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Inovação aberta

8 min de leitura

Área de inovação: sim ou não? Eis a questão!

Existem aqueles que defendem que as organizações não podem ter áreas de inovação e outros que acreditam que devem ter. Empresas brasileiras reconhecidas como as mais inovadoras no ranking do Valor Inovação foram analisadas para a reflexão desse embate

Colunista Maximiliano Carlomagno

Maximiliano Carlomagno

01 de Novembro

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Artigo Área de inovação: sim ou não? Eis a questão!

No Rio Grande do Sul, na revolução federalista de 1893, ou você era chimango ou maragato. Colorado ou gremista. Na política você só pode ser de esquerda ou de direita.

A polarização atual não se restringe ao campo da vida cotidiana.

No ambiente de negócios também tem extremismo. A turma do CRM versus a do marketing digital. A do trabalho presencial contra a galera do remoto. E por aí vai...

A inovação corporativa não poderia ficar imune a essa realidade. Existem aqueles que defendem que as empresas não podem ter áreas de inovação. A inovação deve ser descentralizada. Todos devem inovar. "Empresa inovadora não precisa de área de inovação" foi o que escutei recentemente em conversa com uma startup, nativa digital.

Por outro lado, há os que acreditam que sem área dedicada não existe inovação. Inovação é algo que exige tempo, método e perfil específico. Não é algo natural. Precisa de indução. Como dizemos na Innoscience, "ninguém faz nada incrível no tempo que sobra".

Para aprofundar a reflexão sobre o tema resolvi analisar a abordagem de algumas das empresas brasileiras reconhecidas como as mais inovadoras no ranking do Valor Inovação. Suzano, Embraer, Natura, Ambev e Braskem.

Disclaimer: ainda que a Innoscience, consultoria da qual sou sócio-fundador, tenha relação comercial com as empresas citadas todos os dados apresentados são de fontes públicas.

Será que as empresas mais inovadoras têm áreas de inovação ou a inovação está distribuída em toda empresa?

A Suzano vencedora dessa edição do ranking de mais inovadoras tem estrutura de transformação digital. Tem área de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, hub na China e estrutura no Canadá. Patrocina o Cubo, hub de inovação onde realiza suas iniciativas de inovação aberta. Também tem diretoria de novos negócios focada em novos bionegócios. E a Suzano Ventures, braço de investimento em startups, corporate venture capital, onde analisou mais de 321 startups globalmente e fez três investimentos no último ano.

A Ambev tem o Centro de Inovação e Tecnologia. Uma área de inovação disruptiva. Tem estrutura de parcerias e inovação. Uma área de ecossistemas. Um programa de inovação aberta, o Além. Uma aceleradora de startups de impacto. Uma estrutura gigante da Ambev Tech. A empresa se percebe como uma plataforma tendo o eixo B2B suportado pelo Bees e o B2C pelo Zé Delivery. O Zé Delivery foi responsável por 6% do volume de pedidos da empresa em 2021. E ainda a cervejaria do futuro em Guarulhos.

A Embraer, vencedora do ranking Valor anos atrás, tem uma ampla trajetória de desenvolvimento tecnológico. Área de pesquisa e desenvolvimento. Programa de intraempreendedorismo, de onde surgiu a ideia de um fundo de corporate venture capital. Tem a EmbraerX, dedicada à criação de novos negócios. Investe em CVC de maneira direta e indireta com a MSW. Tem uma estrutura para fomentar a cultura e concentrar o relacionamento com parceiros externos de seu ecossistema. E tem projetos que viraram novos negócios como a EVE, subsidiária listada na NYSE, que desenvolve o EVTOL e tem 2.770 pedidos não vinculantes que somam mais de 8 bilhões de dólares de potenciais negócios.

A Natura, reconhecida pela conexão do tema de inovação e sustentabilidade, não fica atrás. Tem programa de startups. Área de P&D. Parceria com universidades. Pioneira no tema criou em 2003 o programa Natura Campus onde estabelece parcerias focadas em hard, life sciences. Investe 3% da receita em P&D e tem 300 pessoas nessa estrutura. Faz inovações sociais. Digitais. De produto. Logísticas. A Fable é a subsidiária de investimentos da Natura &Co que apoia (com participação minoritária) negócios inovadores e em ascensão nas áreas de beleza e bem-estar. Em 2022, a Fable investiu na Maude e Perfumer H.

A Braskem não fica atrás. Investiu 500 milhões de reais em inovação e tecnologia em 2022. Tem uma área de inovação de produto. Um centro de tecnologia e inovação no Brasil, Estados Unidos, Alemanha e México. Um hub de inovação de desenvolvimento de embalagens sustentáveis, o Cazoolo. Estruturou um "venture arm", a Oxygea pra acelerar, incubar e investir em novos negócios. E uma estrutura de transformação digital para desenvolvimento de produtos digitais, inovação aberta e criação de startups corporativas.

Esses cinco casos nos permitem fazer três análises exploratórias interessantes.

1 - A inovação não acontece por acaso nas empresas mais inovadoras: a empresa estabelecida tende a reforçar o negócio existente. A transformação passa por um processo estruturado de intervenção. A coisa não acontece sozinha, organicamente. A Ambev decidiu alguns anos atrás que os atributos culturais e o mix de produtos que a fizeram crescer não eram suficientes para fazê-la seguir evoluindo. Um dos sócios controladores disse a época que se via como "um dinossauro apavorado". De lá para cá a empresa desenvolveu de maneira deliberada uma série de transformações. Reforçou sua estrutura de pesquisa e desenvolvimento de produtos refinando a abordagem de experimentação como no caso da Brahma Duplo Malte. Criou estruturas como a ZX e Ztech, posteriormente integradas ao negócio existente. Montou unidades de negócio adequadas para os produtos além da cerveja. Ampliou e incorporou um conjunto de milhares de desenvolvedores na AmbevTech. Estruturou uma série de iniciativas com startups como o Além, Aceleradora 100 +, Founders Community e Innovation Challenge. Pelo terceiro ano consecutivo foi reconhecida como a melhor empresa em inovação aberta. Os resultados dessas conquistas são produto de ações organizadas do management. Ter estruturas dedicadas à inovação não limita, pelo contrário, potencializa a inovação.

2 - As empresas mais inovadoras têm estruturas de inovação focadas em diferentes objetivos estratégicos: novos negócios requerem tempo, experimentação e time com dedicação exclusiva. Estruturas como innovation labs, programas de corporate venture building e corporate venture capital são algumas das estruturas que empresas como Suzano, Braskem, Ambev e Embraer utilizam. Eficiência operacional exige envolvimento das unidades de negócio, capacitação e incentivo por meio de profissionais part-time alocados. Programas de intraempreendedorismo, inovação aberta e capacitação são veículos que Natura, Ambev e Embraer utilizam. Desenvolvimento de novos produtos requer desenvolvimento tecnológico. Parceria com universidades, estruturas de pesquisa e desenvolvimento próprias e uso de técnicas de design thinking são mecanismos utilizados para esse tipo de objetivo estratégico. A Braskem e a Universidade de São Paulo (USP) anunciaram uma parceria para desenvolvimento de linhas de pesquisa para a conversão de CO2 em outros produtos químicos. O Natura Campus sistematiza esse tipo de processo nos últimos 20 anos. Determinados tipos de inovação não acontecem facilmente concorrendo com o trabalho do dia a dia. Por isso, precisam de estruturas dedicadas, cada uma com determinada configuração, processo de trabalho e perfil de pessoas.

3 - As empresas mais inovadoras tem um conjunto de "áreas" de inovação que se conectam: não é sobre ter área ou não ter área, mas quais modelos são adequados para cada estratégia, estágio e cultura. As empresas mais inovadoras tem um conjunto de áreas de inovação. A Oxygea é o veículo da Braskem dedicado a criar novos negócios além do negócio químico e petroquímico atual. Uma estrutura de mais de dez pessoas dedicadas exclusivamente para esse desafio. A empresa se comprometeu a alocar U$ 150 milhões nos próximos anos. A decisão passou pelo conselho de administração da empresa. A estrutura fica sediada no Cubo. Os profissionais são pessoas com entendimento do contexto corporativo e experiência empreendedora. Essa estrutura se apoia no scouting global de tecnologias que a área de inovação aberta realiza. Uma das startups incubadas na Oxygea, a Zaya, foi criada no programa de intraempreendedorismo realizado pela área de novas ventures, dentro da diretoria de transformação digital da Braskem e vai se apresentar esse ano no Web Summit em Portugal. Essa startup corporativa se aproveita do Cazoolo, hub de embalagens sustentáveis da empresa, residente no State, para gerar novos negócios. As áreas de inovação, ainda que com papéis distintos, podem potencializar os resultados ao atuarem de maneira sincronizada.

A inovação não é um Grenal que você precisa escolher o seu lado. O que funciona no Nubank, Google ou Netflix pode não ser o que vai funcionar para a sua empresa.

Em 1967, Paul Lawrence e Jay Lorsch questionaram a ideia de que havia uma única forma de fazer gestão que se aplicava a todas as empresas e promoveram o que veio a se chamar de teoria da contingência. A abordagem contingencial explica que existe uma relação entre as condições do ambiente e as abordagens gerenciais adequadas para o alcance dos objetivos da organização. A Teoria da Contingência defende que não existe uma única estrutura organizacional que pode ser aplicada a todas as organizações da mesma forma, pois as empresas, os ambientes e os fatores contingenciais são diferentes. O trabalho do management é identificar os principais fatores contingenciais, normalmente relacionados à indústria, tecnologia, ambiente, cultura e estratégia para definir o melhor caminho.

A forma de organizar sua empresa para inovar é dependente da estratégia, momento e cultura da empresa. Os veículos de inovação a serem utilizados (P&D, CVC, CVB, Inovação aberta, intraempreendedorismo ou parceria com universidades) são uma resposta a essas contingências.

A inovação numa empresa em fase startup, nativa digital não deve ser organizada da mesma forma que numa indústria centenária de bens de consumo. O papel da alta gestão, conselho e lideranças de inovação é ver além do ruído e estabelecer uma jornada sob medida e consistente para obter os melhores resultados, configurando as estruturas adequadas para o modelo e estratégia de inovação selecionados.

Essa discussão, como outras que são produto da polarização, apresenta um falso dilema. O tema não é se as empresas precisam ou não de área de inovação. A questão central é "quando uma área de inovação faz sentido?", "quais estruturas de inovação são necessárias para cada estratégia?", e "qual o papel de uma área de inovação?”.

Esse debate é pauta para o próximo artigo.

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Colunista Maximiliano Carlomagno

Maximiliano Carlomagno

É sócio-fundador da Innoscience, consultoria de inovação corporativa que trabalha com empresas como Roche, Coca-Cola, Duratex, Hypera Pharma. SLC Agrícola, Sicredi, M. Dias Branco, Braskem, Nestle, Ipiranga e Avon. É autor do livro “Gestão da Inovação na Prática”.

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