Maior mercado de títulos verdes na América Latina, Brasil dá passos para financiar e monetizar a conservação ambiental
As discussões sobre ESG (Environmental, Social and Governance) estão quentes por todo o mundo. Governos, empresas privadas e organizações não-governamentais têm liderado iniciativas multidisciplinares que sejam capazes de atuar nas frentes ambiental, social e de governança, na garantia de um futuro melhor e mais justo para as próximas gerações.
É na esteira dessas discussões que os investidores passaram a olhar mais de perto para organizações sustentáveis (de verdade). E uma forma de assegurar que as ideias saiam do papel está nos “green bonds”, os títulos verdes. Similares aos títulos de dívida comuns, os green bonds são utilizados apenas para financiar investimentos sustentáveis, como reduções de emissões de gases poluentes ou do consumo de água, matéria-prima e energia.
Os dois últimos anos foram marcados por novidades positivas em termos de perspectivas de veículos e incentivos. Com maior ou menor criatividade, direta ou indiretamente, esses incentivos são voltados à preservação de florestas e de serviços ecossistêmicos em geral, sempre a partir de um novo uso de instrumentos econômicos e financeiros e do próprio mercado de capitais.
Essas novidades passam por iniciativas como:
– A Lei dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), Lei Federal nº 14.130/2021, recentemente regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
– O Programa Floresta + em seus diversos eixos de pagamento por serviços ambientais (Portaria MMA nº 288/2020 e outras).
– A instituição da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), Lei Federal nº 14.119/2021.
– O Programa Adote um Parque, em que o governo federal busca atrair recursos para custear a conservação de parques federais (Decreto Federal nº 10.623/2021).
– A Lei do Agro, Lei Federal nº 13.986/2020, e pela recente regulamentação da Cédula de Produto Rural (CPR) para financiar as atividades de conservação e recuperação de florestas, também conhecida como “CPR de Florestas”, pelo Decreto Federal nº 10.828/2021.
– O Programa Nacional de Crescimento Verde, por meio do Decreto Federal nº 10.846/2021, que instituiu o Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde.
Tardou a ser reconhecido em nível nacional no País o pagamento por serviços ambientais (“PSA”), transação de natureza voluntária, pela qual um provedor de serviços ambientais – como atividades que favoreçam a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos benefícios relevantes para a sociedade gerados pelos ecossistemas – é remunerado por um pagador desses serviços para os manter e prover. O PSA teve início na década de 1930 nos Estados Unidos, alcançou a América Latina na década de 1990 e já era implementado em âmbito estadual e municipal em algumas localidades do País.
É fato que a Lei Federal nº 12.651/2012 já reconhecia, em nível nacional, a conveniência de apoio e incentivo à preservação e recuperação do meio ambiente, citando o PSA como tal modalidade. Contudo, não havia um programa nacional voltado ao PSA e, desde a edição da Lei Federal nº 12.651/2012, o assunto não evoluiu em âmbito federal. Isso só aconteceu com a edição do Programa Floresta +, que antecedeu a PNPSA e foi editado no âmbito do Ministério do Meio Ambiente. Este programa possibilitou o enfoque no mercado privado de pagamentos por serviços ambientais em áreas mantidas com cobertura de vegetação nativa e na articulação de políticas públicas voltadas ao tema.
Parte do atraso em editar uma política nacional voltada ao PSA pode ser atribuída ao fato de – em que pesem as disposições em sentido contrário da Lei Federal nº 12.651/2012 e das discussões pelas quais esta passou ao tramitar na Câmara e no Senado – muito ter sido debatido (e ainda se debater) em torno da possibilidade de entes públicos viabilizarem compensações financeiras pela prestação de serviços ecossistêmicos, serviços esses que nem sempre vão além das ações já legalmente impostas, como a remuneração por serviços decorrentes de áreas de preservação permanente (“APPs”), áreas de reserva legal ou áreas de uso restrito.
Para muitos, a manutenção dessas áreas na exata extensão, percentual e limites impostos pela lei não poderia deflagrar incentivos econômicos públicos, pois não estaria sendo feito nada além do que já foi previsto pela lei. Diferente seria se a preservação e os serviços ecossistêmicos acontecessem devido a condições voluntárias e adicionais de preservação, além das já impostas pelas regras vigentes.
Essas discussões não parecem ter sido ainda superadas, já que a Lei Federal nº 14.119/2021 pende de regulamento e não está claro se este imporá limites de elegibilidade a projetos de PSA em APPs, no que toca ao mercado que envolva a remuneração oriunda de receitas públicas. O parágrafo único, do artigo 9º, da PNPSA prevê, afinal, que tais áreas “serão elegíveis para pagamento por serviços ambientais com uso de recursos públicos, conforme regulamento.”
De um lado, essa discussão em torno da adicionalidade ainda poderia ser travada no âmbito da regulação da PNPSA e, a nosso ver, representaria perda de oportunidade de garantir uso efetivo de instrumentos econômicos e incremento da proteção ambiental, talvez até engessando o PSA como tantas outras estruturas foram engessadas na esfera ambiental. Do outro, é fato que a Lei do FIAGRO e a Lei do Agro abriram espaço para que, deixando o critério da adicionalidade de lado, de forma criativa, o mercado de capitais inverta a lógica atual e transforme veículos tradicionais de obtenção de crédito em efetivos veículos de proteção ambiental. O destaque cabe à CPR de Florestas.
A CPR de Florestas é apta a financiar as atividades de conservação e recuperação de florestas nativas e pode ter como emissor qualquer pessoa que explore ou não florestas nativas ou plantadas ou que beneficiem ou promovam a primeira industrialização dos produtos rurais. Trata-se do título verde (green bonds), que já se insere em mercado estruturado e que não se vincula ao critério de adicionalidade para que a emissão seja viabilizada.
Esses títulos verdes não dispensam certificação por auditoria externa ou de terceira parte para a identificação dos produtos rurais que a lastreiam, incluindo a definição da taxonomia com indicadores e métricas mensuráveis para ativos de conservação e preservação, atividade à qual a Climate Bonds Initiative (CBI), organização global sem fins lucrativos que é referência global para certificações de títulos verdes, se dedica.
As normas estão postas e o caminho para avaliar o mercado de capitais e o uso de instrumentos econômicos e financeiros a partir de nova perspectiva – a perspectiva do financiamento e monetização da conservação ambiental – tem, agora, suas portas abertas.
O Brasil é o maior mercado de títulos verdes na América Latina, com US$ 10.3 bilhões de títulos emitidos desde 2015, segundo dados da CBI, e os novos veículos aqui referidos podem impulsionar essa posição do País não apenas na região, mas em nível global. Devem ser reconhecidos os esforços legislativos e em âmbito de governo para tirar do papel o princípio do provedor-recebedor e, como empreendedores, investidores e cidadãos, darmos nossa contribuição para garantir efetividade a tais instrumentos.
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