essa investida na Exxon é a evidente capacidade de execução das petroleiras no que se refere à descarbonização de suas atividades de produção da commodity. Afinal, o Big Oil – codinome pejorativo das grandes petroleiras – conta com os recursos financeiros e humanos necessários para diminuir as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) da queima dos derivados do petróleo, começando por projetos de captura e estocagem de carbono (CCS, em inglês), tecnologia aliás completamente dominada pelo setor. Enfim, como diria o mandaloriano Din Djarin na maior série de streaming de todos os tempos: “this is the way”.
No mesmo dia 26 de maio, na contramão das iniciativas com um mínimo de racionalidade do fundo ativista Engine No.1, uma juíza de primeira instância na Holanda decretou que a petroleira anglo holandesa Shell acelere a descarbonização de suas atividades. Obviamente a decisão da juíza holandesa é inepta e inócua. Mesmo a mídia ativista considera improvável que a tese de interferência do judiciário no estabelecimento de metas de redução de GEEs para empresas privadas prospere em tribunal de segunda instância. O argumento da juíza estipula que as emissões da Shell afrontam os direitos humanos e colocam o futuro da sociedade holandesa em risco, tese aparentemente amparada pela constituição do país.
Agora, por um átimo, imaginem a frota de jabutis que o mundo teria que engolir caso fosse facultado ao Judiciário brasileiro o mandato de regular o processo de descarbonização da Petrobrás. Quero deixar claro: apoio o debate e entendo o contraditório de sociedades abertas tais como a holandesa, mas o efeito de segunda ordem dessa decisão é evidente.
Enquanto a humanidade continuar consumindo gasolina e diesel, toda e qualquer oferta de petróleo reprimida por canetadas será suprida por algum produtor de algum lugar do globo. Objetivamente: caso a Shell seja de fato obrigada a diminuir a oferta de petróleo no mercado internacional, não irá faltar empresa para fornecer a commodity – muitas dessas companhias, controladas por países de regimes ditatoriais. Por um átimo, imaginem os Salões de Guerra dessas empresas ao receberem a notícia da decisão da corte holandesa. Os conselheiros com cara de vilão de filme de James Bond esfregam as mãos e agradecem o Judiciário ativista encarecidamente.”