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O segredo da mudança cultural: histórias

Como construir histórias autênticas transforma sua organização.

Manoel Amorim, Jay B. Barney e Carlos Júlio
23 de outubro de 2024
O segredo da mudança cultural: histórias
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Quando o tema é cultura organizacional relacionada com desempenho empresarial, a maioria dos thinkers e practioners busca sugerir a cultura organizacional “ideal” – ultimamente, tem sido a cultura que favorece a inovação, por exemplo. Mas o que nos interessa é diferente: queremos falar de como se faz uma mudança cultural. Culturas são normalmente desenvolvidas e mantidas por meio das histórias que os funcionários de uma empresa contam sobre o que significa trabalhar em determinada empresa. Assim, partimos da hipótese de que, se você quiser mudar a cultura de uma empresa, precisará contar novas histórias. Então fomos conferir o que acontece na vida real, com várias histórias de empresas {o quadro abaixo lista algumas}.

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Pesquisamos mais de 150 histórias derivadas de entrevistas com mais de 50 líderes de empresas de grande e médio porte e identificamos seis atributos das histórias que os CEOs constroem que os tornam mais propensos a ser bem-sucedidos na mudança da cultura de uma organização:

  1. As ações que constroem essas histórias são autênticas.
  2. Tais histórias são “estreladas” pelo líder.
  3. As ações que constroem essas histórias sinalizam ruptura com o passado e um caminho claro para o futuro.
  4. Essas histórias apelam para “corações e mentes” dos funcionários.
  5. As ações que constroem essas histórias costumam ser teatrais.
  6. Tais histórias são contadas e recontadas em toda a organização.

Também identificamos como ocorre o processo de mudança. Primeiro, é preciso entender que, durante a construção das histórias, a organização parece que “descongela”. Aí emerge a primeira história, do líder, e funcionários vão construindo e trocando outras histórias de mudança cultural.

À medida que essa nova cultura começa a amadurecer e tomar forma, o líder empresarial pode ajustar outros aspectos da empresa para reforçar e solidificar a nova cultura na empresa (mudando o mix de funcionários, a forma como os funcionários são avaliados e remunerados, o modo de treinamento etc.). Em seguida, uma nova cultura é “recongelada”.

Os seis atributos

Você vai saber que houve mudança cultural quando ela permitir que a empresa implemente estratégias com mais eficiência e persiga alternativas estratégicas inconcebíveis na cultura antiga. Mas, para isso acontecer, as histórias contadas não podem prescindir de seis atributos, a saber:

Ações autênticas. Um dos maiores desafios na mudança da cultura de uma organização é que os funcionários e outros stakeholders geralmente não têm certeza sobre o quanto um líder empresarial está comprometido com a mudança. Por isso, eles acompanham de perto cada uma de suas ações e analisam cada uma de suas falas, buscando os limites de seu compromisso com a mudança de cultura. Se perceberem incompatibilidade entre sua retórica de mudança cultural e seu comportamento real, eles geralmente escolherão “ficar de fora” dos esforços de mudança cultural, sabendo que é improvável que esses esforços sejam sustentados.

Para ser confiáveis, as ações tomadas pelos líderes que constroem histórias de mudança cultural devem refletir suas convicções pessoais mais profundas – sobre quem são como pessoas, o que mais valorizam em uma organização e como pensam sobre a relação entre a cultura de uma organização e sua capacidade de realizar. Felizmente, o líder não precisa ser “perfeito”. Ao contrário, às vezes seu fracasso em viver de acordo com os próprios valores mais elevados pode ser a fonte de uma história de mudança cultural.

O líder é a estrela. Histórias externas à empresa – sobre atletas famosos, políticos abnegados e empreendedores ambiciosos – podem ser interessantes e motivadoras. Mas as histórias de mudança cultural nunca são sobre outra pessoa. Eles são sobre você, o líder empresarial. Se vai construir histórias para mudar sua cultura organizacional, você tem de “estrelar” essas histórias. A única maneira de as histórias que você constrói revelarem seu compromisso irreversível com a mudança cultural é se suas ações forem fundamentais para construir tais histórias.

Isso não significa que você é o único ator da narrativa. Os melhores construtores de histórias geralmente envolvem vários funcionários – como participantes ou observadores – na construção do enredo. Isso facilita a comunicação de uma história em toda a empresa. Também ajuda a criação de uma “cascata de histórias”, ou várias histórias interligadas, o que permite que mais membros da organização construam histórias próprias agregadas.

Romper com o passado, caminhar para o futuro. A mudança de cultura não é “business as usual”. Na verdade, é o contrário: “não mais negócios como sempre”. Assim, a história que você constrói deve ser baseada em ações que violam claramente valores, crenças e normas que atualmente dominam a cultura da organização. Essas ações têm de ser intencionalmente, até enfaticamente, radicais.

Mas suas ações também precisam criar um caminho claro a seguir. Esse caminho não precisa ser detalhado – na verdade, ter uma visão muito detalhada da cultura futura de uma empresa pode até dificultar a realização dessa cultura. “Forçar” uma nova cultura goela abaixo dos funcionários não costuma levar à mudança cultural. Mas sua história deve mostrar um caminho para uma nova cultura, que diferirá em alguns aspectos importantes da cultura atual.

Por esses motivos, raramente uma única história construída somente pelo líder empresarial será suficiente para mudar a cultura – especialmente se essa cultura estiver profundamente arraigada. Portanto, não apenas sua primeira história precisa criar uma ruptura clara com o passado e um caminho para o futuro, mas também a segunda, a terceira, a quarta e muitas outras histórias que você constrói.

O momento de sua primeira história também é crítico. Você pode ter ouvido a frase “Se não está quebrado, não conserte”. Mas se esperar para construir sua primeira história de mudança cultural até que a cultura impacte negativamente seu desempenho, pode ser tarde demais para mudar. As culturas organizacionais e sua relação com o desempenho da empresa precisam ser constantemente avaliadas e, conforme apropriado, ajustadas. As histórias que você construir o ajudarão a atingir esse objetivo.

Corações e mentes. Uma história de mudança de cultura deve demonstrar uma conexão clara entre a nova cultura e o desempenho financeiro da empresa. Deve ser construído com base na suposição de que a mudança cultural não é uma fantasia passageira: por exemplo, a abordagem de algum gerente de RH para garantir o próprio emprego ou a “egotrip” de um líder empresarial.

Em vez disso, é um requisito racional e obstinado para a sobrevivência e o sucesso econômico de uma empresa. Ou seja, as histórias de mudança cultural devem apelar para a “cabeça” dos funcionários.

Mas, como mudar a cultura também significa mudar a maneira como os funcionários e outros stakeholders sentem e pensam, uma história de mudança cultural também deve apelar para seus “corações” – para emoções, para valores mais elevados, para o que Abraham Lincoln chamou de “anjos melhores da nossa natureza”. Dessa forma, os esforços para mudar uma cultura não devem ser apenas um jogo puramente econômico, mas também um chamado para que os funcionários se juntem a um empreendimento nobre.

Teatralidade. Essas histórias são divertidas. Elas são dramáticas – têm “mocinhos” e “bandidos”. As ações usadas para construir essas histórias são suficientemente impressionantes para que as histórias sejam repetidamente discutidas, em torno dos bebedouros reais e eletrônicos da empresa – assim como um bom filme ou jogo é discutido. Construir histórias geralmente envolve líderes de negócios fazendo coisas que “os líderes da empresa simplesmente não deveriam fazer”, ou pelo menos o que os líderes anteriores nunca teriam feito – vestir fantasias, cantar, atuar em peças cômicas e assim por diante. Por esses motivos, é pessoalmente arriscado.

Às vezes, um líder empresarial pode se sentir muito tolo ao se envolver nesses esforços teatrais. Mas este é um teatro com propósito – exemplificar uma nova cultura de forma pública e envolvente. Também envia uma mensagem sobre o quão seriamente comprometido um líder está com a mudança cultural.

Contar e recontar. A mudança de cultura não é feita em particular e nos bastidores. Ela envolve a maioria dos funcionários de uma empresa e outros stakeholders. Assim, as histórias construídas para facilitar a mudança cultural também devem ser públicas. Grandes histórias de mudança cultural são recontadas com frequência, e líderes atenciosos encontrarão muitas oportunidades e locais para recontar essas histórias. Recontar essas histórias também permite que os funcionários construam as próprias histórias. Isso ajuda a criar a “cascata de histórias” que, em última análise, ajudará a transformar a cultura.

Um caso brasileiro

Um de nós, Manoel Amorim, pode exemplificar os seis atributos com o processo de mudança cultural que liderou na antiga Telesp, a telecom que foi privatizada. Manoel precisava ter certeza de que uma cultura não hierárquica de atendimento ao cliente seria uma necessidade competitiva de sua empresa. Isso era autêntico. Então, o CEO precisava mostrar compromisso com a mudança. Isso significava estar pronto para ter as conversas difíceis que precisaria ter com os subordinados para fazer esse tipo de mudança de cultura acontecer, e até disposto a demitir os melhores funcionários se não quisessem abandonar a cultura antiga. Se a mudança demorasse mais ou enfrentasse ventos contrários mais fortes do que o esperado, e ele não estivesse comprometido, ela não aconteceria.

Manoel foi uma “estrela” da história que construiu, mas não a única. Melhor dizer que foi o ator principal. Sem suas ações, não haveria história e, sem essa história, provavelmente não haveria mudança cultural. Mas ele não estava sozinho quando construiu essas histórias – alguns dos elementos-chave aconteceram em reuniões da equipe executiva. Isso ajudou a criar uma “cascata de histórias” dentro da Telesp, que foi fundamental para mudar a cultura da organização. Para facilitar a mudança cultural, elas foram tratadas como autênticas pelos funcionários e outras partes interessadas.

Manoel havia se tornado CEO de uma organização muito centralizada e hierárquica e, ainda assim, bem-sucedida. Ele tinha de mostrar que era melhor trocar a velha cultura por uma cultura colaborativa focada na satisfação dos clientes. E tinha de fazê-lo antes que a cultura hierárquica começasse a impedir a empresa de atender às necessidades de novos clientes. Ele fez isso pedindo aos funcionários horistas que apresentassem sua análise dos problemas da empresa aos gerentes mais graduados – basicamente virando a cultura da Telesp de cabeça para baixo. Ruptura com o passado, sinalização do futuro.

E quanto aos corações e mentes? A análise de Manoel sobre a concorrência em um ambiente desregulamentado forneceu uma lógica convincente: a de que havia um descompasso fundamental entre a velha cultura dessas empresas e as novas realidades competitivas – um argumento que apelava para a “cabeça”. Ao escolher um funcionário “azarão” para liderar uma revolução no atendimento ao cliente, Manoel também apelava ao “coração” dos funcionários.

O teatro ficou por conta de uma história à la Rocky Balboa. Um operador de call center ensinando os executivos seniores da Telesp a resolver problemas de produto é como o boxeador deixando as favelas da Filadélfia para se tornar o campeão mundial dos pesos pesados no filme Rocky. E tudo começou com o CEO ficando ao telefone por mais de duas horas tentando resolver um problema de produto de tecnologia – uma coisa muito de CEO. Por fim, a história de Manoel foi construída no comitê executivo da empresa – um espaço público –; daí até cair na “rádio corredor” foi muito rápido.

Nossa pesquisa mostra que essas seis características das histórias de mudança cultural – se não todas, a maioria – aumentaram drasticamente a chance de mudança cultural. E então, você está disposto a fazer o que deve ser feito para mudar a cultura em sua organização?

Artigo publicado na MIT Sloan Management Review Brasil nº 15.

Manoel Amorim, Jay B. Barney e Carlos Júlio
Manoel Amorim e Carlos Júlio foram CEOs de várias empresas e são empresários e membros de conselhos de administração. Jay B. Barney é professor de gestão estratégica da University of Utah, EUA. Este artigo é baseado no livro dos três The Secret of Culture Change, recém-lançado nos Estados Unidos.

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