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Tecnologia e inovação

8 min de leitura

A ascensão do metaverso e dos NFTs

Na medida que você compreende o potencial do metaverso e dos NFTs, é preciso questionar, de maneira reiterada, as estratégias para aproveitar o crescimento e o avanço no uso dessas tecnologias

Colunista Martha Gabriel

Martha Gabriel

05 de Agosto

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Artigo A ascensão do metaverso e dos NFTs

A aceleração digital desencadeada pela necessidade de distanciamento físico em 2020 pavimentou o caminho para a ascensão do metaverso, resultado da fusão estrutural cada vez mais profunda entre os mundos físico e digital. Nesse processo, inúmeras tendências tecnológicas que vinham se delineando na última década se fortaleceram rapidamente para tecer uma nova configuração de realidade que temos experimentado de forma mais intensa desde o início de 2021. Como exemplo, temos a proliferação de aplicações em blockchain: DeFi, criptomoedas das mais inusitadas origens, projetos de moedas fiduciárias digitais, smart contracts, etc.

Nessa esteira de possibilidades emergentes em blockchain, um dos grandes destaques são os NFTs, ou Non-Fungible-Tokens (tokens não fungíveis), que apesar de não serem algo novo, têm obtido popularidade e tração, com potencial para revolucionar o mercado de bens e serviços no mundo. As consequências? Tão profundas e, ao mesmo tempo, tão difíceis de enxergar quanto era a internet no final do século passado. O que a história nos ensina é que esse tipo de transformação reestrutura o planeta e anuncia sempre grandes oportunidades, e grandes ameaças.

O maior desafio de quando acontece uma mudança profunda nas regras do jogo da vida é conseguir compreendê-las rapidamente, não apenas para poder continuar jogando, mas também, e principalmente, para ganhar vantagem competitiva – as pessoas que as entendem desbloqueiam um poder extraordinário.

Para ilustrar a importância de conhecer o metaverso e o seu impacto em todas as dimensões da nossa existência, podemos pensar na relação de macacos com o dinheiro. Se você colocar poucas bananas e muito dinheiro na frente de um grupo de macacos, eles sempre escolherão as bananas, porque macacos não sabem que o dinheiro pode comprar muitas bananas. Pois é, quem não conhece as regras, não saberá reconhecer as verdadeiras riquezas.

Para entender o metaverso

Assim, para compreender o potencial do NFT, é fundamental, primeiro, analisar a profunda transformação do ambiente em que vivemos, especialmente nas últimas décadas. No início da história da humanidade vivíamos essencialmente uma realidade física, em que o que determinava a nossa existência e qualidade de vida era o ambiente material, como rios, montanhas, animais, plantas, proteção corporal, alimentos, etc.

Hoje, a nossa vida e o nosso bem-estar dependem cada vez mais de uma realidade mista, que engloba tanto o mundo físico quanto o digital. Grande parte do que fazemos para viver atualmente passa pelo digital, inclusive transações para usufruirmos do mundo material.

Dessa forma, o digital vem gradativamente permeando e determinando a experiência humana, absorvendo atividades que anteriormente pertenciam apenas à dimensão física, como é o caso de jogos, música, filmes, compras (mesmo de bens tangíveis), relacionamentos, etc. Com a aceleração tecnológica contínua que vivemos, esse processo tende a transferir cada vez mais partes de nossas vidas para o ambiente digital, deslocando continuamente o polo de valor para as realidades mistas.

É importante notar que uma das principais diferenças entre as realidades físicas e realidades mistas é que, enquanto a primeira é limitada, impondo-se da mesma forma a todos, a segunda é personalizável e ilimitada, permitindo customizações infinitas com quaisquer combinações de configurações físico-digitais em função das necessidades e preferências de cada indivíduo.

Assim, quanto mais possibilidades digitais existirem para configurar a realidade, mais personalizável e individualizada ela tende a ser, e maior a quantidade de realidades simultâneas passa a poder coexistir. Se por um lado isso traz um potencial incomensurável para a vida humana, por outro, ao mesmo tempo, amplia também a complexidade do tecido social, cada vez mais misto, múltiplo e interligado.

Esse ambiente nebuloso que nos envolve, misturando e abraçando tanto o mundo físico quanto o digital, fluindo entre eles e utilizando recursos de ambos para possibilitar experiências personalizadas e poderosíssimas é o que se denomina metaverso.

Apesar de o termo ter origem na ficção científica há quase 30 anos, em 1992, na obra Snowcrash de Neal Stephenson, e do conceito ter sido explorado intensamente em filmes como Matrix e Ready Player One, o metaverso foi gradativamente passando da ficção para a realidade nas últimas décadas, ganhando corpo em nossas vidas.

Pouco a pouco fomos conquistando as várias dimensões do metaverso, e hoje vivemos todas e cada uma delas: 1D (ex: textos, imagens, áudio only, etc.), 2D (ex: videoconferências) e 3D (realidade aumentada, virtual, mistas). Se outrora, em 2003, o metaverso era possível em ambientes restritos específicos, como no Second Life, agora, o metaverso engloba tudo e passou a ser o nosso universo.

Como o próprio nome sugere, “meta” significa ir além, e é exatamente isso que está acontecendo: o metaverso representa um universo muito além do que o que existia até recentemente, adicionando inúmeros layers de ampliação da experiência humana por meio da integração físico-digital propiciada pela digitalização de tudo.

Isso nos oferece, inclusive, a oportunidade de realizar no metaverso o que seria impossível no mundo físico, como, por exemplo, em 2007, o meu avatar no Second Life conseguia se teleportar, voar, ampliar a visão com zoom, entre inúmeras outras habilidades que não são possíveis (pelo menos por enquanto) no mundo físico.

Em uma iniciativa mais recente, a Accenture criou o “Nth Floor” para designar o espaço do metaverso onde todos os seus mais de 500 mil colaboradores ao redor do planeta podem se encontrar, permitindo uma oportunidade inédita de engajamento e interação, que seria impossível de acontecer apenas no mundo físico.

Outro exemplo de marca explorando o potencial do metaverso é a Gucci atuando no game Roblox. A estratégia é usada para alcançar consumidores, vendendo assets digitais para os avatares na edição limitada “Gucci Collection for Roblox”, que inclui bolsas, óculos e chapéus.

O metaverso está tão em alta que o Facebook declarou recentemente que será totalmente reestruturado para se transformar em uma empresa do metaverso. Por sua natureza fluida e integrada, o metaverso permite de forma orgânica os fluxos das experiências entre o on e off, tornando-se o ambiente propício para o omnichannel e o colapso das fronteiras entre físico e digital – e, é exatamente aqui que entram os NFTs.

A lógica dos NFTs

Qualquer transação de negócios envolve algum bem, que estruturalmente se apresenta como uma combinação de duas dimensões: tangibilidade e fungibilidade. Enquanto a tangibilidade refere-se à existência física do bem, a fungibilidade está relacionada ao seu valor de troca: possibilidade (ou não) de um bem poder ser trocado por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade. Nesse sentido, bens fungíveis podem ser facilmente trocados, pois possuem o mesmo valor, como é o caso, por exemplo, do dinheiro: você pode trocar uma nota de 1 Real por outra nota de 1 Real e as duas têm o mesmo valor.

Por outro lado, os bens infungíveis (ou não-fungíveis) têm valor único, não equivalendo a outro da mesma espécie, como é o caso das obras de arte: um quadro pintado por Picasso não vale a mesma coisa que qualquer outro quadro pintado, mesmo que sejam do mesmo tamanho, material e tenham sido usadas as mesmas tintas. Observe no quadro a seguir exemplos de combinações entre tangibilidade e fungibilidade:

exemplos de combinações entre tangibilidade e fungibilidade:

Nesse sentido, até recentemente, um dos grandes desafios do ambiente digital era caracterizar os bens infungíveis, como obras de arte, músicas e textos originais, etc. Devido à sua própria natureza, o meio online favorece a cópia e replicação infinita de qualquer criação digital, tornando todas as cópias em fungíveis e dificultando a determinação da peça original.

Além disso, no mundo físico, também existem bens que, por mais valiosos e infugíveis que fossem, sofriam do mesmo problema. Assim, como descrevê-los como um bem? Esse era o caso, por exemplo, do momento histórico único do discurso de Martin Luther King Jr proferindo “i have a dream”.

Dessa forma, os registros de bens infungíveis eram limitados, tanto no mundo físico quanto digital, fazendo com que apenas uma parte dos bens infugíveis existentes pudessem ser caracterizados.

No entanto, essa limitação está sendo vencida gradativamente conforme as tecnologias digitais vêm se somando para configurar o metaverso, trazendo consigo possibilidades com o potencial de registrar virtualmente qualquer bem, desbloqueando uma infinidade de bens infungíveis (que não conseguiam ser definidos e caracterizados dessa forma anteriormente), ampliando consideravelmente o mercado de bens existentes para negociação. Isso é exatamente o que fazem os NFT’s – eles permitem o registro e fragmentação de qualquer bem infugível, seja ele físico, digital, tangível ou intangível. O único limite passa a ser a nossa criatividade.

Você consegue imaginar como tudo aquilo que tem valor único, independente da sua natureza, pode ser tokenizado em NFT, tornando-se um bem comercializável? Obras de arte digitais, URLs, coleções, códigos computacionais, sons, momentos, ingressos, assets em jogos digitais, etc. Em suma, virtualmente tudo, até uma obra de arte invisível já foi registrada e comercializada em NFT.

Assim, mais uma vez anuncia-se o início de uma reestruturação profunda na forma como vivemos, com potencial para abalar as bases do mundo que conhecemos. O metaverso nos abraça rapidamente com suas multiplicidades de combinações e regras próprias. No entanto, por mais oportunidades que vislumbremos, uma revolução sempre traz também desafios a serem vencidos.

Por mais que o blockchain e os NFTs sejam um passo adicional para essa fusão do mundo on e off, ainda tem muito a ser feito para fechar o gap. Questões ambientais e consumo de energia, mudanças de paradigmas, integração com regulamentações existentes, entre outras, precisam ser equacionadas.

A questão que fica é: como isso tudo afeta a sua vida e os seus negócios? Certamente vai depender de como você vai enfrentar essa onda: aprendendo as novas regras do jogo para surfar e avançar, vencendo os desafios e aproveitando as oportunidades, conforme ela evolui, ou sofrendo as consequências do seu tsunami de mudanças.

Gostou do artigo de estreia da Martha Gabriel como colunista da MIT Sloan Review Brasil? Saiba mais sobre metaverso, NFTs, blockchain e outras tecnologias assinando nossas newsletters e escutando nossos podcasts na sua plataforma de streaming favorita.

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Colunista Martha Gabriel

Martha Gabriel

É referência multidisciplinar na América Latina nas áreas de negócios, tendências e inovação. Futurista pelo IFTF (Institute For The Future), engenheira (UNICAMP), pós-graduada em Marketing (ESPM) e design (Belas Artes), é ainda mestre e PhD em artes (ECA/USP) e formação executiva pelo MIT Sloan. Autora dos best-sellers "Marketing Na Era Digital", "Educar: A (R)Evolução Digital na Educação" e "Você, Eu e os Robôs", duas vezes finalista do Prêmio Jabuti. É CEO da Martha Gabriel Consultoria que atende corporações multinacionais, bancos, governo e universidades. Professora de inteligência artificial da PUC-SP, leciona ainda no Insper e Fundação Dom Cabral. Palestrante em seis TEDx, ainda é embaixadora no Brasil da Geek Girls LatAm, ONG de fomento de educação tecnológica para garotas focando na diminuição da inequalidade e no aumento da diversidade nas áreas STEM (science, technology, engineering, mathematics).

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